Almoço Conturbado

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CAPÍTULO QUATRO

A G N E S • H E R N A N D É Z

Sou sentimental sim, mas quando é pra ser fria, meu coração vira pedra...

A água fria caia sobre o meu corpo enquanto eu esfregava o meu couro cabeludo, fazia tempo em que não lavava o meu cabelo e como hoje eu começaria uma rotina diferente, achei um bom momento.

Tinha passado a madrugada inteira estudando minha rotina, e não que eu queira ou precise estar nesse lugar, mas se foi o meu pai que me colocou aqui, significa que não vou sair tão cedo.

8:30h era o café da manhã, eu não tinha fome, raramente eu comia. Quando criança a minha mãe me dizia que eu era um passarinho, eu sempre fui magricela ela nunca deixava eu engordar. Ela sempre tinha que ter o corpo mais bonito.

- Sanduíche de abacate, não queremos que você ganhe peso não é? - mamãe coloca o prato com o sanduíche na minha frente, era hora do almoço, mas eu sempre comia um lanchinho que ela preparava, comida só a noite e quando o papai está em casa.

- As meninas me chamam de magrela mamãe - olho pra ela que comia arroz e frango grelhado - Sou a Olívia palito da turma.

- Oras querida, você não tem corpo está desnutrida, não deves se sentir ofendida por elas lhe falarem a verdade - suas palavras duras me causavam feridas no peito, mas eu não podia falar, mamãe não merecia.

- Você quer engordar? Quer ficar obesa? Quer virar a baleia-assassina? - ela dá risada e me olha esperando uma resposta.

- Não - abaixo minha cabeça e sinto as lágrimas caírem.

Termino de comer meu sanduíche e espero mamãe terminar pra poder subir pro meu quarto, ela não gostava de ficar sozinha.

- Amanhã irei na sua escola, convidaremos essas suas coleguinhas para uma festa do pijama - mamãe tinha um sorriso nos lábios, um sorriso que ela sempre fazia quando me levava para os homens maus.

Soco o box do banheiro e dou um grito de dor, não dor por ter machucado a minha mão, uma dor de dentro. Malditas lembranças, elas acabam comigo.

Desligo o chuveiro e fico um tempo com a cabeça encostada no vidro do box, eu não ia chorar, ela não merece as minhas lágrimas. Eu só tinha que me convencer disso.

Todos nós temos um passado, mas não sei se o de todos era tão difícil. Me enrolo na toalha e saio ainda pensativa, nunca vou conseguir ser uma pessoa normal.

Após vestir uma roupa qualquer eu caminho até a janela, a vista nublada era como se fosse um aviso de como seria o meu dia.

- Está atrasada pro café - Micheline entra me assustando.

- Tenho a chave - ela levanta um chaveiro e eu assinto com a cabeça.

- Não vai vestir o uniforme? - nego e ela dá de ombros como se não tivesse importância. Pra mim também não tinha.

- Preciso levar algo? - pergunto com a mão no queixo olhando pra mala.

- Nada - ela responde sorrindo.

- Vamos? - ela abre a porta e eu saio sentindo um frio na barriga.

Noto que o meu quarto era o único nesse cômodo, considerei mega estranho, mas deixei pra lá, sempre gostei de estar sozinha mesmo.

Micheline sorria para todos os guardas, acho que ela estava tentando aliviar a tensão. Eu os ignorava, eles com certeza me encaravam com desprezo. Normal quando se tem fama de louca.

Entramos no elevador e eu vejo que já são 9:12, atrasei demais. Não demora muito pra chegarmos no térreo, assim que a porta do elevador se abre, Micheline sai sendo seguida por mim.

Não tinha ninguém além das enfermeiras caminhando pela mansão, todos os internos já estavam em suas respectivas atividades.

- Não podemos demorar, você já está atrasada.

- Estou sem fome - Micheline me olha incrédula e eu dou de ombros, óbvio que poderia ter dito antes, mas quis atrasar mais um pouquinho.

Cada passo que eu dava seguindo Micheline até a sala do Dr. Fernando, eu sentia um frio na barriga. Acredito que seja normal, estou em um lugar estranho e não conheço ninguém, não sei por quanto tempo ficarei e nem com quem terei que lidar aqui.

- Daqui você segue suas tarefas sozinha, qualquer dúvida pergunte, se comunicar é essencial - Micheline fala antes do Dr. abrir a porta e me convidar para entrar.

- Buongiorno signorina Agnes, come sta*? - Dr. Fernando fala um pouco enrolado e eu vejo que ele está forçando o sotaque.

- Io sto bene, grazie* - respondo calma e ele sorri de um jeito diferente, pelo visto vai ser uma longa conversa.

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Eu estava me sentindo tonta, a consulta com o Dr. Fernando tinha sido intensa, ele me arrancou coisas que eu não seria capaz de dizer para ninguém.

Meu estômago roncava, tinha saído da sala do terapeuta às 12:03, fiquei fazendo hora no banheiro pra ver se o meu nervosismo de encarar pessoas passava, mas de nada adiantava.

Jogo uma água no rosto e respiro fundo antes de criar coragem e sair rumo ao refeitório, era apenas pessoas, e eu só tinha que as ignorar como fazia na clínica, o que pode dar errado?

Um caminho nunca foi tão curto como esse, fechei os meus olhos e respirei fundo mais uma vez antes de adentrar o local que estava cheio, talvez ninguém reparasse em mim nessa multidão.

Pego a bandeja com o almoço e passo despercebida entre um grupo de garotas que conversavam animadas, respiro aliviada quando encontro um canto vazio longe de todos para comer sossegada.

Arroz integral, filé de frango, rúcula e feijão-verde, era o almoço. Já estava na terceira garfada quando escuto uma tosse na minha frente, ignoro e continuo comendo a minha comida, novamente a tosse.

Problemas de garganta grave deve ter essa pessoa, não é possível.

- VOCÊ É SURDA - escuto uma voz grave e levanto o meu olhar dando de cara com um garoto loiro, ele estava parado com a bandeja na mão visivelmente impaciente.

- Escuto perfeitamente bem, mas acredito que ninguém falou nada comigo - volto a olhar para o meu prato, até que a comida não é ruim.

- Esse lugar é meu - ele fala frio e cheio de prepotência.

- Desculpa, não sei o seu nome, mas tenho certeza que ele não está aqui - dou um sorriso cínico e vejo sua expressão mudar.

- Você não vai querer que eu te mostre - ele sussurra fechando os olhos, pelo menos sabe controlar a raiva.

- Ah, eu vou - levanto ficando de frente com ele e não me deixo intimidar por ele ser bem mais alto que eu.

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Tradução das palavras ditas em italiano:

Buongiorno signorina Agnes, come sta? -- Bom dia senhorita Agnes, como está?

Io sto bene, grazie -- Eu estou bem, obrigado.

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