XIX

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Se fosse só virar a página,
até que seria fácil.
O problema é o livro
que eu escrevi de você.

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11 de fevereiro de 2017

POV: Fantine

Acordei com essa sensação estranha no peito, como se o meu coração estivesse inchado após sofrer uma contusão recente. Parece loucura descrever algo assim, ou então parece poesia. Mas a verdade é que fazia muito tempo que eu não sentia isso pulsando dentro de mim, como se tentasse chamar-me a atenção para alguma coisa que estava acontecendo internamente, uma possível falha no circuito, alguma peça que saiu do lugar. Um tipo de alerta.

Talvez fosse somente a minha intuição tentando me dizer alguma coisa. Além disso, também tive um sonho maluco, onde eu finalmente me encontrava com a Aline depois de vários anos, e ela tentava me dizer alguma novidade com a sua empolgação imutável, mas por algum motivo eu não podia ouvi-la. Eu não sei dizer se ela é quem estava sem voz, ou eu que não conseguia ouvir nada ao meu redor. O sonho foi mudo e um tanto angustiante, embora eu tenha sentido um conforto enorme por poder vê-la, ainda que numa situação tão estranha como essa.

Talvez a sensação no peito fosse só a saudade apertando, afinal. A saudade de antigamente sempre me atingia como as ondas do mar: ora mansas, cativantes e convidativas, ora traiçoeiras e tempestuosas. Tudo depende do dia, depende do horário, depende da lua, depende do vento, depende da maré. Ainda assim, havia um bom tempo em que eu não sentia toda essa mistura intensa no meu peito.

De todo modo, eu me levantei e fui até o banheiro, me despertando com uma boa chuveirada. Com os cabelos molhados caindo sobre os ombros e me causando um pouco de arrepios, me olhei pelo espelho embaçado. Uma vista nebulosa para combinar com o meu estado de espírito nessa manhã atípica. De repente, fui tomada por uma instantânea sensação de calmaria, ao passo que senti dois braços finos se enlaçando ao redor da minha cintura e uma cabeça se aconchegando sobre as minhas costas. A minha pequena. 

— Você demorou pra acordar hoje, mamãe. Tá tudo bem? — Christine perguntou com um olhar preocupado, ainda que um pouco sonolento, trajando o seu pijama favorito de Hogwarts

— Tá tudo bem sim, meu anjo. A mamãe só teve um sonho esquisito com a tia Aline. — Respondi e acariciei os seus cabelos, tão loiros quanto os meus, vendo sua feição surpresa.

Tia Aline? O que você sonhou com ela? Poxa, agora eu fiquei com saudades. — Ela cruzou os braços, fazendo um biquinho triste com a boca. Eu enquanto mãe posso ser suspeita pra falar, mas a minha filha realmente tem um talento natural para as atuações. 

— Foi um sonho sem pé nem cabeça, filha. — Respondi enquanto saí do banheiro, nos conduzindo até o andar de baixo da casa. — A tia Aline tentava me contar alguma coisa, mas eu não podia ouvi-la. Doideira, né? — Fui até a cozinha, com a minha pequena me seguindo e sentando-se em um banco, me ouvindo atentamente.

Oh, isso é realmente estranho. Acha que foi um daqueles tipos de sonho de presságio? — Ela pegou a sua caneca com estampa da plataforma 9 ¾ e serviu-se de leite e achocolatado. 

— Eu acho que a senhorita está vendo filmes demais. — Baguncei o seu cabelo, a fazendo rir e me mostrar a língua como resposta. — Você não tinha que estar se aprontando para a escola? — Perguntei enquanto me servia de uma boa dose de café, e vi o seu rosto ficar confuso.

Hoje é sábado, mãe, dia onze. Você tá perdida mesmo. — Agora ela ria e zombava da minha cara de confusão. 

— Minha nossa, a situação tá mais grave do que eu pensava. — Ri da situação, até me dar conta do que havia acabado de ouvir. — Espera, Kikish, você disse que é dia onze? Onze de fevereiro?

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