Capítulo Trinta

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"O jeito que você se mexe é um mistério"

Justice – D.A.N.C.E.


Eu tinha andado atarantado desde a morte de Roberto, quase como uma casca vazia perambulando sem rumo. Mas, bastou ouvir aquilo de Maria para que minha mente reiniciasse a todo vapor.

— Mas acharam esse caminhão onde? — perguntei.

— Mato Grosso — respondeu ele, sorrindo como se aquela merda toda pudesse de algum modo beneficiá-lo. Em tempos tão embaçados como aqueles, eu mesmo não duvidava. — Acharam o caminhão com um pangaré no interior do estado. Acredita que o louco disse pros caras que tinha comprado o caminhão de um sujeito uns dias antes?

— Comprado um caminhão assim do nada? — estranhei.

— É. O maluco é agricultor — explicou. — Tá ligado, daqueles menores, sem muitas terras. Os cara ofereceram vinte conto no caminhão e ele deu sem nem pensar duas vezes... caminhão de carga no interior não chama atenção. Que caralho de polícia vai querer parar um caminhão vendo que ele tá abarrotado de milho, soja e essas merdas?

Assenti lentamente, enquanto ainda tentava absorver tantas informações.

— E mesmo se parar, o maluco dá uma molhadinha de leve nos policiais rodoviários e segue caminho numa boa — acrescentou Maria.

— Mas como é que acharam o caminhão nesse fim de mundo?

— Ah, Gustavo. Tá ligado como os cara é rato, né?

— E o que fizeram com o doido que comprou o caminhão?

Maria voltou a sorrir. Porra. Eu não gostava daquilo.

— Deram fim nele — respondeu simplesmente.

Implicado demais na própria trama, Maria se virou para falar com os outros caras que estavam mais interessados em saber os detalhes da treta toda. Confesso que me interessava e muito saber mais. Invariavelmente, eu já não tinha dúvidas de que Cláudio e Roberto tinham uma forte ligação com o que ocorrera nesse processo de transporte de droga. O foda era que, sabendo que Cláudio tinha um dedo nisso, me batia aquela sensação do caralho que eu também estava sendo arrastado para o epicentro do evento.

Ele disse que era meu último serviço, repeti a mim mesmo. De fato, ele queria garantir que fosse mesmo... mas, por que me matar? Por que mandar matar Ariadne também? Seria assim tão importante manter esses rolos que vão ajudar na campanha do tal Ribeiro escondidos?

De alguma maneira, eu pensava que não.

Essa campanha à prefeitura do Ribeiro; esse sumiço repentino da grande carga de drogas; essa ajuda que a facção estava dando a candidatura do sujeito; a tentativa de queima de arquivo que sofri — bem, até então, me parecia ser uma queima de arquivo. Não surgia na minha cabeça outras justificativas —, pareciam apenas muitas peças soltas sem aparente ligação. Mas havia alguma ali. De certa forma, eu sentia que todas aquelas peças se juntavam num grande esquema só.

Sim... é provável. Mas, aonde é que eu me encaixo nessa porra?

Entretanto, muito provavelmente, minha ligação não era assim tão complicada de se compreender. O sujeito disse lá na sala do Cláudio o quanto de gente que removeu do caminho por causa do "incidente" com as drogas... eu sou apenas mais uma das sobras dispensáveis desse esquema todo que deve ir agora para a lata de lixo.

Linhas Estreitas (3ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora