Começamos Mal

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CAPÍTULO SEIS

A G N E S • H E R N A N D É Z

Tem gente que pensa que me engana fácil.
Mal sabem que a capacidade que eles tem para mentir, eu tenho pra fingir que acredito.

- Não quero ver mais ninguém hoje - afundo meu rosto no travesseiro.

- É, acontece que aqui temos regras e você tem que cumprir - Micheline não me dava uma trégua.

- Mannaggia* - murmuro saindo do quarto.

Nunca fui boa em me socializar, parece que é de mim afastar as pessoas.

Depois do episódio com aquele garoto eu decidi que ficaria o resto do dia no meu quarto, fui patética saindo correndo daquele jeito, mas ele me irritou ao extremo e se eu continuasse dando corda ia sair do controle... E eu não posso sair do controle.

- Boa sorte - Micheline bate na porta e pelo contrário do que acho que ela vai fazer, ela continua lá comigo.

- Grazie - respiro fundo e tento me acalmar, primeiro dia e já vou encarar uma terapia em grupo com pessoas que não faço a mínima ideia de quem eram.

A porta se abre e eu vejo um homem moreno de provavelmente 25 anos de idade, ele tinha uma expressão neutra no rosto, mas o que mais me chamou a atenção foram os seus olhos pretos, uma escuridão tão intensa que parecia até a minha vida refletida.

- Você quem é? - o homem pergunta chamando minha atenção.

- Agnes Hernández, agora já podemos começar - a tal da Valquiria chega com ar de superior, muito misteriosa essa mulher, será que ela é a Sra. Fiore? Irei descobrir.

Assim que entramos na sala, todos os olhares foram direcionados para nós. Pessoas, muitas pessoas, isso não ia acabar bem.

- Antes de começarmos a Sra. Fiore vai fazer a apresentação dos novatos - nesse momento eu gelo, minha respiração fica acelerada e sinto como se fosse perder a sustentação do meu corpo e desmaiar a qualquer momento.

Um garoto loiro se levanta e fica do meu lado, noto que assim como eu, ele também não estava se sentindo a vontade.

- Vocês sabem que não é comum receber internos assim, até porque o processo pra entrar aqui é demorado - a voz robótica invade a sala e parece que todos já estão acostumados - Porém, eles conseguiram e agora algumas coisas também irão mudar, mas claro uma etapa de cada vez.

- Vamos dar boas-vindas a Agnes Hernández Conte e Nicolas Shantal - assim que ela fala nosso nome, começa um burburinho, mas logo eles gritam pra sermos bem-vindos.

- Peço que respeitem e o sigilo do porque estão aqui continuará sendo mantido então não os perguntem - dessa vez é Valquiria que fala.

- Terminadas as apresentações já podem começar a terapia - a voz robótica fala e Micheline me leva pra perto de todo mundo junto de Nicolas.

Nos sentamos um ao lado do outro, ele olhava constantemente para baixo e até suava. Valquiria e Micheline deixam a sala, agora sim começaria o meu tormento.

- Bom o meu nome é Marcelo e hoje vamos conhecer vocês - o homem moreno fala comigo e com Nicolas.

- De onde vieram?

- Brasil - respondemos baixo e juntos.

- Olha, temos brasileiros aqui - ele exclama surpreso.

- Sou italiana - digo sentindo minha boca seca.

- Quanti anni hai?* - Marcelo pergunta, eu adoro o italiano, mas consigo falar 5 línguas fluentes.

- Ho 17 anni* - respondo olhando pra ele.

- 19 - Nicolas fala apertando as mãos, será que ele tem o mesmo problema que eu?

- Querem compartilhar algo conosco? - Nicolas e eu balançamos a cabeça em negação.

- Tutto bene - ele me olha e eu dou um sorriso quase imperceptível - Vamos fazer uma dinâmica pra vocês conhecerem todos então.

●●●

Fracasso... Se tem uma palavra que resume essa terapia, com certeza é fracasso.

Nicolas teve um ataque de pânico e foi levado pra enfermaria, eu não consegui conversar com ninguém e quase perdi o controle quando duas garotas vieram se crescer pra cima de mim.

Todos já tinham saído, mas Marcelo quis que eu ficasse pra ele me passar como funcionava as terapias. Eu só queria entrar no meu quarto e não sair dele nunca mais, será que é pedir demais? Acho que não.

- Arrivederci* - Marcelo se despede saindo primeiro que eu da sala.

- ArrivederLa* - falo, mas nem sei se ele escuta.

Fecho a porta e tomo um susto quando vejo o garoto de mais cedo, ele estava parado na minha frente com as mãos no bolso da calça e me olhava intensamente, seus olhos eram indecifráveis.

Estava igual uma retardada parada olhando pra ele, balanço a cabeça e saio de perto dele, mas antes que eu pudesse sair ele puxa o meu braço.

- Eu acho que começamos mal - fala afrouxando o aperto.

- Não, você começou mal, é diferente - digo seca soltando meu braço.

- Signorina Agnes, scusami?* - ele se ajoelha e eu reviro os olhos dando as costas e saindo sem o responder.

Dificuldade em confiar nas pessoas é normal, todo mundo tem. Agora reconhecer uma pessoa falsa desse jeito? Esse dom é para poucos.

Posso não conhecer bem esse garoto, mas o tipo dele? Eu conheço e muito. E não estou julgando ninguém, só que na minha vida sempre passou pessoas iguais.

Me tratou mal assim que me viu, o espaço era o suficiente para nós dois, não se passou nem um dia e vem com papinho de que começamos mal? Deve ter trouxa colado na minha testa.

Não sei o que aquele garoto fez pra poder estar aqui, mas a escuridão o rodeava.

♤♤♤

Tradução das palavras ditas em italiano:

Mannaggia -- Droga.
Grazie -- Obrigado.
Quanti anni hai? -- Quantos anos você tem?
Ho 17 anni -- Tenho 17 anos.
Arrivederci -- Até logo (informal)
ArrivederLa -- Até logo (formal)
Signorina Agnes scusami? -- Senhorita Agnes desculpe-me?

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