Lembro-me do dia em que pegaste em mim pela primeira vez! Nessa altura não passava de um rascunho. Muito mal desenhada, mal feita, esborratada, e para além do mais já teria sido tocada e retocada por muitos. Embora nenhum deles soubesse o que estaria a fazer. Amadores... Fui desenhada por demasiados desse tipo. Fariam um traço ou outro, escureciam aqui, sublinhavam ali, mas nunca nada de arriscado! A uma certa altura todos eles acabariam por se cansar, e por perder o entusiasmo por este pedaço de papel. Inúmeras vezes fiquei esquecida em cima da secretária, enquanto o amador se perdia em galerias em busca de obras de arte. E lá ficava eu na secretária à espera de ser acabada. Entretanto no pico da confusão, chegaste tu! Pegaste em mim e fizeste-me tua. Contornaste o meu corpo, deste-me traços e feições, coloriste-me e fizeste de mim uma obra de arte. E eu acabei por me apaixonar perdidamente por ti. Deste-me vida, criaste beleza em mim, concertaste-me e acabaste por apagar quaisquer vestígios de outros. Realmente foi impossível não me apaixonar...Porém tu nunca me amas-te e eu sei que nunca fui o teu sonho, pois eu na realidade não passava de mais um projecto. Era um de muitos projectos, mas nunca uma prioridade. Tu não me querias a mim, querias a complicação na qual me encontraste, tu querias ser o artista que consertaria um rascunho mal acabado. Desejavas ser o dono de uma obra de arte provisória, a tua vontade era fazer um pedaço de papel valer milhares. E quando finalmente me vendeste o meu coração despedaçou-se. Desde esse dia eu nunca mais tive o mesmo valor. Perdi a beleza que me deste, voltei a ser um rascunho. Deixei assim de ser arte. Entretanto comecei a escrever, criando assim a minha própria arte, acabando assim por me tornar poeta. Comecei a escrever acerca de ti, descrevi a tua técnica arrojada, descrevi o passar do pincel no corpo, fazendo assim poesia de ti. Poesia que jamais irás ler. E foi assim que finalmente comecei a entender o teu conceito de arte. Arte tem de ser sentida e não vista. Nasce na podridão e no desespero, as mais belas obras foram feitas por desalmados. Entendo perfeitamente agora. Aprendi ainda como se formam poetas, tristeza e solidão, ingredientes indispensáveis à formação do tal.
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Deixa-me divagar
PoesíaEste livro é junção de corações partidos, aventuras incríveis, amores e amizades épicas, questões de identidade, loucuras das quais nunca falei, dias inesquecíveis e uns quantos que quero esquecer. Este livro, inacabado por agora, os 56 poemas e ca...