III

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A sensação de ter Luciana por perto era a personificação de todos os clichês que a gente lê e escuta por aí. A verdade é que, querendo ou não, eu já sentia algo forte demais para ser controlado, mas só me restava aceitar a lição que o tempo tinha pra me ensinar. Eu não podia ignorar que já existia uma pessoa na vida dela, e jamais faria algo que pudesse desrespeitar isso. É claro que essa situação acabava por me deixar um pouco chateada, e por vezes eu quase me convencia de que era melhor deixar todos esses sentimentos de lado, mas se lembra do tal controle sobre eles que eu comentei? Pois é, à essa altura, eu realmente já não tinha mais nenhum. 

Na manhã seguinte à festa, acordei com dores por todo o pescoço e pelas costas por ter dormido sentada na cama de Luciana, mas não pude deixar de sorrir ao abrir os olhos e ver a imagem daquela pequena adormecida, com a cabeça ainda no meu ombro e com um dos braços por cima do meu. Ao olhar para os lados, vi que suas colegas de quarto também estavam dormindo, e fiquei me perguntando qual teria sido a reação que elas tiveram quando entraram no quarto e viram a cena na qual eu e Luciana nos encontrávamos naquele momento. Ao lado da cama, havia uma mesa de cabeceira com um relógio que marcava 07:00. Eu não sabia a que horas deveríamos acordar para o início das aulas de canto e coreografia, mas não iria sair dali a menos que fosse obrigada. Voltei a encostar a minha cabeça sobre a de Luciana e cochilei por mais uma hora, quando membros da produção vieram bater na porta do quarto, sinalizando que era hora de levantar. Levei um susto ao ouvir as batidas, que acabaram por também acordar Luciana. 

— Isso são horas de vir bater na porta? Eu só levanto quando o galo vier cantar aqui. — Luciana disse, esfregando os olhos, com a cara amassada de sono. Quando os abriu, se assustou ao me ver. — Minha nossa! Eu fiz você passar a noite aqui? — Perguntou, com um olhar culpado.

— Acho que se tiver algum galo por aqui, ele já cantou faz tempo. — Falei, sorrindo e bocejando em seguida. — Bom dia, Lu. Não se preocupa, você não me obrigou a ficar aqui, só acabou dormindo perto de mim e eu também acabei pegando no sono. 

— Você podia ter me chutado pro lado, Fantine. Aposto que dormiu toda torta, deve estar morrendo de dor. — Falou, prendendo o cabelo, que agora estava bem descabelado, num coque. 

— Relaxa, eu dormi bem. Confesso que tô com algumas dores... — Ela lançou um olhar semicerrado e eu tratei de complementar. — Mas tô ótima, juro. Aliás, por falar em dor, como é que tá o seu pé, bailarina? — Falei brincando e ela me deu um empurrão de leve, revirando os olhos.

— Engraçadinha... parece estar bem melhor, acho que já estou preparada pro round 2 de hoje. — Sorriu convencida e se levantou, andando pelo quarto e arriscando alguns passos de dança pra provar sua recuperação, enquanto cantarolava alguma valsa. Nisso, Patrícia e Janaína, suas colegas de quarto, acordaram ouvindo a cantoria. Janaína, ainda um pouco mais retraída, apenas se levantou e foi ao banheiro. Patrícia permaneceu na cama.

— Pelo jeito a Luciana é daquelas que acorda ligada na tomada. Alguém desliga essa menina. — Patrícia disse, sonolenta. 

— Azar o seu de dividir o quarto comigo, Pati. Vou te acordar todos os dias cantando e dançando. Vem! — Luciana respondeu, tentando puxar Patrícia para fora da cama, que resistia bravamente. 

— Ah, não. Me deixa só mais um pouquinho... Faz ela parar? — Patrícia se direcionou a mim, tentando conter o riso enquanto Luciana continuava tentando puxar ela. — Desculpa, eu não me lembro do seu nome. Eu sou a Patrícia, aliás.

— Eu até desisti de tentar segurar essa menina, logo vai acabar machucando o pé novamente. — Falei quase que em tom de bronca, olhando pra Luciana, que nesse momento desistiu de puxar a Patrícia, com cara de quem iria querer vingança a qualquer momento. — Prazer em conhecê-la, Patrícia. Sou a Fantine e estou no quarto 110, mas acabei ficando por aqui ontem depois da Lu torcer o pé durante a festa.

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