Memoires

VII

Para mim, nunca foi uma novidade ou surpresa que eu não seria a mesma depois de ter conhecido Luciana, mas aquele beijo foi a prova real que aniquilou qualquer mínimo sinal de dúvida que pudesse vir a surgir na minha cabeça. É difícil descrever as sensações que passavam pelo meu peito sem fazer o uso de clichês românticos vistos por aí. Eu podia senti-lo aquecido e aberto feito a imensidão do mar, e sentia-o preenchido de uma certeza irrefutável. Esse é o tipo de coisa que só passa a fazer completo sentido quando acontece. Quando você encontra uma força da natureza de um magnetismo tão único e forte, você simplesmente sabe. Eu carregava essa certeza comigo, mas não sabia se essa também era a mesma que a dela. Aliás, eu não sabia se Luciana sentia certeza alguma.     

Em meio ao nosso abraço que parecia estar durando um pequeno infinito, eu sentia a ponta dos meus dedos acariciando lentamente as costas de Luciana, que ainda mantinha seu rosto enterrado na altura do meu peito, como se ainda lhe faltasse coragem para sair dali e me olhar novamente. Levei a minha mão direita até a sua cabeça para fazer uma espécie de cafuné no seu cabelo, ao que ela respondeu afastando a cabeça do meu peito com um longo suspiro e enfim olhando para mim. Nós nos olhamos e eu não sabia se deveria dizer algo ou esperar que ela dissesse. A verdade é que eu ainda estava em um estado quase que dormente, sem acreditar que aquele momento era real, talvez eu estivesse apenas sonhando acordada. Quando finalmente consegui responder aos seus olhos nos meus, direcionei um sorriso para ela, que me sorriu brevemente de volta. Ela fechou os olhos e baixou a cabeça em seguida, olhando para os seus braços que ainda envolviam a minha cintura. 

— Eu... desculpe. — Ela falou, com seus olhos ainda baixos. — Me desculpe por isso.

— Tá me pedindo desculpas por um beijo desses? Uau. — Tentei brincar com ela, que apenas deu um meio sorriso sem elevar o olhar. Eu percebi e não pude me conter. — Lu, tá tudo bem?

— Está sim, Fan. — Agora ela ergueu seu rosto, me fitando. — Acho que estou um pouco cansada do dia de hoje... vou para o meu quarto. — Algo na sua voz me fazia duvidar de sua sinceridade. Suas mãos me soltaram lentamente e eu tentei fazer o mesmo, com certa dificuldade.

— Ah... tudo bem, então. Nos vemos amanhã? — Perguntei, tentando decifrar suas reações.

— Nos vemos. Boa noite, Fan. — Ela falou ao se distanciar e subir na borda da piscina, indo para o lado de fora.

— Boa noite, Lu. — Falei quase que só para mim, enquanto a observava indo embora. Será que eu a havia assustado? Eu podia prever mais um de seus afastamentos repentinos depois de um momento tão próximo quanto esse. Talvez ela tenha se arrependido. 

Embora meu peito se conflitasse com tantas dúvidas, eu me sentia feliz. Talvez tudo isso não passasse de uma questão de tempo. Se ela sentisse o mesmo, as coisas iriam se clarear em um momento ou em outro. O tempo nunca falha.

Me perdi em pensamentos por longos minutos, ainda absorvendo toda a situação. Quando enfim tomei coragem, saí da piscina, me enrolando em uma toalha e seguindo para o meu quarto. O melhor a se fazer naquele momento era tomar um banho quente e dormir, mas é claro que ao abrir a porta do quarto dei de cara com uma Aline inquieta. 

— Eu devo me preocupar pela sua demora ou ficar feliz? — Ela disse erguendo uma sobrancelha, com seus braços cruzados, como numa pose de impaciência.

— Talvez um pouco dos dois. — Respondi num sorriso.

— Ai meu Deus, o que foi que vocês aprontaram? — Sua voz já estava chegando num tom estridente de pré-grito.

— Se eu disser que a gente se beijou, você promete não gritar e acordar o hotel inteiro? Não tô afim de ser expulsa daqui perto da fase final.