Capítulo Três

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— Letícia, tô afim de ouvir merda hoje não, entendeu? Quer conversar? Vai atrás do pedófilo do seu marido — sei que não foi digno da minha parte dizer aquilo, mas ela não ficou bastante à vontade para me chamar de bicha maldita durante a briga, por que eu teria de me importar em dizer a ela apenas a verdade?

Seria de se esperar que ela tivesse uma reação agressiva, mas não rolou. Letícia apenas abaixou levemente a cabeça.

— Eu não vou falar nenhuma merda, não — ela disse, a voz baixa.

— Tá bom... então, fala.

— Vamo ali fora — ela chamou, já indo em direção a porta da cozinha.

— Por que não pode falar aqui? — questionei.

Ela se remexeu inquietamente e olhou de um lado para o outro, como se algo a estivesse forçando a arrancar a própria pele.

— Não, é só aqui no quintal — ela explicou. — Eu quero tomar um ar...

— O que foi? Não quer que a mãe entre e te pegue falando comigo?

— Não é nada disso — ela tentou elevar o tom de voz, mas acabou falhando. — É que... eu só queria...

— Não, tá bom, tá bom, tá bom — a interrompi bruscamente, erguendo minha mão à frente do rosto. — Vamo lá fora logo...

Passei por ela e abri a porta da cozinha que dava acesso ao quintal. O dia logo iria terminar, mas alguns raios de sol ainda conseguiam espaço entre as nuvens para lançar seu brilho sobre a parte descoberta da casa. Por sorte, minha mãe tinha o hábito de plantar muitas coisas próximo a parede que separava a casa da do vizinho, o que conferiu um abrigo contra o brilho do sol. Fora isso, o clima estava bastante aprazível, mas senti que logo isso iria mudar com o que minha irmã tinha para dizer.

Parei no meio do quintal e ela se encostou na porta, olhando para o alto como que para desviar o foco de mim.

— Me arruma um cigarro — ela pediu.

Eu ainda devia ter uns dois maços de Marlboro abertos, mas não em casa. Como era muito arriscado deixar aquelas coisas no meu guarda-roupa para que qualquer um pudesse bisbilhotar, deixei tudo na casa do Nando. Era óbvio que eu não me daria ao trabalho de ir lá na casa dele só para pegar um maldito cigarro pra minha irmã. Ao invés disso, respondi:

— Não tô fumando mais.

— Que inveja — ela disse, abrindo um sorriso discreto.

— O que você quer falar? — perguntei de uma só vez.

Letícia olhou para cima, para os próprios pés e repetiu esse mesmo processo uma meia dúzia de vezes, sempre suspirando e tomando ar. Eu poderia ser mais suave, mas eu não intentava em aliviar pra ela. Que se foda. Ela era minha irmã, mas depois daquilo... pouco havia restado entre o bom-senso e o carinho que devia existir entre nós.

— Eu acho que desculpas, né... — ela disse, por fim.

— Você acha? — debochei.

— Tudo bem... eu realmente devo por...

— Você não me deve nada — a cortei subitamente. Ela me olhou como se eu houvesse a agredido.

— É claro que devo, Gustavo...

— Não, não deve — a contrapus. — Pra ser sincero, eu realmente não me importo mais se você quer ou não quer se desculpar. Vou mandar a real pra você. Eu, de verdade, fiquei muitos desses dias pensando comigo e desejando o momento em que você viria, não se desculpar, mas perceber que eu não tinha feito nada daquilo. Agora... eu não ligo. Não ligo se você pensa que sou isso ou aquilo; não ligo se o pai tem a mesma opinião que você. Eu não ligo. Eu me importo sim, com o fato de que minha sobrinha tem um pai que é pedófilo.

Linhas Estreitas (3ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora