"Sentindo-se capaz de enxergar o final
Sentindo-se capaz de dizer que acabou"
Eric Prydz – Tether
— Mas, não corre o risco de a gente ser rastreado? — perguntei a Renan, pegando o cartão de sua mão.
— Nunca — ele garantiu, seu sorriso carismático como era desde que o conheci. — Na verdade, tô te dando o cartão só por dar mesmo, mas se quiser, pode quebrar. É tipo um cartão branco, tá ligado? É provisório, com um sistema semelhante àqueles pré-pagos. Vence hoje. Mas, já fiz a transferência pra aquela sua conta que 'cê me deu.
— Mas se transferiu pra esse, num corre o risco de rastrear pra conta fixa onde o dinheiro tá agora? — indagou Ariadne.
— Pensa em contas bancárias e transferências como um fio comprido — ele começou a explicar, acenando com as mãos. — Desde que esse fio continue do jeito que está, intacto, posso ver tudo o que acontece nele de uma ponta a outra. Agora se eu cortar o fio, eu só vou poder ver o que acontece nele da ponta até onde foi cortado. É isso o que vai acontecer hoje. Quando vencer esse cartão neutro, essa conta aleatória que eu criei pra você vai deixar de existir. E quem quiser rastrear, só vai conseguir traçar os eventos até essa conta. A partir dela, mais nada. É quase como se esse dinheiro que eu transferi pra essa conta fixa tivesse vindo do nada.
Foi excelente ouvir aquilo, mas tive o cuidado de não parecer muito ávido.
— Então, é isso, meu bom — proferi alegremente ao tirar do bolso uma sacola de mercado bem atada. — Eu sei que o combinado, inicialmente, havia sido a farinha... mas, melhor do que a farinha, acho que só o dinheiro que compra ela e tudo mais que você quiser.
Curioso, ele apanhou o embrulho e o desfez. Com o maço de notas em mão, me perguntou, apavorado:
— Quanto tem aqui?
— Dez conto. Acho justo pelo trampo, mas se você acha que...
— Não, não. 'Cê é louco. Aqui tá bom demais — declarou ele, guardando o dinheiro no bolso com o ânimo contagiante. — O tanto de pó que 'cê me deu da última vez. Pra mim já tava de bom tamanho. Agora tudo isso aqui também? Oh, moleque. Assim eu largo minha mulher e me caso com você.
No calor do momento, ele me abraçou e depois a Ariadne.
Confesso que sua alegria me trouxe satisfação. Embora tenha deixado um pouco de receio também. Eu não queria que aquilo o fizesse pensar em mim como um pai caridoso a quem recorrer sempre que a situação ficar ruim.
Mas, como eu não pretendo ficar muito por aqui...
— Oito milhões... — entoei para Ariadne assim que ficamos a sós na praça, próxima ao ponto final de ônibus da quebrada. — São quatro pra você...
— Só pra mim? — ela brincou, mexendo um ombro.
— Sim. São quatro reais pra você e sete milhões novecentos e noventa e nove mil e novecentos e noventa e seis reais pra mim.
Ela me deu um murro com tudo nas costas. Daqueles que se dá quando alguém começa a se engasgar.
— Vai tomar no seu rabo, seu desgraçado! — bradou ela. — E se duvidar, você nesse rolo com o Bruno, acho que é o que vai fazer mesmo.
— E você com o Guilherme que eu tô ligado que 'cê tem dado uns pega nele — rebati, recuperando o fôlego.
Ela deu de ombros.
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Linhas Estreitas (3ª Temporada)
Mystery / ThrillerFinalmente Gustavo pode se ver livre do tormento que os serviços na prefeitura lhe trouxeram. Especialmente agora que o principal empecilho que o impedia de largar essa vida já não existe mais... pelo menos, é o que ele acredita. Apresentado a uma...