— Você fuma? — me perguntou Roberto me oferecendo seu cigarro.
— Não — respondi, evitando de olhá-lo. A verdade que senti uma leve vontade de dar uma tragada. Isso era motivo suficiente para não aceitar.
— Faz tempo que 'cês tão nisso? — ele perguntou, apertando os olhos devido ao vento que estava aumentando aos poucos.
— Mais ou menos — respondi. — E você?
— Não, comecei agora — exclamou, como se fosse uma ofensa admitir estar a mais tempo.
— E entrou como? — quis saber, curioso.
— Conheço o Cláudio faz tempo — ele respondeu. — Eu sabia já desse negócio da prefeitura, mas era quando ele ainda não era subprefeito. Eu tava trabalhando também, sabe? E eu sei que não é muito correto... — ele disse a última parte um pouco envergonhado.
Merda... esse daí vai dar trabalho, refleti.
Ir pro centro desenrolar trampo da prefeitura já era uma merda. Com uma pessoa leiga e totalmente fora do meio, era ainda pior. Eu já estava pensando em pedir um "aumento" pro Cláudio depois que terminássemos o serviço. Afinal, precisaria de um extra para além de fazer o negócio, também ter de carregar um fardo com isso.
Contudo, aquilo era curioso. O próprio Cláudio havia me dito que não queria amador para os serviços. Então, qual era a desse cara?
— E quis entrar por ter saído do trampo? — perguntei.
— É, cara... — ele confirmou, o olhar distante. — Tive nem escolha... nessa crise desgraçada, não dá pra ficar parado. Ainda mais eu que tenho filha especial pra cuidar, sabe? Era isso ou passar fome. A menina precisa ir direto no hospital e às vezes é difícil conseguir vaga e se for depender da porra do hospital público, morre na fila e os filho-da-puta não faz nada.
— É... tô ligado. E você trampava aonde?
— Trabalhava numa firma ali perto do centro, descendo pra Mooca, sabe? Daí deu merda e eles me mandaram embora.
Só pelo tom dele, percebi que não era uma boa estender o assunto.
Estávamos na principal avenida da quebrada, esperando Ariadne que teve de ir em casa acertar umas fita com a irmã dela e pegar o celular que ela tinha esquecido. Bem que podíamos esperá-la na porta da casa dela, mas, mesmo sem dizer uma única palavra, Ariadne e eu combinamos indiretamente de nos separarmos. O tal do Roberto parecia ser gente boa, mas não iríamos nos arriscar a mostrar a casa dela pra ele assim de cara. Usamos a desculpa de pegarmos o busão na avenida para não ter de ir até a casa dela. Ele pareceu acreditar.
Pelo modo como ele olhava a avenida e os estabelecimentos, notei que ele não conhecia a área direito. O que era estranho se pensar bem. Roberto dissera morar em um dos bairros vizinhos. Mesmo o bairro dele sendo mais próximo em direção ao centro, o que justificaria a desnecessidade em vir a nossa quebrada, era estranho pensar que ele não conhecia nem mesmo a avenida principal.
— Gustavo! — ouvi gritarem do outro lado da avenida.
Me virei e vi ele atravessando a via entre os carros quase a ponto de ser atropelado.
Com o cabelo desgrenhado e uma camisa larga demais para ele, ainda pude ver um agradável sorriso em seu rosto.
— E ae, moleque — exclamei, levantando a mão para cumprimentá-lo. Ele bateu com tanta força na minha mão que chega estalou. — Cuidado, doido. Pode atravessar a avenida assim não.
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Linhas Estreitas (3ª Temporada)
Mystery / ThrillerFinalmente Gustavo pode se ver livre do tormento que os serviços na prefeitura lhe trouxeram. Especialmente agora que o principal empecilho que o impedia de largar essa vida já não existe mais... pelo menos, é o que ele acredita. Apresentado a uma...