A Última Batida Do Coração

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CAPÍTULO QUARENTA

A G N E S • H E R N A N D É Z

"Só quando eu morrer
Você vai acreditar
Depressão é brincadeira
Que alguns brincam sem gostar
Já me afundem em lágrimas
Mas cansei de chorar"
Neephesto ' - CDR (CB13) - Eu tô mal mas tô bem.

Ah... Minha bela e amada Madonna di Campliglio.

Minha cidade maravilhosa, sempre nevando e com um frio gostoso de sentir.

Com um sorriso no rosto eu lembrava das poucas vezes em que vinha esquiar com minha mãe e fazíamos bonecos de neve, era tudo pra manter a aparência de uma família perfeita, mas eu aproveitava cada segundo.

- Olha mamãe, é um boneco de neve? - aponto pro outro lado da pista.

- É sim, quer fazer um? - minha mãe sorri me pegando no colo.

- Eu consigo? - falo animada.

- Termina com isso logo Melanie, ainda tenho negócios a tratar hoje e não posso perder tempo - meu pai fala sério e eu fico um pouco triste.

Esse dia foi incrível, foi um dos melhores dias em que passei com minha mãe, em nenhum momento ela ficou brava comigo e nem deixou o meu pai me maltratar.

Enxugo minhas lágrimas e vou caminhando até a pista que sempre foi menos frequentada, entro no teleférico e me aconchego na cabine que estava quente, diferente do tempo lá fora.

O teleférico para no alto da montanha, com mais de 2.000 metros de altura, não se era possível ver e nem ouvir a cidade daqui de cima.

Meu lugar preferido pra buscar a paz interior e também gritar para o mundo a minha dor.

Eu amava fugir de casa e vim pra cá, era sempre somente eu e o pico da montanha repleto de neve.

Encontro uma pedra e me sento nela, tiro o meu casaco e deixo o frio me castigar, as lágrimas rolavam e quando os soluços chegaram eu deixei a depressão me dominar.

Não aguentando mais e como se buscasse alguma forma de alívio, começo a bater o meu pulso em uma parte pontuda da pedra, sentindo cada vez mais a ferida se aprofundar.

Porque a minha vida é assim? Eu não consigo me lembrar de um dia sequer em que pude ser uma pessoa normal, sem sentir esse vazio, essa dor no peito que acaba comigo... Me destrói.

Por que os meus pais só brigavam comigo? Sempre fiz tudo, tudo que eles queriam só pra poder mostrar que sim, eu poderia ser a filha perfeita que eles tanto queriam, mas não dava, eu sempre fiz tudo errado.

Eu já fui uma garota normal, mas tudo mudou quando o meu pai decidiu que eu deveria ser a mulher dele. Eu nunca quis, doía e ainda dói.

Nesse dia tudo mudou, meu lado bom morreu, guardei rancor, raiva, ódio... Meu próprio pai foi quem me destruiu.

Deixei de ser filha pra ser um objeto, comecei a me cortar, me isolei. Não tinha amigos, mas até então eu me esforçava pra que alguém gostasse de mim, tudo isso mudou e o meu pai foi o único culpado.

Depois do primeiro corte já não tem outra saída, era só a noite cair e os pensamentos me perturbar pra eu poder pegar a lâmina e fazer os cortes, cada vez mais fundo, chorava e perdia noites me machucando, era meu refúgio o que eu podia fazer?

Era muita pressão, eu, uma garotinha sozinha, nunca conseguiria, ninguém nunca me ajudou e com o sentimento de inutilidade eu simplesmente parei de querer existir.

Minha vontade e o meu maior desejo passou a ser a morte.

Eu já não existia mais, eu sobrevivia, colecionando decepções e medos, o fim pra mim me parecia ser o começo da paz.

O Jack foi o estopim, ele tão vazio me fez chorar de amor. Pode parecer bobagem, mas eu me entreguei, me entreguei em uma paixão que era apenas ilusão, ele só quis brincar comigo desde o começo, mas como eu ia saber que ele só queria me enganar? Foi insano o que ele fez, dizer que é amor e no fim me machucar.

Foi ali naquela cama de hotel e algemada que a minha vida perdeu o sentido.

Levanto no impulso e começo a olhar pra baixo, eu estava decidida e foda-se...

Todo mundo me julga e ninguém nunca sabe de porra nenhuma, por que iriam notar minha morte?

Não era mais só a depressão, já estava cansada, viver em um mundo onde não sou enxergada é muito cruel, se o mundo inteiro me rejeita... O que eu estou fazendo aqui então?

Um peso, é isso que sou na vida da única pessoa que se importa comigo, ele tem que viver a vida dele e eu sou sempre um problema.

Dou um sorriso e lembro do rostinho lindo de Sophie sorrindo, mamãe tá chegando meu amor.

Viro de costas e grito, grito o mais alto que posso, é assim que eu iria. Sozinha, como sempre fui.

Começo a gargalhar e sinto a brisa do vento batendo contra o meu corpo gelado, de olhos fechados me viro de costas e começo a contar os meus passos.

Um... dois... três...

Respiro pedindo perdão e acreditando estar me dando a minha própria salvação. Não há mais nada que possa ser feito.

E aquele passo pra trás foi a última batida do meu coração.




"É ESTRANHO COMO EM QUESTÃO DE SEGUNDOS, VOCÊ PODE SER LEMBRANÇA NA MENTE DE TODO MUNDO
E A SUICIDA NÃO É COVARDE, MAS É SÓ ELA QUE VIA, QUE EXISTIA UMA DOR POR DENTRO QUE MATAVA ELA TODOS OS DIAS..."

Fim.

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