IV

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Os dias que se seguiram após a avaliação eliminatória foram um pouco estranhos, para dizer o mínimo. Levou um tempo até que todas nós pudéssemos nos acostumar com a nova quantidade de pessoas no programa e, enquanto isso não acontecia, se estabeleceu um clima de tensão no grupo, como uma nuvem cinza de inseguranças e incertezas, que sussurrava a proximidade do fim de todo aquele processo seletivo. Mesmo que ainda houvesse muita união e cumplicidade entre as participantes, não dava para negar ou tentar esconder que todas se tornaram subitamente mais introspectivas nesse período. A eliminação de 15 garotas de uma única vez causou um impacto que desestabilizou as condições emocionais de todas nós. Para piorar, não tínhamos a menor ideia do que se podia esperar para a próxima fase, que não deveria tardar a acontecer. 

A rotina diária das aulas de canto e dança se manteve, mas agora elas estavam muito mais direcionadas e exigentes. Pela primeira vez, nos foi mostrada a composição de "Não Dá Pra Resistir", que seria a primeira canção gravada em estúdio pelo grupo vencedor do programa. Ouvimos a música sendo interpretada na voz de Iara, e depois recebemos a letra para podermos acompanhar e aprendê-la. Após a letra e melodia terem sido totalmente absorvidas, devíamos nos dividir em quatro grupos de cinco pessoas e experimentar as diversas combinações de vozes, até encontrar o melhor encaixe de harmonia entre elas. Enquanto o meu grupo ensaiava em uma das extremidades da sala, o de Luciana ensaiava em outra, e às vezes arriscávamos uma troca de olhares e sorrisos à distância. De repente, a sala inteira foi preenchida com as vozes de todas aquelas meninas, e naquele momento toda a tensão do grupo pareceu amenizar. Cantar é realmente algo muito libertador. Depois de algumas horas de aula e de intermináveis testes de vozes para a música, Iara nos liberou para as aulas de dança. Fui andando lentamente pelo corredor que levava até a sala onde nós dançávamos todas as manhãs, já me sentindo cansada e com preguiça. Senti duas mãos nas minhas costas exercendo uma força que me fazia andar para a frente. 

— Ei, que é isso? — Virei o pescoço o suficiente para confirmar que era Luciana me empurrando. 

— Você tá muito morta, Fantine, acorda! — Ela continuou a me empurrar mais rápido.

— De onde é que sai essa força toda de uma pessoa tão pequena? — Perguntei gargalhando, ainda andando mais rápido, quando ela parou. —  Ih, falei demais.

— Agora sim eu acho bom você correr, Fantine! — Ela gritou e eu saí correndo a todo vapor, entrando na primeira sala vazia que encontrei. Tentei me esconder atrás da porta que estava aberta para dar um susto nela quando ela entrasse, mas quem conseguiu me assustar foi ela. Esperei alguns minutos e nada de Luciana aparecer. Quando me convenci de que ela havia desistido de me procurar, saí da sala e dei de cara com ela, aos gritos.

— Peguei você! — Me agarrou pela cintura fazendo com que eu me desequilibrasse e me segurasse nela de volta, que também se desequilibrou com o meu peso. Resultado: duas malucas caídas no chão do hotel, gargalhando feito crianças. 

— Meu Deus, você é doida. Se machucou? — Perguntei, ainda rindo e tentando me ajeitar. Ela estava caída ao meu lado com suas mãos ainda ao redor do meu torso. 

— Eu acho que bati o joelho, mas tá tudo bem. Se ficar roxo, a culpa é sua. — Falou revirando os olhos e levou uma das mãos ao cabelo para afastá-lo do seu rosto, sem ter sucesso. Num reflexo, eu mesma tentei auxiliar segurando o seu cabelo, e senti Luciana paralisar, me fitando. — Fanta... — Ela disse num quase sussurro, seguido de um suspiro. Agora eu é que havia paralisado.

— Oi? — Nossos olhos faiscavam ao se encontrar. Ela pareceu pensar e demorou a responder.

—  A gente... — Hesitou. Respirou fundo e prosseguiu. — A gente tem uma aula pra ir. Vamos? — Se levantou e me deu a mão para que eu me levantasse também. A olhei um pouco desconcertada, sem saber ao certo se era realmente isso que ela iria dizer desde o início. Por fim, cedi a minha mão à dela, tentando controlar todas as vontades que passavam pela minha cabeça naquele momento.

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