Capítulo 10

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— Eu gostaria de falar com a enfermeira Anahi Portilla — Alfonso disse à pessoa que fazia a lista dos doadores de sangue. A moça fitou-o da cabeça aos pés.
— É amigo de Anahi? — perguntou.
Não, mas fizemos sexo juntos.
— Somos conhecidos.
— Ah, um momento. O senhor é o oficial que quase a fez perder o emprego?
— Sou. — Ele sorriu. — Mas tenho outros qualificativos mais interessantes.
— Garanto que tem. Por aqui, oficial Herrera.
Alfonso seguiu-a, espantado por ela conhecer tão bem a vida de Anahi.
Ocorreu-lhe que a mulher poderia lhe ser útil.
— A senhora é a amiga dela que vai se casar?
— Oh, não, essa é Maite Perroni. Eu sou Dulce. Dulce Maria.
— Prazer em conhecê-la, Dulce. — Ele sorriu.
— Igualmente.
Alfonso viu Anahi antes de ela vê-lo. Anahi colocava ataduras no braço de uma senhora de meia-idade que acabara de doar sangue. Sorria para ela. Alfonso sentiu uma ponta de inveja. Queria ser a razão daquele radiante sorriso. O perfil de Anahi era classicamente lindo, e ele se perguntava pela vigésima vez por que Manuel não enfiara logo uma aliança no dedo da moça.
— Anahi — Dulce disse —, veja quem apareceu.
Anahi virou o rosto e o sorriso sumiu de seus lábios.
— Oi — ele disse.
— Alô.
Se a cidade pudesse engarrafar aquele gelo, a onda de calor melhoraria.
— Anahi, você não me falou que seu oficial era tão atraente — Dulce comentou.
— Ele é? Eu não tinha reparado.
Dulce fitou a amiga com olhar estranho e retirou-se.
— Não sou atraente? — Alfonso perguntou a ela, fingindo desaponto.
— O que faz aqui, oficial?
— Vim cumprir meu dever de cidadão.
— Tem certeza de que seu sangue não está quente demais depois da pequena celebração de aniversário que acabou de acontecer?
— Desculpe-me sobre o que houve. Meu amigo às vezes vai longe demais com as brincadeiras. Na realidade, procurei-a depois, mas você havia desaparecido.
— Olhe, oficial, estou muito ocupada. Se quer doar sangue, sente-se aí.
Ele obedeceu, achando que seria a única oportunidade de ficar perto de Anahi. Ela auscultou-o com o estetoscópio. Alfonso riu, dizendo:
— Pela sua cara, eu diria que estou morrendo,
— Não, mas sua pressão arterial está acima do normal. É típico em você?
— Não. Minha pressão sempre foi perfeita. Provavelmente a excitação do dia. Posso doar sangue?
— Sim. Mas verifique sua pressão arterial daqui a uns dias. Agora enrole a manga da camisa, por favor.
Enquanto fazia isso, Alfonso insistia:
— Ainda não comemos aquele cachorro-quente. A que horas você está livre? — Desconte cada minuto em que estivermos falando ao telefone.
— Não antes de algumas horas — ela respondeu, não demonstrando o menor interesse.
A mulher o mataria se adivinhasse que o oficial Herrera sabia os sons que ela emitia quando entrava em orgasmo.
— Mas você — Anahi acrescentou — precisa comer alguma coisa quando sair daqui.
Alfonso não se preocupou, pois sabia que ela telefonaria outra vez à noite, a menos que descobrisse que estivera discando o número errado. Havia também o perigo de Manuel telefonar.
Anahi amarrou a tira de borracha um pouco acima do cotovelo de Alfonso. Ela mantinha os cabelos presos no alto da cabeça, não caindo pelos ombros como estariam à noite, quando telefonasse.
Os dedos dela tocaram-lhe ligeiramente a pele, como asas de uma borboleta e, para o próprio espanto, Alfonso sentiu que se excitava. Embaraçado, tentou esconder a evidência de sua reação colocando o boné sobre o colo, mas Anahi notou o movimento e franziu a testa.
