II

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Com o passar das semanas, as fases do processo seletivo se tornaram cada vez mais individuais e mais difíceis, pois aumentavam gradativamente o nosso nível de exposição própria. Das seis mil pessoas que estavam naquele sambódromo, apenas duas mil continuaram para a fase de eliminatória em grupo. Depois, restaram ainda 500 meninas para passarem pelo processo de avaliação eliminatória individual. Dessas, somente 61 foram selecionadas para a fase de teste de vídeo, onde os jurados avaliavam não só a capacidade e técnica vocal,  como também as nossas expressões corporais. Esse teste representou um grande marco na competição, pois a partir dele restaria um grupo de apenas 35 meninas que passariam para a próxima fase. 

A tensão aumentava a cada teste. De um lado, pessoas comemorando a aprovação e, do outro, pessoas lamentando pela perda de um pedaço de esperança. Havia ali muitas meninas talentosas e apesar de ser uma competição, era impossível deixar de torcer por elas. Não ajudava muito pensar que de todas aquelas pessoas, apenas cinco seriam selecionadas no final, mas cada uma sabia que estava ali para ter a sua chance de dar o melhor de si naquele momento, e era para isso que eu estava lá também, de peito inquieto, mas de cabeça erguida e de consciência limpa. É indescritível a sensação de alegria que tomou conta de mim ao saber que havia passado por mais uma etapa de avaliação. Sempre acreditei que as coisas acontecem como e quando devem acontecer, e se até aquele momento as coisas estavam conspirando a favor, é porque eu estava no caminho certo e não me restava outra opção senão a de continuar. 

Na próxima fase, não tínhamos ideia de quem mais havia sido aprovada pelos jurados. A única coisa que sabíamos é que agora éramos 35 candidatas, e que deveríamos nos encontrar no aeroporto de Congonhas, de onde seríamos levadas até um resort que ficava situado a 68km da capital de São Paulo. Saí de Campinas e cheguei no ponto de encontro dentro do aeroporto, onde fiquei feliz por encontrar Mariana, uma colega que já conhecia de outras provas. Ficamos conversando enquanto aguardávamos as meninas que faltavam chegar para que pudéssemos cair na estrada. Mariana compartilhava comigo suas ansiedades e inseguranças quanto a nova fase que estávamos prestes a dar início, e acredito que essa era a mistura de sensações geral de todas as participantes que estavam ali. Em um determinado momento, enquanto ainda conversava com ela, aconteceu de novo: avistei Luciana entre algumas das candidatas dispersas pelo saguão do aeroporto. Eu não a vi desde o dia do sambódromo, e cheguei a pensar que ela não tinha sido aprovada nas outras etapas. Agora que a quantidade de pessoas só tinha tendência a diminuir, não teria mais como a perder de vista. Sorri com esse pensamento e, quando me dei por mim, já estava levando um beliscão por não ter escutado uma palavra sequer que Mariana havia me dito. 

— Ei, tá aí? Fantine? — Ela falou, acenando com a mão na frente dos meus olhos, como que para quebrar  o estado de aparente hipnose.

  — Desculpa, Mari. Acho que fui pro mundo da lua por alguns instantes... — Respondi, com a cabeça baixa pela timidez.

— Tudo bem, menina. Os nervos estão falando mais alto, né? Acho que vou na cafeteria comprar um café pra me acalmar... ou piorar de vez. Quer vir junto? 

— Vai na frente, Mari. Vou esticar um pouco as pernas antes da viagem. — Falei, tentando omitir a ansiedade de sair dali para falar com a Luciana.

Assim que Mariana se afastou, me levantei e fui caminhando até Luciana, que até então não havia me visto. Ensaiei mil jeitos de começar uma conversa e esqueci de todos eles quando finalmente cheguei perto. A cutuquei no ombro, assim como ela havia feito comigo e dessa vez, o susto foi totalmente dela.

— Minha nossa! Fantine! — Ela exclamou com a voz aguda, levando uma das mãos ao peito, respirando fundo em seguida.

— Olha só, você não esqueceu o meu nome, que ótimo. — Sorri, convencida. Ela sorriu de volta, ficando um pouco vermelha. — Não sabia que você havia passado... como é que você está? 

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