— Isso foi grosseiro — disse Mia enquanto caminhavam em direção a aula.
— O que exatamente se eu não disse nada? — Ethan disse despreocupado.
Mia suspirou incrédula, não era o tipo de garoto nada gentil, podia-se dizer. Para Mia há algumas regras do que você deve dizer a alguém.
Primeira delas, só diga algo a pessoa que ela possa mudar em cinco minutos, por exemplo, uma sujeira no dente ou um cabelo bagunçado.
Segunda regra, é importante se pôr no lugar da pessoa que vai ouvir seu comentário, aquilo te faria feliz? Não? Não diga.
A terceira é você se questionar uma ou um milhão de vezes se o que você vai dizer é realmente importante, inclusive pra você.
A quarta mas não menos importante é que você não tem a menor ideia do que se passa na cabeça de outrem, ser gentil é sempre bem-vindo.
As castanheiras balançavam forte do lado de fora do prédio da Wellfster Veronica, o dia estava ventilado e o sol havia diminuído quando as aulas acabaram.
— Ei — dizia Ethan correndo atrás de Mia —, nós nem nos apresentamos formalmente. E muito obrigado por ter me ajudado.
Mia o encarava esperando alguma apresentação.
— Ok, você é do tipo "você primeiro" — ele sorriu, talvez pela primeira vez —. Meu nome é Ethan Samuels.
— Mia de San Martín — disse ela, virando-se para frente novamente.
— San Martín? — Ethan franziu a testa parecendo se lembrar de algo — Os San Martín de...
Mia o interrompera, não estava com paciência para explicá-lo todas as dúvidas que tinha, não achava isso tão importante assim e quase sempre dizer seu sobrenome a fazia sentir-se arrependida de se apresentar.
No bar-mercearia, o senhor Juno, como gostava de ser chamado, limpava os copos pela bancada enquanto ouvia os lamentos de Julieta.
— Seu Juno — ela resmungava com as mãos segurando o rosto —, as minhas aulas começaram hoje, eu preciso de um lugar pra morar, eu estou quase acabando com todas minhas finanças ficando em um hotel.
— Julieta, você poderia ter procurado uma casa assim que chegou, não é? — respondia ele quase impaciente.
— Mas eu não achei que fossem ter tantos universitários assim de uma vez e também não tinha dinheiro pra alugar uma casa sozinha.
Não valia a pena discutir, pensava senhor Juno. Julieta de certo e evidente ainda era uma menina que não batia muito bem da cabeça e não entendia como as coisas funcionavam, havia chegado há cerca de um mês e ficou apenas transitando de um lado para outro da cidade tocando seu violão e morando num hotel na beira da estrada.
Foi inevitável se compadecer, era apenas uma menina. Não falava dos pais, senhor Juno sequer tinha ideia como ela havia parado ali ou como conseguiu se matricular na universidade mais cara do país.
Scar apareceu de maneira sorrateira o tirando de seus pensamentos.
— Scar, você não precisava ter vindo hoje, ainda não começamos — disse senhor Juno, fazendo Julieta virar para olhá-lo também.
— Scar! — ela sorriu — É incrível ver você aqui, assim pode me ajudar.
Scar a encarava, resolveu se sentar ao seu lado nos bancos altos próximos ao balcão que estava senhor Juno.
— Podemos dividir uma casa? — perguntou Julieta com um sorriso maior ainda.
Scar a olhava sem dizer nenhuma palavra. Não havia, aparentemente, nenhum limite do que se esperar daquela garota, mas ele a recusou gentilmente.
Aquela simples recusa parecia ter sido o fósforo que faltava pra uma explosão, Julieta grunhia e resmungava sobre Scar e sobre todas as pessoas da cidade que não tinham compaixão por ela.
Senhor Juno aproveitando o momento para também — Scar fazia muito bem enquanto folheava um pequeno caderno — ignorar Julieta, perguntou a Scar o que ele fazia ali já que devia estar na aula.
— Vim dividir com você meus horários — ele respondeu, empurrando um caderno para o senhor Juno.
— Ah — respondeu Juno —, você é um rapaz muito bom e responsável, Scar.
— Sim — disse Julieta de repente —. A princípio quando eu vi fiquei com medo porque ele tem essa cara de mal e essa cica... — ela parou notando mais uma vez o que falava — A questão é que você é muito gentil mesmo com essa cara de mafioso.
Senhor Juno arregalou os olhos enquanto não sabia pra qual dos dois olhar.
Scar colocou a mão na boca dando uma pequena risada.
— É sério — continuava Julieta, séria —. Você tem essa cara aí de bad boy, mas eu agora acho que você não faz mal nenhum.
Não fazia mal nenhum? Scar sorriu de lado. Não é como se fizesse algum mal, mas também não era como se não o fizesse. E essa maldita cicatriz continuava latejando.
Numa reação sem pensar, Scar colocou a mão no banco de Julieta, aproximando-se de sua orelha.
— Contanto que não me provoque — ele sussurrou, fazendo-a arrepiar o corpo inteiro.
A noite chegou e as semanas seguintes também. Ethan continuava fazendo comentários estranhos sobre Laura, como questioná-la se de fato conseguia enxergar pois seus olhos eram tão claros quanto de cegos ou se alguma vez ela havia se fantasiado de fogueira — não era de se estranhar que Laura o odiasse.
Mesmo ela repetindo um milhão de vezes que o odiava, Mia e ela sempre estavam perto de Ethan, nos intervalos, no almoço, nas trocas de aula, era quase um acordo silencioso que tinham entre eles.
— Você não vai pra aula nunca? — perguntou Ethan entrando em casa, tirando os tênis — E também arranjou um emprego, eu nem sei pra quê, você nem precisa.
Scar o olhou pelo canto do olho, assistia TV, mais precisamente Missão Impossível.
— Também nunca vai enjoar disso? — Ethan imitou um vômito.
A verdade é que Missão Impossível era o filme preferido de Scar desde que ele o assistiu pela primeira vez, o total oposto de Ethan que já fora pego dezenas de vezes aos prantos assistindo Titanic ou algum das princesas da Disney.
— Teu nome poderia ser Jack de tanto que você chora pela Rose — brincou Scar quando Ethan ia até a cozinha —. Eu apenas gosto do protagonista...
Ethan revirou os olhos, era isso que Scar fazia sempre que queria fugir de uma resposta, ele se achava esperto demais e ninguém tinha dimensão do tamanho do seu ego.
— Ah — disse Ethan voltando à sala —, eu tinha algo pra te dizer há algumas semanas, mas acabei esquecendo. Eu conheci Mia de San Martín, aqueles San Martín...
Scar levantou a mão para que Ethan parasse de falar, virou o rosto o olhando por cima do ombro.
Então Mia realmente estava estudando na Wellfster?
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Entre nós e laços
Roman d'amour"Entre nós e laços" conta a história de nove jovens que estão descobrindo sobre a vida adulta com amizades, paixões, intrigas, inveja, sexualidade e muito drama na cidade interiorana fictícia de Slowtown, que parece que nada acontece. Mia, também co...