Capítulo Vinte e Três

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Abaixei o vidro quase socando o controle elétrico do carro.

— Quer me matar do coração, filho-da-puta?! — exclamei, segurando o volante como que para me apoiar.

— Tá em choque, caralho? — o desgraçado tirou sarro, rindo.

— Lógico! Vai dar uma da manhã e eu aqui sozinho com essa porra no colo e você vem brotando assim do nada.

— Tava batendo punheta nessa porra? — ele indagou, apoiando o braço sobre o topo do carro, colocando a cara mais para dentro. — Encostei o carro ali — ele indicou com a mão. — Tava com a cabeça aonde pra não ter prestado atenção?

— Ah, grande... mosquei aqui.

— É o negócio? — ele perguntou, puxando uma das abas da sacola.

Assenti.

— Deixa eu sair.

Assim que ele saiu da frente, abri a porta, deixando a sacola sobre o banco. Não sei explicar bem, mas acho que não me sentiria tão à vontade saindo com aquele meio quilo de pó, assim de cara.

— Logo você, Gustavo, se assustando assim fácil... — comentou Marcelo ao acender um cigarro.

— A essa hora, você queria o que? — reclamei. — Eu tava numa sinuca de bico aqui, colega. Se aparecesse polícia, eu tava fudido; se aparecesse bandido, a mesma merda.

— Tá com peça aí, não?

— Não.

Ele gargalhou alto.

— Só você mesmo, Gustavo, pra me aparecer aqui de carro, com meio quilo de pó e desarmado — ele falou, apertando meu ombro. — Se fosse por causa da polícia, grande bosta. 'Cê acha que uma arma ia reduzir metade da pena? Tu é maluco. Um revólver é apenas mais uma gota pra quem tá com o copo transbordando com meio quilo de pó.

— Tá, jacaré — exclamei, irritado. — Dei mancada. Vai ficar a noite toda falando disso, agora?

— Tô falando porque sou seu amigo.

— E desde quando policial é amigo de alguém? — resmunguei.

— Lógico que eu sou — reafirmou. — Se não, eu não estaria aqui.

— Tá aqui porque te interessa — retorqui.

— E assim é na vida, no amor e, principalmente, nos negócios — proferiu ele, emulando algo que poderia se passar por uma reverência. — Então, deixe-me ver esse tal pó mágico.

Estudando-o mais uma vez, sorri a contragosto e fui apanhar a sacola.

Bom, como eu tinha ponderado assim que me foi oferecido todo aquele pó, o grande problema era achar alguém para vendê-lo ou que tivesse suporte para me ajudar a transformar aquilo em mais dinheiro. Se já não fosse limitada a lista de pessoas disponíveis, piorou e muito quando cheguei a conclusão de que eu não queria me associar com outros traficantes. Pelo menos, não diretamente. Assim sendo, restara-me apenas Marcelo.

Eu não tinha outros amigos policiais, pela mesma razão que leões e leopardos — mesmo sendo semelhantes e vivendo no mesmo ambiente — não caçavam juntos.

Pra ser sincero, era ousadia demais considerar aquilo como uma amizade. Éramos, no máximo, dois conhecidos com conveniências à parte.

Entregando a sacola em suas mãos, voltei a observá-lo melhor. Marcelo era um homem alto. Uns cinco centímetros a mais do que eu. Talvez, como eu ainda tinha mais uns anos de crescimento, poderia acontecer de alcançá-lo. Seu rosto era largo, mas ainda assim, seu nariz meio curvado sempre dava a impressão de ser proporcionalmente maior do que devia.

Linhas Estreitas (3ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora