11 de fevereiro de 2017
POV: Luciana
Onze de fevereiro nunca foi uma data muito fácil para mim. Pelo menos, não desde o ano de 1981, quando eu tinha apenas cinco anos de idade e ainda via o mundo como um infinito parque de diversões. Geralmente, é difícil recordar de diversos acontecimentos em uma idade tão pouca, mas eu ainda tenho forte na minha memória alguns pequenos fragmentos específicos desse período da minha vida. A maioria desses fragmentos envolvem a minha família e os meus irmãos mais velhos, com quem eu sempre vivia brincando por todos os lados.
Eu me lembro bem de alguns diálogos, momentos divertidos e especiais e até mesmo alguns cheiros presentes naquela época. É impressionante o que a nossa memória afetiva é capaz de guardar para si em detalhes mesmo depois de tanto tempo, não é?
Apesar disso tudo, às vezes eu ainda penso que não me lembro o suficiente. Eu realmente gostaria de me lembrar de mais coisas. Na verdade, o que eu gostaria mesmo era de poder recordar com maior clareza do meu irmão mais velho, o Guilherme. Eu me lembro vagamente de alguns episódios, como quando eu me dirigia até a porta fechada do quarto dele e batia pedindo para poder entrar e brincar com ele. Também lembro de alguns cuidados que ele tinha comigo, como quando eu ficava muito assustada por algum motivo bobo e ele me envolvia em seu abraço fraterno, fazendo todo o pavor que parecia gigante se encolher em apenas alguns segundos. Lembro do seu robô de controle remoto que ele fazia questão de controlar de modo que me perseguisse pela sala, me deixando num misto de terror e diversão.
Eu não consigo me lembrar bem de como foi o dia em que o Gui faleceu. Eu ainda era tão pequena, mas tão pequena, que não conseguia assimilar muito dessa informação, passando a entender isso somente após alguns anos, com a ajuda do meu outro irmão e dos meus pais. Do pouco que eu me lembro, tenho a recordação de perceber no dia a dia que a casa parecia ter ficado subitamente mais vazia e silenciosa depois disso. Imagino que não tenham sido tempos nada fáceis para a minha família toda, e às vezes eu só desejo que eu fosse maior e mais velha naquela época, para poder ter tido maturidade o suficiente para assimilar o que estava acontecendo, além de aproveitar melhor o pouquíssimo tempo que tive ao lado dele. É engraçado, não? Se a gente soubesse o prazo de validade das coisas e pessoas, com certeza aproveitaríamos mais do nosso tempo com elas.
Minha mãe sempre me disse que o Gui havia se tornado o meu anjo da guarda, e que ele sempre estaria ao meu lado, independente do tempo que passasse e das minhas memórias se tornando mais vagas. De algum modo, eu levei essa certeza comigo por todos os anos da minha vida como uma espécie de amuleto pessoal, e a cada vez que eu me sentia sortuda e abençoada, ou até mesmo perdida e sem rumo, eu sabia que podia contar com a presença dele, ainda que em um outro plano, bem pertinho de mim, me guiando e me ajudando a encontrar as minhas próprias respostas interiores. Eu sempre soube que ele seria capaz de me conduzir pelos melhores caminhos se eu me permitisse senti-lo. Até hoje, há momentos em que eu procuro senti-lo inconscientemente, e outros em que eu conscientemente o procuro e peço pela sua força, sua luz e energia.
No dia em que eu decidi que iria sair do Rouge, não foi diferente. Eu já me sentia completamente esgotada há meses, e decidi fazer uma oração numa tentativa de me conectar com ele. Pode ter sido somente um efeito psicológico, algo do qual nós nos convencemos apenas para seguir em frente, mas eu o sentia ali: disposto a me segurar caso eu caísse, ou até mesmo me abraçar caso eu me assustasse, assim como antigamente, quando eu podia simplesmente correr até os braços dele.
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Memoires
Fanfiction"Eu me lembro como tudo começou como se fosse ainda ontem, uma memória tão vívida que parece ser quase palpável, do exato instante em que senti algo dentro de mim queimar, quando os meus olhos cruzaram com os dela pela primeira vez. " *Memoires: mem...