Capítulo 11

785 60 2
                                    

Anahi tentou falar num tom de voz natural, para que Manuel não pensasse que ela estava interessada no homem.
— Ele me pediu que eu lhe dissesse que você era um homem de muita sorte.
Alfonso riu, mas brevemente.
— Não me lembro desse homem lá da academia. Devo ficar com ciúme?
— Claro que não. Quer dizer, o homem não é repulsivo, mas também não é meu tipo.
— Oh?
— Grande demais, corpulento — ela falou depressa. — E insistente. — E a chamava de "madame" como se ela fosse... especial.
— Insistente? Bem, acho que foi por ser insistente que ele conseguiu que tantos policiais fossem doar sangue, conforme você me contou.
— Suponho que sim — ela disse, apoiada nos travesseiros que colocara atrás da cabeça.
De fato, fora algo surpreendente de ser visto, Anahi pensou, todos aqueles uniformes azuis enfileirados. Cento e seis doadores. Alfonso Herrera parecia estar bastante interessado em conseguir o tal do cachorro-quente, e a atenção dela. O problema era que ela também estava querendo o cachorro quente, querendo passar algumas horas com ele.
— Manuel — Anahi disse com calma, incapaz de identificar as emoções que tomavam conta de si —, sei que estamos nos... divertindo... no telefone ultimamente, mas que tal esta noite apenas conversarmos?
Anahi pensava em como Alfonso Herrera desejara falar com ela naquela tarde, sobre família e coisas talvez não muito importantes, coisas leves. Ela recusara conversar com Alfonso acerca do assunto porque não quisera investir num estranho, mas adoraria essa camaradagem com Manuel.
— Fale — ele sussurrou. — Do que deseja falar?
— Não sei. Que tal de nós?
— O que... de nós?
— Bem, o que primeiro chamou sua atenção sobre mim?
— Fácil. Você é linda, inteligente...
— É muito amável de sua parte me dizer isso, Manuel. Mas eu não estava provocando elogios. O que você acha que vai concorrer para que sejamos felizes juntos, como marido e mulher?
— Não é suficiente eu ser louco por você?
— Sente-se feliz pelo modo como as coisas estão se encaminhando entre nós dois?
— Acho... que sim. Sim. Sim, muito feliz.
— Bom. Eu também, Manuel. — Lembrando-se de sua conversa mais cedo com Alfonso, ela disse: — Fale-me mais de sua família e de onde você é.
— Quer saber de que cidade?
— Isso eu sei. — Anahi riu muito. — Explique-me como foi sua infância! Nem sei se você tem irmãos e irmãs.
— Oh, bem, sabe de uma coisa? Eu preferia ouvir falar sobre você.
— O que sobre mim?
— Já me contou por que resolveu ser enfermeira?
— Acho que não. — Ela sorriu.
— Então, conte-me agora.
Anahi acomodou-se melhor nos travesseiros enquanto as lembranças do passado voltavam.

— Acho que eu sempre fui a mediadora da família. Meu pai trabalhava muito. — Mas aí vinham os affairs de George Portilla; ocasionais, claro. Porém sobre isso ela não queria falar. — Minha irmã e minha mãe eram bem parecidas, comunicavam-se discutindo.
— Quer dizer que você agia como a pacificadora, e uma espécie de curandeira.
— Suponho que sim. Dedicava-me também à fotografia. Quando eu tinha dezessete anos, testemunhei uma cena de acidente e fotografei. Mas, quando revelei, vi que usara um filme inteiro focalizando o trabalho dos paramédicos e de uma enfermeira que apareceram logo no local. Foram fabulosos.... altruístas.
— Houve sobreviventes?
— Sim — ela respondeu. — Todos se salvaram. Decidi então que, na próxima vez em que presenciasse uma emergência, queria poder fazer mais do que apenas tirar fotos. Queria cuidar das pessoas.
— E conseguiu — disse ele.
— Se não for mandada embora por cuidar de cachorros...
— Mas isso foi culpa daquele policial, não sua culpa.
Ela suspirou.
— Bem, ele tentava fazer uma boa obra, e me apanhou de mau humor. Pensando bem, eu não devia ter agido com tanto... rigor.
— Garanto que ele pensa da mesma forma. Não perca seu sono por causa disso.Não, ela não perderia. Embora a lembrança do homem escondendo sua ereção com o chapéu poderia fazê-la contar carneirinhos para poder dormir.
— Nada mais de interessante aconteceu hoje? — ele lhe perguntou.