Ela apertou uma veia com os dedos; e disse, com um sorriso maldoso nos lábios:— Aqui está uma muito boa. — E ergueu a mão para espetar a agulha sem dó nem piedade.
Sabendo o que ia acontecer, pela expressão do rosto dela, Alfonso pediu:
— Cuidado, madame. Sou muito sensível. Aiiiiiii...
— Agora fique quieto, ok? — Após uma pausa, ela resolveu perguntar: — Afinal, encontrou o dono do cachorro?
— Telefonei. Mas Crash não era o cachorro deles.
— Crash?
— Decidi dar um nome a ele, imaginando que pudesse ficar em meu apartamento por algum tempo.
— Está causando problemas para você? Problema de espaço, por exemplo?
— Bem, não. Meu apartamento é velho, mas bastante grande. E moro sozinho.
— Oh!
— E você, mora sozinha?
— Isso não é de sua conta.
— Eu quis dizer, mora com sua família?
— Não.
Não tem nada de faladeira, essa gata, ele disse a si mesmo.
— Sua família é grande, madame?
— Uma irmã, duas sobrinhas. Todas em Denver. Meu pai morreu há vários anos, mas ainda tenho mãe. Ela mora com minha irmã quase o tempo todo. E você, Alfonso?
— O que tem eu?
— Tem uma família grande?
— Um irmão, quatro irmãs, dez sobrinhos e sobrinhas.
— É?
— Meus pais moram na Virgínia, e muito bem. Os filhos, nós todos, estamos espalhados pelo mundo mas tentamos nos encontrar pelo menos uma vez por ano.
— Isso é bom! — Anahi comentou, com sinceridade. Ela retirou a seringa e deu a ele uma gaze para pressionar no ponto onde entrara a agulha.
Depois escreveu qualquer coisa num caderno.
— Quer jantar comigo algum dia? — ele lhe perguntou.
— Não posso. Manuel e eu temos... exclusividade.
Porém nós dois somos bons juntos, Alfonso teve vontade de gritar. Você tem partilhado suas fantasias comigo, sabia?
— Seu namorado já voltou? — Alfonso sabia que entrava em terreno perigoso, mas não pôde evitar a pergunta.
— Voltou. Mas esqueci-me de mencionar seu nome a ele.
— Não se preocupe com isso — Alfonso sussurrou. Teve vontade de agarrá-la para lhe dar um longo beijo. Manuel e as enfermeiras presentes que fossem para o inferno.
Mas, em vez disso, desenrolou a manga da camisa. Teve dificuldade em abotoar o punho.
— Deixe-me fazer isso para você — Anahi sugeriu.
E num gesto que pareceu erótico para Alfonso ela inseriu o disco de ouro na estreita casa para a abotoadura. Alfonso enxugou a transpiração da testa.
— Pronto! — Anahi sorriu e agradeceu: — Obrigada por ter doado sangue. O banco está na verdade muito baixo em reserva.
— E eu fico contente por ter ajudado. Gostaria de poder fazer muito mais.
— Talvez possa encorajar seus companheiros de trabalho a vir aqui.
Não perca essa oportunidade, ele disse a si mesmo.
— De quanto mais você precisa?
— Quanto mais, melhor. — Os dentes dela eram muito brancos, e como brilhavam!
— Posso conseguir uma centena de doadores. Depois disso, você jantará comigo?
— Não. Mas pagarei um cachorro-quente para você.
Alfonso alegrou-se com essa parca possibilidade.
— Combinado! — Ele levantou-se. — Espero que você tenha suficientes bolsas para sangue.
— Acho que ficarei trabalhando até muito tarde hoje — Anahi comentou.
Alfonso hesitou. Significaria aquilo que ela não telefonaria naquela noite?
— Você tem planos para mais tarde? — Alfonso lhe perguntou. Anahi sacudiu a cabeça.
— Não, apenas preciso telefonar para Manuel quando chegar em casa. Só isso.
Alfonso esboçou um sorriso de satisfação.
— Bem, quando falar com ele esta noite, diga-lhe que o considero um homem de muita sorte. — Ele pôs o boné na cabeça, tocou na aba e disse: — Madame...

Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora