Capítulo 12

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Durante toda a manhã o humor de Alfonso balançou entre o entusiasmo porque iria ver Anahi naquela tarde para comemorar sua "vitória" sobre o sanduíche, e o desespero por estar levando seu romance longe demais.
Precisara cortar a conversa na véspera porque ela entrava em territórioperigoso.
As coisas estavam fugindo de seu controle, em especial devido a sua atração pela mulher. Esperando que Manuel tivesse saído da cidade
definitivamente, ele telefonara para o escritório do homem e soubera atravésda secretária eletrônica que ele voltaria a Birmingham no domingo. Isso nãoexplicava, contudo, por que motivo não se comunicara com Anahi de onde estava. O ingrato!
Mas, enfim, a perda de Manuel seria o ganho dele, ao menos até domingo.
Durante os próximos dois dias, ele venceria Anahi. Talvez descobrindo queManuel não era o homem com quem ela vinha falando, rompesse definitivamentecom seu antigo namorado.
Alfonso coçou a cabeça com a chave de fenda que usava para instalar uma caixa de ventilador junto à janela de seu quarto. Por outro lado, seria esse omeio através do qual desejava conquistar Anahi?
Além disso, o que faria com Anahi se ela descobrisse sua mentira?
Anahi apenas o tolerava. O que faria com ela? Mau. Muito mau.
Felizmente, Anahi não teria meios de ligar os telefonemas à pessoa dele, mesmo que descobrisse que estivera conectando um número errado.
Como oficial de polícia, seu número não constava da lista e era superprotegido.
Apenas desfeita a ligação, não haveria possibilidade de se encontrar o nome dapessoa com quem ela falara.
De qualquer modo, estivera enganando alguém. Poderia se considerarfeliz se ela não o processasse. Verdade seja dita, não quebrara nenhuma lei escrita, mas não precisava ser um gigante mental para reconhecer que desobedecera várias leis não escritas.
Céus, o que poderia fazer agora?
Poderia simplesmente esquecê-la, decidiu, vendo que ele não era tão importante para Anahi, afinal. Ele não é meu tipo. Se Anahi ligar de novo acidentalmente, ele poderia apenas dizer que era engano e desligar o telefone. E fim da história.
Alfonso passou a mão pelo rosto, procurando apagar a imagem do rosto deAnahi sorrindo, caçoando dele na véspera na fila dos doadores de sangue,mas mantendo a fachada severa. Seria ele o único homem a saber como Anahi podia ser desinibida?
De sua cama no chão, Crash latiu. Fez Alfonso se lembrar de que havia outros problemas no mundo além de seu namoro com a enfermeira Anahi Portilla.
Como chegara bem mais cedo ao serviço naquela manhã, sairia cedo à tarde a fim de se preparar para seu encontro com Anahi. Combinaram se encontrar no parque Herrington às três e meia. Ele olhou o relógio. Faltava uma hora ainda.
— Que tal um pouco de ar fresco? — ele perguntou a Crash. O cachorro latiu duas vezes.
— Ok. — Alfonso trocou o curativo de Crash para que se apresentasse decente no encontro com Anahi.
— Oh, que engraçadinho! — Anahi sussurrou quando viu Alfonso vindo a seu encontro. Não ele, embora estivesse bem diferente do habitual e menosassustador de jeans e camiseta azul-marinho. O cachorro era o engraçadinho,vindo atrás num carrinho vermelho.
— Alô — Alfonso cumprimentou-a. — Espero que não se importe por eu ter trazido uma companhia.
— De forma alguma — Anahi respondeu, abaixando-se para acariciar o cachorro. — Ele é bem simpático, não é?
— E está gostando muito de mim. — Alfonso sorriu. Anahi também sorriu para ele, esforçando-se para resistir ao charme do galante oficial. Maldito homenzarrão! Enfraquecida por ter passado uma noite quase em claro, sentiase muito vulnerável. Sua imunidade a Alfonso baixara, e isso a assustava.
Adicione-se a isso o fato de Dulce provocá-la o dia todo acerca do encontro no parque. — Tive medo de que você mudasse de idéia — disse Alfonso. — Houve alguma emergência?
— Não, não houve emergência no hospital — Anahi respondeu. Bem que ela poderia ter inventado uma emergência, pois várias coisas aconteceram.
Seus cabelos estavam horríveis, pois tivera de usar touca o dia todo. Sua maquiagem sumira e ela não trouxera nada para retoque e nem queria pedir emprestado a Dulce. Levara um short caqui e sandálias para trocar, mas uma criança vomitara em sua blusa e ela tivera de comprar uma camisa na loja de presentes, que lhe custara vinte e quatro dólares.
— Deixe-me andar um pouco para aumentar meu apetite — Alfonso pediu.
Anahi imaginou que ele poderia comer uma dúzia de sanduíches. Um cachorro-quente? Não, impossível.
Ele pediu dois para si, cheio de picles, e um simples para Crash. Anahi encomendou um também com picles para ela e ainda procurava o dinheiro na bolsa quando descobriu que Alfonso já havia pago por tudo, pelos sanduíches e pelos refrigerantes.
— O convite era meu — ela protestou.
— Não, era meu — Alfonso disse, carregando as coisas para a mesa. — Você quer por favor puxar o carrinho de Crash?
Sentindo-se um tanto tola, Anahi puxou o carrinho e seguiu Alfonso a uma mesa de piquenique à sombra de uma árvore frondosa.
— Está bem aqui? — ele perguntou.
— Claro.
— Você é fotógrafa profissional também? — Alfonso lhe perguntou, ao ver a câmera.
— Amadora apenas. — Anahi corou. — É uma velha máquina manual de 35 milímetros mas que tira fotos muito boas. Sempre quis tirar algumas fotografias deste parque. — Ela não acrescentou que uma foto faria aquele passeio parecer menos como um encontro de namorados.
— Quer tirar uma foto de Crash? — Alfonso lhe perguntou. — Eu terei mais facilidade em encontrar seu dono tendo uma fotografia nas mãos.
Anahi hesitou, apenas porque isso perpetuaria os encontros.
— Terei muito prazer em lhe pagar por isso — Alfonso acrescentou.
— Bobagem. Terei muita satisfação em tirar uma ou duas fotos, se isso tiver como resultado uni-lo a seu dono.
O sorriso de Alfonso foi perigosamente prazeroso.
— Obrigado, madame — ele disse.
— Você não está trabalhando hoje? — Anahi lhe perguntou, apontando para as roupas que ele usava.
— Peguei o turno da manhã, e comecei bem cedo.
— Portanto deve estar cansado.
— Em geral durmo muito pouco. Sofro de insônia —. Alfonso explicou.
— Eu também.
— Provavelmente por causa de nossos trabalhos, horários irregulares,
estresse. Você é uma enfermeira. O que faz para se divertir?
Anahi engasgou com o refrigerante. Faço telefonemas de sexo com meu namorado. Uma semana atrás ela era uma quase-virgem frustrada, desde então passara a ser uma amante ao telefone.
— Você tem problemas para adormecer? — Alfonso sacudiu a cabeça.
— Geralmente não.
— E por que a insônia?
— Não sei. Quanto a você, tente não pensar nos problemas de sua vida, para evitar a insônia.
— Tento, mas parece não funcionar.
— E acerca... de seus relacionamentos pessoais, Alfonso?
— O que têm eles?
— Bem... você possui alguns?
— Se quer saber se tenho uma namorada, não, não tenho.
— Eu quis dizer amigos, companheiros de trabalho, vizinhos.
— Conheço muitas pessoas, mas não sei se as chamaria de amigas.
— Descobri! — ela exclamou. — Você me disse que era muito apegado a
sua família. Mas agora estão todos longe. Você provavelmente tem necessidade de um companheirismo emocional. Como com Crash. Animais aliviam o estresse.
— É verdade — Alfonso concordou. — É bom ter um animal em casa.
— Venho pensando em comprar um cachorro para mim. Como companhia.
— Não mora com seu namorado? — ele perguntou.
— Não! — Morava só, com um sofá duro como uma pedra.
— Quer dizer que você e Manuel não têm um namoro sério?
— Não somos noivos, se é o que quer saber.
— Já se casou alguma vez, Anahi?
— Não. E você?
— Absolutamente, não. Observo uma infinidade de situações domésticas
em minha linha de trabalho. Garanto que você também — Alfonso comentou. — Às vezes penso, com tanta gente no mundo, como pode uma pessoa saber quando encontra o par certo?
— Você... acaba sabendo, acho.
— Quer dizer que Manuel é o homem certo para você?
Anahi teve vontade de dizer a Alfonso Herrera que aquilo não era da conta dele. Porém os olhos do homem estavam tão cheios de calor humano que ela não teve coragem de ser grosseira.
— Acho que sim.
De repente, Anahi pensou. Aquele homem, um estranho, a deixava meio fora de si. Ele a fazia se lembrar de alguém... Gelou no instante em que descobriu.
Seu pai. Atraente, sorriso tentador. Tão fácil de ser amado, tão fácil de ser perdoado. O quarto dela ficava ao lado do dos pais, por isso ouvia as discussões que o casal tinha por causa das infidelidades, aliás pouco freqüentes, mas dolorosas, de seu pai. A mãe chorava durante dias, semanas, mas ele lhe levava presentes e a briga sempre acabava em beijos.
Anahi levantou-se.
— Preciso ir — disse.
— Já?
— Sim. Obrigada por ter levado seus companheiros ao hospital para doar
sangue. Muitos prometeram comparecer regularmente.
— Isso é bom — ele comentou. — Mas pensei que nós dois pudéssemos conversar mais tempo esta tarde.
— Sinto muito, porém ainda tenho de comprar um presente para o casamento amanhã.
— E as fotos?
Apressadamente, Anahi pegou a câmera e tirou uma série de fotografias de Crash, em diferentes ângulos.
— Mandarei as fotos pelo correio — ela comunicou, enquanto guardava a câmera de novo.
— Pensei que fosse tirar algumas fotografias do parque.
— Mudei de idéia — disse Anahi. — Obrigada pelo cachorro-quente.
— Que tal sobre jantar comigo um dia, Anahi? Gostaria de conhecer você melhor.
— Não posso — ela respondeu. — Conforme já lhe disse, tenho Manuel em minha vida.
— Você lhe disse ontem à noite, como pedi, que o considero um homem muito feliz?
— Disse.
— E o que ele respondeu?
— Perguntou-me se deveria ter ciúme.
— E o que você falou?
— Que não, porque...
— Por quê?
— Porque você não é meu tipo.
— Que tipo sou eu?
Ela não respondeu. E Alfonso insistiu:
— Anahi, que tipo sou eu?
O tipo de homem que faria seu mundo virar pelo avesso. Que a mandaria espiralando à decadência. Os olhos de Alfonso procuraram os dela, e Anahi teve medo do que viu. Quis se afastar, mas não conseguiu.
Anahi entreabriu a boca para receber a dele, tocando com a ponta da língua os dentes muito brancos de Alfonso.

Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora