XV

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O nascer do sol é uma das manifestações mais lindas da natureza. O escuro do céu noturno, em questão de minutos, transmuta entre diversos tons de azul até que enfim surjam os primeiros raios de luz do dia. Esse é o momento em que o peito se enche de gratidão pela graça de se viver mais um dia: cada dia, uma nova chance. Uma nova chance de acertar, errar, amar, sentir, aprender... uma nova oportunidade pra viver

Naquele dia, o sol amanheceu e eu ainda tinha a mão dela cuidadosamente encaixada na minha. Nós não dormimos, já que a ansiedade tornava isso impossível, e cada minuto de sono seria equivalente a um momento de companhia perdido.

Não demorou muito para que as meninas despertassem e logo eu e Luciana tivemos de nos soltar, o que acabou sendo algo um pouco difícil,  considerando a sensação de paz que era poder ficar pertinho dela.  

É difícil definir a sensação exata do clima que havia naquela manhã; era como uma espécie de mistura entre a tensão, o medo, ansiedade e introspecção, e o relógio não parava de correr. Quando a nossa van enfim chegou na casa, levamos as nossas malas conosco e seguimos numa trajetória silenciosa até o ponto final da viagem. O prédio que nos aguardava era pertencente a um dos estúdios da emissora responsável pela gravação e transmissão do programa que iria ao ar para mostrar todo o processo de seleção das meninas. Fomos orientadas a subir pela escadaria que levava até o terceiro andar, onde havia uma grande sala de espera reservada para nós, com algumas cadeiras, almofadas espalhadas pelo chão e uma televisão. A única coisa que nos orientaram é que deveríamos aguardar pelos próximos comunicados vindos da produção, o que não ajudava muito na contenção dos nervos.

Começamos a nos ambientar pela sala, ainda sem saber por quanto tempo ficaríamos ali até sermos chamadas para a conversa final com os jurados. Os primeiros minutos foram de um silêncio que já estava se tornando um tanto angustiante, mas aos poucos essa parede invisível entre nós foi se desconstruindo naturalmente até que a tensão se amenizasse.

— Que salão é esse, gente? — Jaqueline perguntou enquanto olhava ao redor e caminhava pelo espaço da sala.         

— Eu não aguento mais essas salas de espera, ainda bem que essa é a última. — Karin respondeu bufando,  enquanto se ajeitava no chão com uma das almofadas. 

— Isso é um crime contra quem tem o coração atacado. Eu vou acabar gastando a minha sola todinha nesse lugar. — Aline disse enquanto andava de um lado para o outro, tomada pela impaciência.

— Contra quem tem gastrite atacada também, Wily. — Luciana complementou.

— E eles nem pra oferecerem um pouco de comida pra gente... só Jesus na causa, viu. — Patrícia revirava os olhos e também se acomodava entre algumas das almofadas no chão. 

Como em toda fase de eliminação, eu me mantinha quieta por estar com a cabeça numa atividade de intensidade forte demais para acompanhar. Puxei uma cadeira para perto das janelas da sala e me sentei ali, observando a movimentação da cidade no horizonte que se fazia tão bonito e trazia um pouquinho de calmaria. Respirei fundo e tentei silenciar parte dos meus pensamentos frenéticos, me assustando com a percepção de que há momentos em que a nossa própria mente consegue ser o nosso maior inimigo.

Alguns minutos se passaram dessa reflexão e eu ainda estava absorta,  quando uma movimentação maior pela sala começou a me despertar desse estado. Notei que as meninas estavam se reunindo ao redor de alguma coisa e passei a ouvir alguns sons e vozes que não vinha de nenhuma delas.   

— Mas que que é isso? Esse troço ganhou vida própria agora? Eu sabia que aquele filme que vocês me fizeram assistir ia me traumatizar. — Aline perguntou apontando para a televisão da sala, ainda mais nervosa do que antes.

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