Escapar dos soldados que a esperavam para levá-la até Artena foi fácil (naquele momento os homens estavam na metade do caminho levando outra mulher que acreditavam ser a rainha de Artena e Montemor), conseguir um arco, esperar ali, por horas, escondida, tudo isso foi fácil. A parte difícil foi ver Afonso, mesmo que de longe. Ele parecia cansado, estava usando vestes de guerra, os cabelos presos. Enquanto a estrutura para execução de Otávio estava sendo montada ele apareceu algumas vezes, seu andar pesado parecia ainda mais intenso. Cássio apareceu em alguns momentos, eles conversaram de perto. As pessoas começaram a chegar, Selena apareceu, vestida como uma rainha, e Afonso discursou primeiro, depois foi a vez da arqueira.
Catarina sentiu a leveza da flecha em sua mão antes de esticar o braço criando a tensão desejada para o disparo. Ela tentou não pensar em nada, mas havia algo incapaz de abandoná-la, um sentimento de raiva, um ódio, uma dor que parecia tão bem acolhida em seu peito que ela podia jurar que aquela sensação sempre esteve ali, que era, talvez, a mais antiga de todas. Ela desviou o olhar do alvo por um segundo, encontrando o rosto de Afonso. Pela primeira vez desde quando entrou na igreja, nos braços do pai, a visão do marido parecia incapaz de gerar qualquer sentimento. Ela assistiu Selena se afastar e voltou seus olhos para o alvo, Catarina prendeu a respiração e deixou a flecha abandonar o arco, acertando Otávio no coração antes que o disparo de Selena.
A multidão começou a procurar a fonte do disparo e murmúrios indissociáveis tomaram conta do ar. Uma parte de Catarina queria ir até a multidão e se revelar, deixar claro que ela tinha feito aquilo, que ela tinha tirado a vida do homem que havia lhe custado o filho, a amiga e própria alma, mas ela tinha trabalhado demais em seu plano, tinha ponderado o que era melhor para todos e tomado uma decisão e iria seguir com ele.
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Afonso encarou o corpo sem vida de Otávio, a flecha cravada em seu peito. A pequena linha de sangue na boca do antigo rei da Latrilha. Selena se aproximou e Afonso notou o olhar dela.
-Seja lá quem fez isso, te fez um favor. - A voz de Ulisses pode ser ouvida. Afonso se virou para ver o namorado de Selena tocando-a no ombro carinhosamente. Otávio estava morto e não importava o meio, só o resultado. Daquele momento em diante um novo tempo poderia começar.
O rei de Artena e Montemor ordenou que as tropas permanecem na Latrilha mais alguns dias para descansar e cedeu ainda um pequeno exército para manter a segurança de Selena enquanto as coisas se organizam, mas ele estava pronto para partir. Queria, mas do que qualquer coisa, encontrar Catarina. Ele voltaria sem algumas semanas para o casamento de Selena e Ulisses, mas a cerimônia de coroação não precisa da presença dele. Tudo que Afonso queria era reencontrar a esposa, ficar perto dela, deixar que o tempo curasse as feridas de ambos, e ele tinha certeza que só começaria a se curar no momento em que estivesse nos braços de Catarina outra vez.
Todos os planos de Afonso foram destruídos pelo recebimento de uma carta minutos antes de sua partida da Latrilha. Ele reconheceu a letra da esposa do lado de fora do envelope e então o abriu às pressas.
Meu querido Afonso,
Essa é a coisa mais difícil que eu já tive que fazer. E estou escrevendo porque se tentasse dizer isso pessoalmente sei que você acabaria me convencendo do contrário e eu preciso partir. Não posso ser a rainha de Artena, não posso estar ao seu lado enquanto governa Montemor. Não tome essa atitude como falta de amor. Porque eu te amo. Eu te amo desde o primeiro momento. Se eu te amasse um pouco menos, talvez eu fosse egoísta e ficasse ao seu lado. Talvez eu te condenasse a viver com o que sobrou de mim. Uma versão amargurada, vingativa, incapaz de um pensamento bom.
Você não merece isso. Você, meu amor, merece mais que uma versão apática e vazia de mim, merece mais do que uma mulher que não consegue superar o peso das próprias escolhas. Assim como Montemor e Artena não merecem ter essa mulher como rainha. Eu não sou digna do seu amor, nem dessa vida.
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Uma união política
FanficNada pode ser construído sem uma boa base e se manter de pé. Esse era um dos ensinamentos de seu pai, Afonso lembrava todos os dias do modo como o Rei se esforçava para ser firme e criar um sucessor justo e que pensasse no povo. Acalentava sua mente...