Reconhecimentos

1.5K 120 11
                                    


Catarina acordou cedo e foi até o quarto de Afonso, depois de noites distantes, ela sentiu-se inquieta sozinha em sua cama, queria estar perto dele, pensou em deitar-se ao lado do marido, mas não queria acordá-lo, não queria ter que explicar sua presença, seria, para dizer o mínimo, embaraçoso. Então, em vez disso, ela sentou-se delicadamente na cama e encarou o rosto sereno do marido.Ela notou que o quarto cheirava como ele, e em quase um mês de casados, aquele já havia se tornado seu perfume predileto. A princesa lembrou-se do dia após a noite de núpcias, quando acordou e ficou enrolada nos lençóis, lembrando do toque de Afonso em sua pele, da sensação de tê-lo dentro dela, pensando em como mal podia esperar para estar com ele novamente.

Em retrospectiva, não conseguia deixar de achar engraçado o modo como temia antes da consumação, tinha medo que Afo o não a respeitasse, temia que ele a tratasse mal, mas, principalmente, temia a ideia de tornar-se apenas uma esposa, ela tinha planos e aspirações muitos maiores, sabia que havia nascido para ser uma líder. Foi então uma grata surpresa descobrir que embaixo de toda a seriedade que Afonso ostentava havia algo mais, ele era gentil, preocupado, e embora sua única paixão fosse o bem estar do povo e pleno funcionamento do reino, Catarina não pode evitar amá-lo. Ela o amava pelo seu senso de justiça, pela paciência, pelo modo como tratava todos ao seu redor, desde o menor dos escudeiros até a mais alta nobreza.

Enquanto dormia, Afonso perdia o ar de quem carrega o mundo nas costas, e embora Catarina admirasse-o por isso, ela descobriu que gostava de ver essa outra versão, foi naquele momento que ela entendeu que seria capaz de tudo para nunca perdê-lo. Que o queria com o mesmo desejo que permeava sua ambição por poder, essa descoberta a assustou mais que qualquer outra coisa já tinha assustado. Ela tinha um plano para Montemor, um plano para Artena, um plano para si mesma, mas como Afonso caberia neles se não fosse apenas um peça com qual ela poderia dispor? Como ele caberia e tais planos se fosse seu parceiro?

Catarina se afastou do marido e foi até a janela, observar o nascer do sol. Muito em breve Afonso levantaria, estava sempre de pé muito cedo, fazia questão de supervisionar cada detalhe do reino, de participar de cada decisão. Era um monarca extremamente presente, diferente de muitos outros que deixavam o conselho tomar conta do reino enquanto caçavam, dormiam com metade da corte e se enchiam de vinho. Enquanto olhava pela janela, ela contemplava a imensidão de Montemor, rapidamente tinha aceitado chamar aquele lugar de lar, mas sentia falta de Artena, das árvores, dos riachos, do gigante labirinto no qual cresceu brincando, no qual deu seu primeiro beijo e onde muitas vezes sonhou com o dia que reinaria, com o dia em que poderia tomar decisões.

Tentou lembrar a si mesma de que o casamento com Afonso era uma forma de contenção, o pai temia o que Catarina faria se tivesse ao lado um marido sem pulso, ou se nunca casasse, o que era o real plano da princesa enquanto crescia. Ela não tinha pretensão de desposar, queria sentar no trono do lugar do pai e não ao lado de nenhum homem, não queria ser a sombra de ninguém. Mas, crescendo, aprendeu como o mundo no qual vivia podia ser cruel com as mulheres, como a voz dos homens é mais ouvida, mais assimilada. Quando o pai sugeriu o casamento com Afonso ela pensou em como tudo seria mais simples se Rodolfo fosse o Rei de Montemor. Manipulável, o irmão mais novo de Afonso era desconfortavelmente encantado por ela, eles costumavam brincar juntos quando mais novos, tinham a mesma idade. Afonso, alguns anos mais velho, estava ocupado demais aprendendo como ser um rei, enquanto Catarina e Rodolfo corriam com os outros segundos filhos homens e filhas mulheres dos Reis e Rainhas da Calia nos grandes banquetes, mas ela sabia que não tinha outra alternativa além do sim, seu pai não estava fazendo uma sugestão, não era um pedido. Afinal de contas, ela não era uma camponesa, foi criada para fazer o que fosse preciso pelo reino, para cumprir com suas obrigações.

Catarina não conhecia Afonso de fato, nas raras festas em que estiveram juntos, já que o príncipe que costumava representar Montemor nas festas era Rodolfo, ele sempre esteve quieto, sentado junto a conselheiros ou acompanhado da avó, nunca socializava de verdade. Tudo que Catarina sabia sobre Afonso era o que ouvia, histórias sobre sua bravura, histórias sobre a integridade. E embora o achasse bonito, Catarina nunca pensou que o pai aprovaria uma união entre os reinos, ele nunca esteve no radar dos possíveis casamentos que lhe seriam arranjados, por isso ficou surpresa quando o pai a comunicou.

Apesar disso, quando voltou a ver Afonso, durante a coroação do então noivo, que aconteceu apenas um dia depois do enterro da matriarca dos Monferrato, ela se encantou com o juramento que o homem fez para o povo, ela se encantou com ele, e, naquele momento.

Catarina saiu do quarto de Afonso antes de que ele acordasse e, horas depois, quando entrou no centro de treinamento da Academia Militar de Montemor acompanhada de duas de suas damas de companhia, foi surpreendida pela presença do marido. Ele estava junto a uma moça de cabelos pretos trançados, ambos sorriam e quando se aproximou Catarina não pode deixar de pensar se havia algo entre eles. Ela detestava esse novo e desconhecido sentimento de insegurança, mas não conseguia de fato controlá-lo. Sabia como as coisas funcionavam, conhecia as histórias dos reis e suas diversas amantes, muitas delas mantidas em castelos secundários. Além disso, ela sabia que era uma moeda para Afonso, e nada mais do que isso.

-Alteza. -A mulher disse ao notá-la, fazendo uma reverência. Afonso se virou imediatamente para encará-la, mantendo as mãos cruzadas atrás das costas e uma postura ereta, mas algo mudou em sua expressão, o sorriso leve se transformou em outra coisa, e eram os pequenos detalhes como aquele que faziam Catarina detestar o sentimento que nutria por Afonso.

-Catarina, essa é Selena, uma de nossas melhores guerreiras, e a primeira mulher a entrar na Academia Militar de Montemor.

-Montemor tem progressões que precisam chegar até Artena. - Ela diz. Selena sorri com o comentário, mas Catarina está apenas tentando ser política. -Talvez Selena possa me mostrar como as coisas funcionam por aqui. - Ela sugere querendo conhecer a arqueira.

-Claro. Eu tenho mesmo que voltar para o castelo, as mediações começam em pouco tempo. Vai ficar em excelentes mãos. - Ele disse acenando a cabeça para Selena, que respondeu com um sorriso envergonhado e, em seguida, se despedindo de Catarina com um beijo no rosto.

Enquanto Selena caminhava pelas instalações do centro de treinamento e explicava a Catarina o funcionamento básico das coisas, ela fazia notas mentais e perguntas que poderiam ser úteis ao seu propósito. Não queria ir com muita sede ao pote, sabia que Selena era súdita de Afonso, talvez até mesmo mais do que isso pela forma como conversavam quando ela entrou no pátio.

-A princesa precisa de mais alguma coisa? - Selina perguntou quando chegaram à sala de arcos. -Eu tenho que ensinar alguns novatos agora, mas se desejar posso mudar o...

-Não, não se preocupe. Pode seguir com sua aula. Na verdade, gostaria de tentar, antes que os alunos cheguem, poderia me mostrar como?

-Desculpe alteza, mas não sei se o Rei Afonso acharia apropriado que a sua esposa fizesse...

-Você não deixou que lhe dissessem o que era apropriado, deixou? Por que eu deveria? Por favor, me mostre como usar o arco. Posso confiar na sua descrição, não posso? - Catarina quis saber. Em parte era um teste, saber usar um arco nunca fez parte de seus planos, o único tipo de poder que a interessava era o de comandar, embora tivesse tido um excelente instrutor de esgrima, mas, ainda assim, aquela era uma forma de conhecer melhor Selena.

-Acho que a vossa alteza sabe que se eu não for discreta, posso perder meu emprego. - Selena disse pegando o arco e ficando atrás da princesa para ajudá-la a segurar a arma. -Segure firme. - A arqueira disse ajustando o equipamento na mão de Catarina. -Agora mire no seu alvo e solte a corda lentamente. A flecha saiu em disparada e passou perto o suficiente do alvo para uma primeira tentativa, Selena a elogiou, mas Catarina não precisava de elogios, ela pegou uma nova flecha e tentou outra vez, não era o tipo de pessoa que perde por pouco. 


Uma união políticaOnde histórias criam vida. Descubra agora