Capítulo 22

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Alfonso deu um pulo quando o café quente caiu em seu colo.
— Droga! — Ele limpou a roupa com um guardanapo de papel, em seguida fitou seu companheiro de trabalho, Klone. — Para o que está olhando?
Da escrivaninha ao lado, Klone respondeu:
— Me perguntava quando foi que alguém raptou meu amigo sempre de bom humor e deixou em seu lugar um urso ferido.
— Apenas tive um mau dia — Alfonso protestou. — Nada mais.
Klone apontou para a pilha de cartões e cartas acumulados durante o dia.
— Sim, é horrível ser um herói, não é?
— Meu telefone em casa toca sem parar — Alfonso explicou. Alfonso esfregou os olhos. Não dormia quase nada havia duas noites já, e o café forte para lhe clarear a mente só concorrera no sentido de irritá-lo ainda mais.
Ok, era sua consciência que o irritava. Uma pequena tolice que fizera lançara-o numa lama emocional. E o pior, deixara passar várias oportunidades para acabar com aquela loucura e confessar a verdade... O fato de que usara uma mulher boa, inocente, perturbava-o muito. Estava desapontado consigo mesmo. Sempre acreditara ser uma pessoa de caráter decente. Uma das favoritas frases de seu pai não saía de sua cabeça: É fácil considerar-se bom se seu caráter nunca foi testado.
Deus, ele falhara miseravelmente. Suspirou. A resposta era dolorosa, mas simples. Precisava dizer a verdade a Anahi, quaisquer que fossem as conseqüências.
— Problema com mulheres? — Klone perguntou, dando-lhe uma pancadinha no ombro.
— Por que está pensando nisso?
— Você precisa de muita coisa para ficar assim perturbado.
— Bem, não é com mulher. — Foi o que ele fizera a essa mulher.
— Você mente muito mal, amigo — Klone sacudiu a cabeça.
Não, ele mentia muito bem, Alfonso pensou. Era exatamente aí que residia o problema.
— Foi aquela enfermeira que esteve na polícia outro dia, não foi? — Klone acrescentou.
— Não!
— Aquela por causa de quem você mandou os rapazes comparecerem ao banco de sangue. Para impressioná-la, concorda?
— Não!
— Bem, ao menos ela é lindíssima. E vai fazer de você um homem de bem.
Alfonso deu um soco na mesa.
— Por Deus! Estou dizendo a você, Klone, que não é... — Alfonso parou de falar quando viu Anahi Portilla se aproximando do escritório.
— Bem, olhe quem vem aí — disse Klone de repente. — Veja se não é a mulher que amarrou você, e bem amarradinho.
Alfonso observou-a caminhando e sentiu um nó na garganta. E teve uma revelação. Daquele instante em diante iria se referir a sua vida em duas fases,antes e depois de Anahi Portilla.
— O que será que ela quer? — Klone sussurrou.
Alfonso não se importava, desde que Anahi estava lá. De uma coisa tinha certeza, porém; se Manuel Velasco a queria, que se preparasse para a luta de sua vida. Incapaz de esperar mais, Alfonso foi ao encontro dela, sorrindo como um bobalhão.
— Olá! — disse.
— Olá! — Anahi sorriu e Alfonso exultou de alegria, imaginando que ela rompera com Manuel e que gostaria de ir a um cinema ou a fazer qualquer outra coisa. — Trouxe as fotos de Crash. — Ela entregou-lhe um envelope.
— Oh, obrigado.
— E preciso de um favor seu — Anahi prosseguiu, seus olhos azuis cheios de honestidade.
— Qualquer coisa — Alfonso respondeu, prometendo a si mesmo não tocá-la; não lá na frente do todos, pelo menos. — Venha e sente-se perto de minha escrivaninha.
Alfonso lançou um olhar significativo para Klone, que imediatamente voltou a atenção a seus papéis.
Alfonso fez esforço para não se distrair com as pernas bem feitas de Anahi quando ela se sentou, cruzando-as.
— O que posso fazer para ajudá-la, Anahi?
Ela tirou da bolsa um pedaço de papel e deu-o a ele.
— Pode me dizer o nome da pessoa a quem pertence esse telefone?