Anahi estava adorando aquela mudança em Manuel. Ele nunca fora de conversinhas, e ela apreciou poder falar do que se passara durante o dia.
— Nada de importante aconteceu hoje. Mas recebi uma carta de minha mãe ontem.
— Oh?
— Mesmo a léguas de distância, ela tem a terrível habilidade de me fazer sentir com doze anos de idade.
— Todas as mães são assim. Ela atormenta você por ainda não ter se casado?
— Bem... mais ou menos.
— É... Está fazendo o trabalho dela, de qualquer mãe.
— Suponho que sim. — Anahi suspirou. — Sua mãe também é assim?
— Bem... não são todas iguais?
— Quando vou conhecer seus pais, Manuel?
Alfonso teve um acesso de tosse.
— Anahi, de repente não estou me sentindo muito bem. Acho que meu remédio não está fazendo efeito. Poderíamos... terminar esta discussão em outra oportunidade? — Alfonso forçou uma tosse de novo, dessa vez mais demoradamente.
— Claro — ela murmurou. — O que acha...
— Preciso desligar — ele interrompeu-a. — Telefone-me amanhã à noite, ok?
— Ok, ok. — Mas ele já havia desligado.
Afinal, Anahi pensou, teriam muito tempo para conversar no sábado, no casamento.
Achando que um sorvete a ajudaria a dormir, em vez de um orgasmo, ela foi à cozinha de camiseta e calcinha, ficou em frente da geladeira aberta durante alguns minutos a fim de se refrescar, e depois levou o sorvete para a sala. Sentou-se no sofá.
Começou a pensar no que Manuel vira nela. Dissera que ela era linda, mas não conhecia o outro lado de sua personalidade, como por exemplo o de tomar sorvete na sala de calcinha e camiseta!
Dias atrás pensara em acabar tudo com Manuel, mas agora... agora que descobrira esse lado erótico e vulnerável dele, mudara de idéia. Estava ansiosa por vê-lo no sábado, para constatar se iria agir diferentemente, mais relaxado.
Por certo os telefonemas de sexo abririam ainda outras portas de comunicação; já acontecera isso, não? Talvez descobrissem que tinham mais coisas em comum do que o gosto por filmes estrangeiros.
O telefone tocou. Anahi atendeu:
— Alô?
— Você está escondendo algo de mim — Dulce acusou-a.
— Do que está falando? — Anahi riu.
— Estou falando daquele gigante de homem que trouxe um batalhão inteiro aqui no hospital para doar sangue. Ele é fabuloso, e você está se portando com ele como uma bruxa.
— Alfonso Herrera quase me fez perder o emprego, não se esqueça disso —
Anahi insistiu.
— Mas ele aumentou de três vezes nossa reserva do banco de sangue, em questão de horas.
— Fez isso apenas porque quer que eu lhe pague um cachorro-quente amanhã à tarde.
— Oh, que romântico!
— Dulce, o homem me irrita. E eu aceitei que ele me fizesse a corte por que se tratava de uma causa nobre.
— Acho que ele adora você, Anahi!
— Pare com isso, Dulce!
— Tudo por causa dos telefonemas de sexo com Manuel. Esses telefonemas estão produzindo vibrações em você. E essas vibrações chegam até Herrera. Sexo atrai sexo, você sabe, não?
— Acho que o que atrai sexo é fazer sexo — disse Anahi.
— Bem, você entende o que quero dizer.
— Bem, mas não estou interessada no oficial Herrera.
— Por quê?
— Porque tenho Manuel e acho que finalmente nós dois chegamos a um platô emocional pelo qual esperávamos havia muito. Ele está começando a se abrir.
— Isso é bom... acho...
— É claro que é bom. Por que não seria bom?
— Não sei... A expressão do rosto daquele oficial quando olha para você é tão diferente da expressão de Manuel... — Dulce comentou.
— Manuel não é ridículo como Alfonso.
Dulce riu muito e disse:
— Se você me perguntar, acho que esse Herrera está preparando você para o amor, e Manuel é quem está recebendo os benefícios.
— Que absurdo! — Anahi quase derrubou a colher. — E não posso aceitar conselhos de amor de uma mulher que permite que um homem a chame pelo nome errado só para não desapontá-lo.
— Vou contar meu nome ao dr. Baxter amanhã sem falta. — Dulce suspirou.
— Bom.
— Vou lhe dizer que troquei meu nome legalmente de Bel para Dulce.
— Você não tem jeito, mesmo.
— Bem, vou desligar agora a fim de que você descanse para seu encontro amanhã com o oficial Herrera.
— Não é um encontro de namorados. Vamos a um parque público comer um cachorro-quente.
— Contou isso a Manuel?
— Não! — Anahi hesitou antes de responder.
— Conte-me depois como foi — Dulce pediu. — Boa noite.
Antes de desligar, a imagem de Alfonso pulou diante de Anahi.
Ela franziu a testa. Por quê? Mas por que teria ele de se imiscuir em sua vida justamente agora quando as coisas começavam a ir tão bem com Manuel?

Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora