A comunicação de Manuel fora mais do que econômica. Faltavam apenas três dias para o casamento de Maite e Anahi queria ir à recepção com Manuel na esperança de que, ele vendo alguém se casar, se animasse em fazer o mesmo.
Ergueu a cabeça e viu o oficial Alfonso Herrera pelas costas, ao longe. Ainda carregava o cachorro. Ela sorriu pensando que poucos homens se dariam ao trabalho de ajudar um animal ferido. Surpreendera-se ao constatar que ele conhecia Manuel, pois Alfonso parecia bem mais... terreno... do que os demais amigos de Manuel. Claro, dissera que conhecia Manuel brevemente, da academia. Por outro lado, deviam ser mais do que apenas conhecidos, pois Manuel mencionara a Alfonso o nome dela.
Uma buzina chamou sua atenção. O motorista do ônibus, mantendo a porta do veículo aberta, gritou:
— Vem ou não vem, lady?
Anahi levantou-se depressa e entrou no ônibus. Se não parasse de sonhar acordada, jamais daria conta do que tinha a fazer naquele dia. Porém, mesmo apertada entre gente barulhenta, não conseguia afastar o pensamento do rosto preocupado do oficial Herrera. Os ombros de Manuel eram tão largos quando os de Alfonso? Ela poderia parar de trancar as portas da casa se todos os policiais de Birmingham despertassem nela aquele mesmo sentido de segurança que Alfonso transmitia.
Com um suspiro reconheceu que a única razão de ter se impressionado daquela maneira pelo policial fora o fato de a noite da véspera com Manuel ter despertado nela sensações diferentes. Sensações como a daquele momento, que ganhavam vida. Suas coxas formigavam, os seios pesavam, o estômago apertava.
Anahi se censurou por seus pensamentos sexuais acerca de um homem que acabara de conhecer, mas algo no oficial Alfonso Herrera parecia-lhe familiar. Ou talvez a robustez do policial, bem americana, era como se ele fosse alguém que merecia ser conhecido? Era como a foto de um homem atraente numa propaganda de revista, cujos olhos se direcionavam a uma mulher dizendo-lhe que ela era especial e que, se ele pudesse sair daquela página, a faria sua.
Poderia acontecer, não?
— Town Center Mall! — o motorista gritou, interrompendo as fantasias de colegial de Anahi. Ela desceu do ônibus bem devagar, e tomou a direção da loja que Dulce recomendara, onde deveria comprar um vestido para o casamento de Maite. Dulce insistira que as roupas daquela loja eram lindas e baratas. Carregando as duas sacolas, e com o estômago vazio, Anahi foi para a praça de alimentação de um shopping center ali perto.
Um velho senhor lia o jornal. Três rapazes conversavam enquanto tomavam sorvete. Um policial dava instruções a um grupo de pré-adolescentes sentados em volta de uma mesa.
Anahi parou.
Oficial Herrera? Seu pulso acelerou. Que faria ele ali no shopping center?
Ela olhou para o relógio. Que tal se fosse lhe perguntar algo sobre o cachorro? Decidiu que não haveria inconveniente em lhe dirigir a palavra. Afinal, não pusera Alfonso seu emprego em perigo? Mas, enquanto o observava, viu uma jovem aproximar-se dele. Usava um vestido de cor viva e sapatos de salto muito alto. Os cabelos eram lindos, e usava-os soltos. O oficial respondeu à mulher com um sorriso que fez Anahi engolir um pedaço grande de pão sem mastigar.
O pão alojou-se em seu esôfago, bloqueando a passagem do ar. Ela tossiu. Estava engasgada. Ia morrer com o incidente da última noite pesando-lhe na consciência... Sua próxima conversa seria com São Pedro... Sim, com São Pedro.
Anahi ficou em pé por alguns segundos, dando golpes no peito na esperança de chamar a atenção de alguém. Depois resolveu ela mesma tentar alguns exercícios no encosto de uma cadeira. Foi quando ouviu um homem gritar.
— Ela está engasgada!
E dois braços fortes circundaram-na pelas costas e lhe aplicaram socos na altura do peito. Após o segundo golpe o pedaço de pão pulou como um torpedo de sua boca sendo projetado a alguns metros de distância. As pessoas se afastaram e Anahi arfava como um cavalo após uma corrida.
Aplausos por toda parte se registraram em seu cérebro ainda semiobscurecido.
As pessoas presentes fizeram-na sentar-se numa cadeira.
— Sente-se bem? — ela ouviu alguém dizer.
Aí enxergou o rosto de um homem atraente, um rosto familiar.
— Anahi, você está bem?
Ela viu então que fora o oficial Alfonso Herrera quem lhe salvara a vida.
Quereria isso dizer que devia tudo a Alfonso, que devia a Alfonso sua alma, e algo mais? Alfonso ajoelhava-se diante dela, com o mesmo rosto preocupado de quando levara o cachorro ao hospital. E Anahi sentiu-se como uma idiota.
— Que tal beber alguma coisa? — Alfonso lhe perguntou, o rosto mais junto ao dela agora.
Anahi sentia-se hipnotizada pelos olhos castanhos rodeados de pestanas escuras e pelas grossas sobrancelhas. Por não saber o que responder, acenou com a cabeça e pegou o copo de bebida que lhe foi oferecido. Enfim, quando conseguiu falar, disse:
— Você foi um verdadeiro herói hoje.
Quando ela lhe devolveu o copo vazio notou que Alfonso não usava aliança.
Não que isso importasse, ela admitiu logo.
— Não há heróis aqui, madame. Apenas cumpri meu dever.
Surpreendente como não soubera da existência do oficial Alfonso Herrera antes, daquele dia, Anahi pensou. No entanto, já se haviam encontrado duas vezes em questão de horas.
— Mundo pequeno este, não? — ele perguntou, como se lhe tivesse lido a mente.
— Pequeno mesmo. — Anahi ainda não havia se recuperado do episódio com Manuel, e lá estava ela desejando ardentemente aquele desconhecido. Tanto quanto o temera. De um dia para o outro, mergulhara num poço de sensualidade.
— Parece-me que você andou se divertindo nas compras até agora - disse Alfonso, apontando os pacotes. — Alguma data especial?
— Um casamento — ela respondeu.
— O seu?
— Não, não o meu.
— Tem certeza de que está bem, madame?
— Naturalmente. Isto é, se você não quebrou uma de minhas costelas.
Sou enfermeira registrada, oficial Herrera, e muito capaz de fazer o que você fez.
— Mas não estava fazendo.
— É que eu procurava com calma uma cadeira de altura adequada — ela respondeu, indignada.
Alfonso parecia se divertir imensamente.
— Bem, perdoe-me. Talvez eu devesse ter esperado você ficar roxa enquanto procurava por essa cadeira. Ou, melhor ainda, talvez devesse lhe ter sugerido uma clínica do outro lado da cidade.
O oficial Alfonso era um homem muito arrogante, Anahi concluiu. Tantos adjetivos desagradáveis surgiram em sua mente para classificá-lo, que ela até perdeu a vontade de comer.
— Não vai terminar de comer? — ele lhe perguntou.
— Não.
— Talvez seja interessante você procurar um médico para examiná-la.
O que ela precisava mesmo era conversar com Manuel.
— Oficial, acho que posso tomar essa decisão sozinha.
— Eu preciso fazer um relatório sobre o que aconteceu aqui hoje — ele declarou. — Quer que lhe mande uma cópia?
— Não. Passe bem.
Ele inclinou a cabeça e despediu-se.
— Passe bem, madame.
Anahi já estava na saída quando sua consciência doeu. E perguntou:
— Como vai o cachorro?
— O veterinário disse que ele ficará bom.
— Ótimo. Mais uma vez, obrigada.
— De nada, madame.
Anahi não virou a cabeça para trás, mas sentia o olhar de Alfonso até chegar a seu apartamento. Além da farda e do corpo perfeito o irritante homem tinha uma grande dose de atração sexual.
Era uma boa coisa ele ser tão irritante e ela estar tão... satisfeita com Manuel.
Sim, satisfeita.
Quando Anahi viu a luz piscando na secretária eletrônica, seu coração disparou. Manuel. O que irá ele dizer? Estaria satisfeito com a nova fase que o romance deles estava tomando ou achara que ela havia ido longe demais?
Depois de suspirar fundo, apertou o botão. Deu um pulo quando ouviu uma voz desconhecida.
— Obrigado por ter comprado nosso produto. Aperte o botão número 1 se não quiser que esta mensagem seja repetida.
Bem, era cedo demais. Manuel provavelmente telefonaria mais tarde.
Pegou a correspondência, sentou-se no sofá e começou a lê-la.
Contas, contas, contas e uma carta da mãe. Anahi resolveu terminar com aquilo logo e abriu o envelope. A mãe lhe dizia que iria prolongar sua estadia em Denver com Fannie e a perfeita família. Precisavam dela, afinal de contas.
Anahi fora a filha preferida do pai, Fannie a da mãe.
Como era esperado, a carta terminava com um P.S. Acendi uma vela na igreja na missa de sábado pedindo a Deus que mandasse a você um homem que a faça tão feliz como Albert faz Fannie. Como vai Manuel?Anahi deitou-se no sofá e pôs-se a refletir sobre a vida da irmã. Ela abandonara os estudos para freqüentar a sociedade e logo se apaixonara pelo filho do homem que criara os alojamentos de corridas de ski, sendo que um dos maiores era o localizado em Denver, suficiente para alojar os candidatos às Olimpíadas de inverno. O casamento de Fannie fora o evento social do ano, em Denver. Os vestidos das damas de honra custaram uma fortuna.
Naturalmente que Anahi desejava o mesmo, mas conformava-se admitindo que Fannie herdara todo o genes de encontrar um bom marido. Talvez ela fosse destinada a ficar uma solteirona.
O telefone tocou. Manuel, finalmente.
— Alô. Sou eu — disse Dulce.
— Oh, como vai?
— Posso perceber, pelo tom de sua voz, que Manuel ainda não telefonou.
Anahi suspirou.
— Deixou recado no hospital dizendo que foi chamado para fora da cidade inesperadamente, e que telefonaria assim que pudesse. Mas, até agora, não soube dele.
— Talvez Manuel esteja muito ocupado ou num lugar sem telefone. Ei, o que houve com o episódio do cachorro? Todos na cidade comentam isso. O que aconteceu?
— Um oficial entrou correndo no hospital carregando um cachorro envolvido num cobertor. Eu não sabia que se tratava de um cachorro até ele entrar na sala de exame.
— Então você expulsou o policial imediatamente. Certo?
— Tentei. Mas quando recusei tratar do cachorro o homem começou a remexer em tudo aqui no hospital e a colocar as ataduras ele mesmo.
— Então, sendo uma pessoa de bom coração como você é, ajudou-o.
— Que mais poderia eu fazer?
— Bem, só espero, Anahi, que o rapaz valha pelos problemas que você terá amanhã.
— Ele não vale.
— O dr. Story pode despedi-la amanhã mesmo. Sabe disso, não? Ao menos me diga, esse oficial é solteiro?
— Não perguntei a ele. Por que quer saber?
— Ora, se as coisas forem mal com Manuel, você tem um reserva. Ouvi dizer que os militares são fantásticos na cama.
Anahi afastou a mente da imagem do enorme oficial. Dulce sem dúvida exagerava as coisas. Após uma pausa, Dulce perguntou:
— Encontrou o vestido?
— Encontrei.
— Espero que Manuel se encante por você no dia do casamento.
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Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)
RomantikQuente demais... O calor excessivo não deixava Anahi Portilla dormir. Entediada com sua vida amorosa insípida, ela decide fazer uma brincadeira com o namorado: flertar pelo telefone... e algo mais! Sua ousada experiência é um sucesso. Só que Anahi...