O coração de Alfonso como que parou de bater ao ver o número de seu telefone escrito no papel. Incapaz de mover o braço para pegar a anotação, limitou-se a olhar, desejando fugir. Sua vista escureceu. O que lhe parecera uma decisão certa minutos atrás, agora sumia por completo.
— Por que você precisa disso? — ele perguntou, com voz muito calma.
— Bem, eu preferia não ter de lhe contar detalhes. Esse número foi ligado de meu telefone, e estou apenas curiosa em saber quem estava do outro lado da linha. Só isso. — Agora a expressão do olhar de Anahi não acompanhava seu sorriso.
Alfonso não sabia o que dizer. Por isso emudeceu. Enfim, perguntou:
— Alguém usou seu telefone sem sua permissão?
— N... Não.
— Nesse caso foi você quem fez as chamadas.
— Sim, fui eu, mas disquei o número errado. Este número.
— E, se foi engano, por que quer saber o nome da pessoa?
— Porque... porque dei umas informações bastante pessoais a esse homem.
— Informações destinadas a outra pessoa? — ele a pressionava.
— Bem... sim.
— E como você resolveria seu problema encontrando quem deseja encontrar?
— Não tenho... certeza...
— Ei, Alfonso — Klone chamou-o, ainda segurando o fone. — Há uma senhora na recepção que deseja falar-lhe acerca de um cachorro perdido.
Alfonso irritou-se. Estaria Klone inventando aquilo? Alfonso tinha quase certeza, para afastá-lo de Anahi. Quase se negou a se apresentar. Mas ao mesmo tempo pensou que alguém poderia estar sofrendo com a perda do animal. E reconheceu também que aquela interrupção lhe daria a oportunidade de pensar numa desculpa.
— Com licença — ele disse a Anahi. — Você se importa?
— Não, esteja à vontade. — Ela levantou-se. — Acho que mudei de idéia. De fato é bobagem o que eu queria fazer. Tenho certeza de que o homem já se esqueceu do incidente.
Não, ele não se esqueceu, Alfonso quis dizer. Ele adorou o que houve. Talvez até ame você.
— Tenho um intervalo para comer alguma coisa agora. Que acha de ir comigo? Eu gostaria de falar com você em particular. Por favor!
Após ligeira hesitação, Anahi concordou:
— Está bem, mas só por pouco tempo.
— Ótimo! — Alfonso sorriu. — Continue aí sentada que voltarei logo para buscar você.
Anahi sentou-se de novo, sentindo-se pequena na enorme poltrona da escrivaninha. Mas feliz... e perfeita.
Anahi nunca saberá que eu era o homem com quem ela falava, ele disse a si mesmo. Será melhor para nós dois.
— Eu me apressarei — Alfonso disse, tão ansioso por voltar como um bumerangue.
Anahi sentiu que chamava muita atenção sentada naquele escritório.
Olhou ao redor para a mesa de trabalho de Alfonso, não muito diferente da dela.
Quantidade enorme de papéis a serem examinados pelo grupo, com um pequeno espaço para correspondência particular. Muita camaradagem e constante atividade. Ela gostou daquilo.
E gostava de Alfonso. Muito. Talvez o houvesse julgado mal. Talvez ele não fosse o caçador de mulheres, conforme sua reputação. Talvez o episódio do quartinho de despejo tivesse sido uma exceção na vida dele, como na dela.
Talvez as coincidências dos encontros significassem algo especial que estava acontecendo com os dois.
Anahi suspirou, lembrando-se de repente da razão que a levara lá. Alfonso estava certo. Que faria ela caso obtivesse o nome do homem que atendera ao telefone? Telefonar-lhe e pedir-lhe que não contasse a ninguém que ela preferia dormir nua? Havia também a possibilidade de o homem preferir manter o próprio anonimato. Porém Anahi não deixou de pensar que meses se passariam antes de ela parar de olhar para todos os homens do ônibus e se perguntar se ele era o tal.
Quem quer que fosse a pessoa procurada, com certeza daria boas gargalhadas ao ouvir a desesperada mulher que tomara a iniciativa com seu namorado, e que estava tão ansiosa que nem identificara a pessoa do outro lado da linha. Anahi queimava de humilhação ao se recordar de tudo o que dissera, coisas íntimas que imaginou estar dividindo com o homem que amava.
Teria ele contado tudo aos amigos? Estaria seu nome sendo distribuído através da Internet?
— Olá. — Uma voz de pessoa de meia idade chegou aos ouvidos de Anahi. — Sou Klone.
— E eu sou Anahi Portilla. Você é o companheiro de trabalho de Alfonso, não é mesmo?
— Sim, sou. — Pelo brilho do olhar de Klone Anahi percebeu que ele gostava muito de Alfonso.
— Ele me falou de você — disse Anahi.
— E eu sei tudo sobre você também. — Klone sorriu.
— Alfonso mencionou meu nome a você?
— Claro. Alfonso falou de você para qualquer pessoa que quisesse ouvi-lo. Ele a considera a mulher mais atraente de Birmingham.
Um sentimento de culpa corou as faces de Anahi. Um jovem entrou na sala com um maço de cartas.
— São para Alfonso — disse ele, colocando a correspondência sobre a escrivaninha. Pegou um cartão postal. — Ouça só isto: "Você pode me algemar à sua cama a qualquer hora. É só me chamar. Meu nome é Barbie."
Os oficiais da proximidade riram e Anahi sentiu-se pouco à vontade. Alfonso sem dúvida tinha qualquer mulher que desejasse para levar num quartinho de depósito. Por que se interessaria por ela?
Anahi aproveitou a oportunidade de ter Klone a seu lado e, pegando o papel onde escrevera o telefone sobre o qual queria informações, perguntou:
— Você... reconhece este número?
— Naturalmente. 555-6252? Disquei esse número uma infinidade de vezes. É o do telefone da residência de Alfonso.

Anahi teve a impressão de que um buraco se abria no solo carregando-a para o fundo. Uma série de fatos teve explicação: no hospital, no shopping center, na fila de doação de sangue, na igreja. Ele a tomara como uma idiota, uma presa fácil. Anahi cobriu a boca com a mão para não chorar.
— Alguma coisa errada? — Klone lhe perguntou.
Oh, sem dúvida, Alfonso falara dela para qualquer pessoa que quisesse ouvilo.
Ele a considerava a mulher mais atraente de Birmingham.
Anahi levantou-se.
— Preciso ir — sussurrou, e correu para a porta, quase cega pelas lágrimas.

Alfonso voltou à sala, assobiando de felicidade. Crash, o cachorro perdido, não era o da mulher. E Anahi o esper... Franziu a testa quando viu a poltrona vazia.
— Klone — ele chamou. — Onde está Anahi?
— Saiu, como se tivessem ateado fogo nela.
— Assim? Você lhe falou alguma coisa que a aborrecesse?
— Talvez alguma brincadeira, mas nada para fazê-la fugir daquele jeito.
Acho que ela não regula bem da cabeça.
— Você é a única pessoa aqui que não regula bem da cabeça. Não se esqueça disso, homem. Deve ter falado alguma coisa desagradável a Anahi.
— De forma alguma. — Klone sacudiu a cabeça. — Nosso mensageiro entrou aqui trazendo mais cartas de suas fãs. Foi nessa hora que Anahi me mostrou o número de um telefone no pedaço de papel que trouxera, perguntado se eu sabia de quem era o número... E acontece que era o seu número.
— O número de meu telefone? Você disse que era o número de meu telefone o que estava escrito no papel?
— Disse. E não era?
Alfonso fechou os olhos e engoliu em seco.
— O que está acontecendo? — Klone acrescentou.
— Vou sair para almoçar.
— Por quanto tempo?
— Não sei.
Alfonso saiu do prédio. A cem passos de distância um ônibus parou para receber passageiros. Ele viu então uma blusa cor-de-rosa e saiu correndo. Porém o ônibus se pôs em movimento quando ele estava quase chegando.
Ainda viu o rosto de Anahi pela janela e percebeu que ela chorava.
Tarde demais para explicar alguma coisa.
Alfonso observou o ônibus carregando-a para longe, e sentiu-se como um pedaço de lixo jogado na calçada.

Muito quente para dormir AyA - ADP (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora