Anahi olhava o documento que tinha nas mãos, a reprimenda oficial por ter "tratado um cão numa casa de saúde para humanos". Sua própria assinatura parecia tímida ao lado da caligrafia floreada do dr. Story.
— Destrua ambos — o médico dissera, entregando-lhe o original destinado ao prontuário dela, e uma cópia. — O oficial Herrera esteve aqui no sábado de manhã para explicar a situação, achei que eu havia agido apressadamente.
Alfonso a surpreendera. Fizera isso antes do encontro no quartinho de depósito.
Em seu apartamento Anahi foi à cozinha e jogou os papéis no lixo, não antes de picá-los muito bem. Na realidade não queria olhar muito aquilo, com medo de começar a pensar que Alfonso era um bom rapaz, apesar de tudo.
O telefone tocou, assustando-a. Ficou tentada a não atender. Porém, ante a possibilidade de ser Alfonso, não queria adquirir o hábito de esperar pelos telefonemas dele o tempo todo. Quanto mais depressa sua vida voltasse ao normal, melhor. Melhor. Sim, melhor.
Ela pegou o fone.
— Alô?
Segurou a respiração e, por uma fração de segundo, Deus que a ajudasse, queria que fosse Alfonso.
— Alô, querida. É sua mãe.
Sacudindo a cabeça, Anahi riu da mãe que absolutamente não respeitava a diferença dos fusos horários. Não tinha noção de que a hora de Denver não era a mesma de Birmingham. Contudo, isso pouco importava, pois ela não podia dormir, de qualquer forma.
— Alô, mamãe. — Anahi deitou-se no sofá, sem dúvida machucando as costas. Onde será que Alfonso comprara os sofás do apartamento dele?
— Telefonei para saber se você e Manuel tinham se divertido no casamento.
— Na verdade, mamãe, Manuel não apareceu. — Anahi suspirou.
— Oh, que pena! Por que não?
— Isso não importa agora, mamãe. Nós rompemos.
— Oh, querida. Sinto muito. O que houve?
— Concluí que... eu não gostava dele tanto quanto pensei.
Anahi pegou o envelope com as fotos, que se encontrava sobre a mesa, e puxou uma das que tirara no parque. Crash estava em primeiro plano mas as lentes apanharam Alfonso no canto acima, inclinado para a frente, sorrindo, os cabelos revoltos por causa do vento.
— Bem, bonita como você é — disse a mãe —, vai encontrar um homem maravilhoso logo. Procurou entre os padrinhos do noivo?
— Não. — Anahi riu.
A mãe suspirou, um suspiro que soava como o ditado "você perdeu outra chance".
— Casamentos são bons lugares para encontrar homens casadouros, Anahi.
Aquele sorriso da foto! Anahi adorava o sorriso de Alfonso. Ela esfregou a ponta do dedo no rosto dele. Que rosto simpático!
— Agora que você mencionou, mamãe, eu me lembrei. Encontrei alguém no casamento.
— Quem?
— O nome dele é Alfonso — ela disse depressa, quase sem refletir. — Alfonso Herrera. Engraçado, ele me lembra muito papai. — Anahi calou-se, se perguntando qual seria a reação da mãe ao mencionar o pai.
— Isso é maravilhoso, querida.
— Mesmo, mamãe? Realmente?
— Anahi, seu pai não era perfeito, mas eu o amava. Será que eu queria que as coisas fossem diferentes? Claro que sim. Queria que eu fosse diferente.
— Mãe...
— Eu detestava sexo, Anahi.
— Oh...
— Era inevitável, portanto, que seu pai "pulasse a cerca". As poucas vezes que ele fez isso, não me senti feliz, claro, mas não o culpei. E ele nunca deixou de me amar.
— Durante todos aqueles anos, achei que papai a machucara muito.
— Ao contrário, querida. Seu pai e eu nos amávamos muito. Ele sempre se sentia tão infeliz com seus affairs, que me trazia presentes o tempo inteiro. Nunca duvidei da dedicação dele à família.
Em trinta segundos toda a idéia de sexo e relacionamentos mudou na cabeça de Anahi.
— Não sei o que dizer, mamãe.
— Então, fale-me sobre esse tal de Alfonso Herrera, querida. O que faz esse homem?
Anahi apertou a fotografia de Alfonso no coração, e fechou os olhos.
— O que ele faz, mamãe? Ele me faz feliz. Posso lhe telefonar mais tarde?
— Naturalmente, querida.
Anahi desligou o telefone. Seu pai tivera relacionamentos fora da vida conjugal porque a esposa não gostava de sexo. Não porque apenas uma mulher não lhe era suficiente. Não porque não amava a família. Sua mãe violara os votos matrimoniais antes, não concedendo ao marido a satisfação das necessidades físicas do sexo. Anahi o julgara mal o tempo todo. Enviou então uma prece de desculpas e um sorriso ao homem que ela sempre adorara, mas cuja vida sempre condenara.
Uma sensação quente, agradável, a envolvera de súbito com a surpreendente revelação. Talvez seu pai orquestrara a chance do encontro dela com Alfonso. A seqüência dos eventos parecia quase fantástica demais para mera coincidência mortal. Anahi sorriu. O pai ainda cuidava dela, mesmo depois de morto. Fannie tinha a mãe; ela, o pai.
Herdara do pai a cor escura dos cabelos, a alegria, as tendências para o namoro. Sua inclinação sexual fora orientada na direção de um homem a quem estava destinada. Um homem que sacudira sua alma antes mesmo que o conhecesse. Um homem para o qual fora conduzida física e metafisicamente.
Anahi contou até dez a fim de acalmar o coração. Ela amava Alfonso.
Parecia impossível, mas era verdade. Eles se uniram tão depressa e tão intensamente que chegava a dar medo. Quando descobrira que havia sido com ele que falara ao telefone, que dividira as fantasias do amor, dissera consigo mesma: não fora com Alfonso que desejara isso o tempo todo?
Ela olhou para o telefone e riu ao ver que era o número de Alfonso que ainda estava programado. Apertou o botão e o fone tocou uma vez, duas vezes, quando seu coração quase pulou do peito. Estaria ele dormindo? Gostaria ele de ouvir-lhe a voz?
— Alô — Alfonso atendeu. E a voz dele encheu o peito de Anahi de calor.
— Alfonso, é Anahi.
— Alô. — A voz dele foi alegre, mas apreensiva. — É uma maravilha ouvi-la. Não pensei...
— Eu também te amo, Alfonso. Você está engasgando? — ela perguntou. — Porque eu sei como resolver esses casos de asfixia.
— Pelo menos é o que você diz. — Ele riu.
— Sabe onde eu moro?
— Sim, madame, eu sei.
Claro que ele sabia.
— Bem, nesse caso, por que não vem ao meu apartamento?
Anahi ouviu um barulho, como se o telefone tivesse caído no chão.
— Alfonso?
Pelo barulho rítmico, ela percebeu que o aparelho balançava para a frente e para trás, contra alguma coisa. Riu ao ouvir a porta do apartamento dele bater com força.
Cruzou os braços rezando para que Alfonso usasse o carro da radiopatrulha com as luzes azuis acesas. Detestava esperar.
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Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)
RomanceQuente demais... O calor excessivo não deixava Anahi Portilla dormir. Entediada com sua vida amorosa insípida, ela decide fazer uma brincadeira com o namorado: flertar pelo telefone... e algo mais! Sua ousada experiência é um sucesso. Só que Anahi...