A partida

1.1K 123 10
                                    


Catarina e Afonso estavam deitados na cama do Rei. Depois da briga e do modo como fizeram as pazes, a festa de casamento de Rodolfo e Lucrécia se tornou pouco interessante, sendo assim, embora eles tenham precisado voltar e cumprir seus papéis de anfitriões, rapidamente acharam uma desculpa para se recolherem e continuarem o que tinham começado. Afonso havia prometido a Catarina que eles dormiriam na mesma cama, mas a verdade é que eles dormiram muito pouco, passaram a maior parte do tempo entre beijos e carícias, conversando sobre suas infâncias, compartilhando as lembranças que tinha um do outro. Embora fosse alguns anos mais velho, o rei de Montemor tinha poucas memórias envolvendo a princesa de Artena, ele lembrava particularmente de uma ocasião, o velório da mãe de Catarina. Quando a rainha de Artena morreu ele acompanhou a avó nas solenidades de homenagem, ele lembrava muito bem da pequena menina de tranças que simplesmente não derramou uma lágrima, ele lembrava especificamente de ter feito tal observação para avó, e a então rainha de Artena o advertiu que havia outra coisa que ele não tinha notado: a pequena Catarina, que deveria ter algo entre cinco e seis anos, estava o tempo todo tensionando os lábios, como se fizesse força para não se deixar emocionar. "Ela é uma jovenzinha muito determinada, sempre foi, imagino que se tornará um princesa sem igual". Já Catarina tinha diversas lembranças de Afonso, ela contou sobre como as jovens princesas o adoravam, e sempre falavam de como gostariam de casar com ele.

-E você, também queria casar comigo? - Ele perguntou passando a mão pelos cabelos de Catarina, o Rei de Montemor reconhecia a presunção da pergunta, mas na verdade estava mesmo curioso, aquela era uma forma de sondar Catarina. 

-Não. Todas aquelas princesas falavam sobre casar e tudo que eu queria era ser a rainha de Artena, apenas isso. Sem nunca me casar, sem ter filhos. Meu sonho era governar sozinha, sentar naquele trono e tomar decisões. Depois que entendi que não seria possível, eu ainda assim nunca pensei em você, acho que sempre achei que me casaria com outro príncipe.

-O príncipe da Latrilha? - Afonso pergunta. Rapidamente ele lembra do comentário de Rei Augusto sobre o interesse do Rei Otávio em Catarina. -Queria ter casado com Felipe?

-Meu pai tinha excelentes relações com o Rei Otávio, Felipe e eu crescemos juntos, somos da mesma idade, achei que seria o óbvio.

-Não respondeu minha pergunta. -Afonso insiste. -Queria ter casado com ele?

-Não. -Ela afirma encarando os olhos negros do Rei de Montemor. -Ele não é metade do homem que você é. -Catarina completa passando as pontas dos dedos pela linha do maxilar de Afonso. - Mas e você? Queria ter casado com outra pessoa?

-Eu nunca quis me casar com ninguém. Eu sabia que casaria, mas nunca pensei sobre o assunto, sempre achei que meus pais ou minha avó estariam aqui para resolver isso.

-Sinto muito.

-Pelo que? - Afonso quis saber.

-Por você tê-los perdido. Seus pais, sua avó.

-Que tal falarmos sobre a sua coroação? - Ele sugeriu, aquela não era o tipo de conversa que gostaria de ter, ele não se sentia à vontade.

- Quero que seja em uma semana.

-Catarina... - Afonso começou a dizer sentando-se na cama.

-Ontem disse que eu poderia escolher a data que quisesse. Não me diga que já mudou de ideia, Afonso? -Catarina também sentou-se, e Afonso sentiu que aquela conversa acabaria com o progresso que haviam feito na noite anterior.

-Não é isso. É que, bem, não vou estar em Montemor em uma semana, mas podemos fazer assim que voltar. Acredito que a data coincidirá com a inauguração do aquífero, assim podemos fazer uma grande festa, e o povo vai te associar com a bonança que esperamos que o aquífero traga.

-E para onde vai? Posso saber? - Catarina perguntou parecendo se importar pouco com os argumentos do marido.

-Eu vou para Artena com o seu pai, rever algumas questões sobre a defesa do reino - Afonso não quis contar a Catarina sobre o conselho, sobre Otávio e todas as questões envolvendo-os. Ela queria confiança, mas ele julgou que a impressão de tal sentimento teria que ser o suficiente no momento, eles teriam tempo para aprender a confiar um no outro.

-Eu fico satisfeita em saber que meu pai esteja pensando nisso, ele sempre diz que não precisamos de um exército mais forte, que somos um reino de relações de paz, só não entendo porque não posso ir junto.

-Eu quero você aqui. - Afonso diz.

-Não tenho nenhuma utilidade aqui Afonso, não sou uma rainha coroada, não tenho nenhum tipo de autonomia, qual o benefício de me deixar em Montemor?

-Existem muitas coisas que pode fazer pelo reino. Continuar trabalhando na sua imagem com o povo, na minha ausência, eles vão se sentir seguros sabendo que você, uma princesa tão amada, está olhando por eles. Cássio pode lhe reportar sobre tudo e... bem, não vamos discutir sobre isso. É minha decisão, sou seu Rei. Quero você aqui, segura.

-E contra o que preciso de proteção? Ou talvez sejam vocês que precisem de segurança, contra mim. Você também desconfia de mim, não desconfia? Como meu pai que não permitia que eu tomasse qualquer parte nas decisões em Artena.

-Você me deu alguma razão para tal desconfiança?

-É claro que não. - Catarina rapidamente se defendeu.

-Então deveria acreditar que só estou prezando por sua segurança.

-Não posso garantir que vou. -Ela afirmou encarando-o. Afonso percebeu que gostava da personalidade desafiadora de Catarina, embora, muitas vezes, aquilo demandasse o dobro ou triplo de trabalho do que lidar com qualquer outra pessoa. Ele colocou a mão no rosto da esposa, acariciando a pele sedosa, e então, devagar, aproximou o rosto do dela.

-Tenho certeza de que vai achar uma forma de me perdoar por isso Catarina. -Ele afirmou -Vou descer, devo dizer que está indisposta ou pretende se despedir? - Afonso perguntou levantando da cama. Catarina o observou enquanto ele se vestia, havia uma dureza em sua expressão e Afonso sentiu vontade de se desculpar, mesmo que estivesse irredutível com relação ao seu posicionamento, mesmo que tivesse certo de que aquela era a melhor decisão.

-Vou me despedir do meu marido, bem como de meu pai, não seria apropriado fazer qualquer coisa diferente disso. - Ela respondeu rispidamente antes que Afonso passasse pela porta.

-Excelente. Vejo-a na despedida da comitiva então. -Ele retrucou sem ao menos olhar de volta para a esposa.

(...)

Depois que toda a comitiva do Rei finalmente ficou pronta, Afonso observou enquanto Catarina e o pai se despediam.

​-Minha filha, fico satisfeito de deixá-la sabendo que está contente aqui em Montemor. - O Rei Augusto disse abraçando a filha. Afonso pensou em como ela não está nem perto do que a palavra contente de fato significa.

-Estou. Embora não esteja satisfeita com o fato de que está levando meu marido para longe de mim em tão pouco tempo de casados. - A princesa respondeu sorrindo. Era como se a discussão com Afonso nunca tivesse acontecido, como se eles fossem um casal em plena lua de mel, Catarina de fato havia nascido para a monarquia, sabia ocupar aquele papel como ninguém.

-Não se preocupe, devolverei Afonso em breve. Que Deus a abençoe minha filha. - Rei Augusto disse entrando na carruagem. Catarina então se aproximou de Afonso e ajustou um fecho da armadura do marido.

-Eu ganho um beijo de despedida? - Ela quis saber se elevando. Afonso lembrou da noite anterior, das mãos curiosas de Catarina em seu corpo, do modo como ela o encarava, talvez procurando algo em seus olhos.

-Achei que estivesse brava. - Afirmou sério.

-Eu estou, o que não quer dizer que não vou sentir sua falta. - Ela respondeu antes de beijá-lo.

Uma união políticaOnde histórias criam vida. Descubra agora