Apenas algumas horas haviam se passado desde a tomada do castelo da Latrilha e Afonso já tinha responsabilidades demais condizentes com o reino. Ele estava tentando não se deixar levar pelas emoções, caso contrário, já teria matado Otávio e estaria indo para Montemor confrontar o irmão sobre sua armação com o rei da Latrilha. Ele não podia acreditar que alguém do seu próprio sangue poderia fazer isso, não cabia em sua mente a ideia de que aquele menino alguns anos mais novo, que vivia correndo atrás dele nos jardins do castelo tinha se tornado alguém capaz de vendê-lo para satisfazer sua sede de poder. Haviam as histórias, claro, famílias destruídas por disputas internas por um trono, mas ele e Rodolfo cresceram unidos, eles sempre se protegeram e, agora, de alguma forma, ele tinha finalmente o perdido de vez. Não havia retorno. Ele estava finalmente farto de tentar achar justificativas para as ações do irmão. As ações de Rodolfo lhe custaram algo que não pode ser mensurável, elas podiam ter custado milhares de vidas de pessoas inocentes. Talvez ele nunca tivesse a coragem de ordenar a morte do irmão, mas Rodolfo não teria uma nova chance de traí-lo. Passaria o resto de sua vida preso.
Havia ainda a questão de Selena. Herdeira de Otávio. Isso significava que ele poderia passar o comando da Latrilha para arqueira e começar uma nova relação com o reino, mas naquele momento Selena estava deitada em uma cama, inconsciente, sendo cautelosamente assistida por Ulisses e Saulo. Afonso tinha passado pouco tempo no quarto, mas recebia atualizações por Cássio que, constantemente, checava Saulo. Havia um pouco de remorso nas ações do conselheiro, que tinha discutido com Selena ao saber do envolvimento de Saulo no plano de resgate de Catarina, mas ao menos a animosidade do conselheiro para o rei parecia ter se dissipado, ou talvez estivesse enterrada pela alegria do reencontro com Saulo.
Além de tudo, e principalmente, havia Catarina. Afonso não conseguia deixar de pensar na esposa. No que ele sabia que Catarina iria querer. Ela mataria Rodolfo, Otávio. Ela exterminaria todos os soldados da Latrilha que não estivessem dispostos a se unir ao exército de Montemor e Artena, ela diluiria o reino e aquelas terras seriam de Montemor e Artena. Ela varreria a Latrilha do mapa, apagaria sua história. Se dependesse de sua esposa, e ele tinha certeza disso, haveria apenas uma menção sobre o fim da Latrilha, uma menção que evidenciasse a vitória de Montemor e Artena. Mas então Afonso é atingido por um pensamento desencadeado pelo olhar vazio de Catarina na última vez que se viram. Um pensamento que questiona se aquela Catarina, a que iria querer tudo isso, ainda existe.
-Majestade! Uma voz chama interrompendo os pensamentos de Afonso. Selena acordou. Ela pediu para ver vossa majestade e Cássio.
Afonso encontrou com Cássio que o esperava no corredor e eles caminharam juntos, rapidamente e em silêncio, até o quarto de Selena. No cômodo os fiéis guardiões da arqueira estavam a seu lado. Ulisses ainda tinha a testa franzida em preocupação, Saulo parecia mais leve. Ambos levantaram quando Afonso entrou no quarto e fizeram rápidas reverências.
Quando Selena disse que queria falar com o rei e Cássio em particular, Saulo rapidamente deixou o quarto, mas Ulisses tinha alguma resistência. Afonso podia entender. Ele mesmo queria que Catarina estivesse perto dele, ao alcance dos seus olhos, só não tinha pedido para que ela fosse trazida de volta ao castelo porque não queria que a esposa tivesse que estar naquele lugar novamente. Não quando ela tinha sofrido tanto ali. Não quando o corpo de sua melhor amiga ainda estava se decompondo em algum lugar do castelo.
Selena também parecia entender bem a relutância de Ulisses, então ela esticou a mão para o companheiro e a segurou com carinho e um sorriso reconfortante. -Está tudo bem, Ulisses, você pode ir, eu não vou pra lugar nenhum, prometo.
Ulisses olhou para Afonso como se quisesse dizer que ele deveria tomar conta dela. O rei entendeu a suposta mensagem, e então o cozinheiro deixou o quarto. Afonso esperou que a porta se fechasse atrás dele para sentar na cadeira antes ocupada por Ulisses.
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Uma união política
FanfictionNada pode ser construído sem uma boa base e se manter de pé. Esse era um dos ensinamentos de seu pai, Afonso lembrava todos os dias do modo como o Rei se esforçava para ser firme e criar um sucessor justo e que pensasse no povo. Acalentava sua mente...