royal

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As gotas pingavam pelo rosto delicado sempre que ele colocava a cabeça para fora da piscina, afim de respirar, logo afundando novamente com tanta convicção que a força da água gerava ardência em suas bochechas fartas. As mãos limpavam o caminho à sua frente, como se dividisse o lençol azul que se estendia pelos cinquenta metros de comprimento e vinte e cinco metros de largura da piscina da competição mais importante de Seul. Nas mãos dos jurados, três medalhas brilhantes, mas apenas uma interessava Kim Junmyeon: a de ouro.

Se ele conseguisse só mais uma volta, ganharia. Estava à frente dos outros adversários, o pódio já era seu. Todos ao redor gritavam o nome do coreano, tinham ido especialmente para vê-lo, o prodígio de Seul e que agora poderia fixar seu nome na cidade natal. Ele só precisava de um minuto, em um minuto alcançaria o maior sonho da sua vida e seria realizado.

Estreitou as sobrancelhas. Estava pronto para dar tudo de si. Teria tempo extra, tiraria fotos e diria palavras de agradecimento para seus pais, avós e seu cachorro. Não se importava mais com o cabelo em seus olhos, ou a bermuda colada ao corpo, ou os outros adversários com faces exasperadas tentando alcançar o prodígio da água. Aquele já era o melhor dia de sua vida.

Porém se transformou no pior.

Junmyeon começou a sentir uma séria dor na perna direita, impossibilitado de nadar imediatamente. Lutava para não afogar enquanto os salva vidas estavam desesperados tentando nadar o mais rápido possível até ele, que estava no meio da piscina. A dor era tão aguda que Jun já se via perdendo a consciência, o oxigênio lhe faltando como se os pulmões estivessem alagados. A última coisa que conseguiu ver foi um adversário chegando em primeiro lugar, roubando totalmente seu sonho. Essa era a única coisa que o Kim conseguia se importar.

A coisa que o mais dava motivo para viver também foi a que quase o matou.

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Junmyeon não conseguia evitar de reviver a mesma memória o tempo todo. Mesmo naquele local lotado de gente precisando de mais ajuda que ele como a clínica, ainda se sentia a pessoa mais azarada do mundo.

Lembrava-se como se tivesse sido o dia anterior. Depois daquilo, começou a frequentar radiografias. Ele havia tido apenas uma fratura na fíbula, algo comum por estresse que ocorre devido à tensão repetitiva no osso ou a força aplicada pelo músculo. Junmyeon vinha ignorando o grande inchaço e as fortes dores que tinha na região por todo o tempo que treinou para o campeonato de Seul. No fim, o esforço em excesso na hora da competição fez com que o osso dele não aguentasse.

Num caso normal, não teriam problemas de tratamento. Porém, aquela lesão estava tão avançada que nada pode ser feito e, depois de permissão para cirurgias ousadas e com pouca probabilidade de recuperação, Junmyeon acabou tendo sua perna amputada um pouco acima do joelho.

Sem amigos e família, entrou numa depressão séria e recusou por muito tempo qualquer reabilitação, andando com ajuda de cadeira de rodas ou muletas, até conhecer o médico fisiatra Kim Minseok em um bar, que passou Jun confiança o suficiente para ser um paciente de sua clínica.

- Junmyeon... Deveríamos aumentar só um pouco a velocidade da esteira? - Falou o médico, segurando a mão de Kim com cuidado, sempre com a voz aveludada e a paciência revigorante.

Jun entrou rapidamente na defensiva. Era muito medroso e tinha certeza que nunca conseguiria correr ou nadar novamente, mesmo que já andasse de forma comum.

- Não... Eu não sei se consigo, Minseok... - Agarrou-se no braço do outro, cuidando para não tropeçar. - Podemos acabar por hoje? Estou realmente exausto.

- Tudo bem - e desligou o equipamento, ajudando Jun a sair de cima do mesmo. Eles se sentaram no sofá, tinham um ritual de sempre conversarem sobre como Jun estava fazendo progresso, porque haviam se tornado grandes amigos.

- Ontem eu ajudei uma idosa a colocar suas compras para dentro de casa. Mesmo com o peso, não tropecei e até consegui me apoiar nas canelas para abaixar.

- Você precisa fazer da prótese a sua melhor amiga, não a sua inimiga. Confie nela e confie em si mesmo. - As palavras do mais velho eram sábias.

Minseok era doce e inteligente. Escolheu ser um médico especializado em fisiatria pois queria ajudar seu namorado Kim Jongdae a aceitar a si mesmo, já que nasceu com uma doença que deixava suas pernas mais fracas que as comuns, mas acabou se apaixonando pela profissão. Ele e Jun tinham uma conexão especial, conseguiam se entender como ninguém.

- Posso te perguntar uma coisa? - Jun olhou para ele. - Mas é algo que você não precisa responder se não quiser.

- Pode perguntar. Vou responder honestamente. - Segurou a mão de Seok, dando-lhe um sorriso gentil. O mais velho retribuiu o gesto.

- Você sente falta de nadar?

O sorriso de Jun morreu lentamente, e ele voltou seus olhos para o chão. Sentia, e como sentia. Não tinha nenhum outro lugar que pertencesse senão à piscina, a água parecia ter braços acolhedores e a brisa soprava problemas para longe como numa canção. Nadar era tudo que Jun mais amava. Ele se sentia vivo. Se não o fazia, então não tinha motivos para viver.

- Sim... Sinto. Faz parte de quem eu sou, do âmago da minha alma. Mas agora isso acabou.

- Por que acabou!? - Minseok elevou o tom de sua voz, ajeitando-se no sofá para que conseguisse abraçar um Jun perdido em memórias. Ele acariciou as costas do rapaz e deu tapinhas. - Junmyeon. Você pode continuar nadando, se isso te faz feliz.

- Eu não conseguiria... Já demorei tanto para aprender a andar, imagine algo dessa forma... - Encolheu-se no calor de Minseok, sentindo sua franja descolorida ser afastada e um beijo terno enfeitar a sua testa.

- Jun... Você não sente falta do sentimento que só tinha na água? Não é isso quem te faz quem você é?

Jun balançou a cabeça afirmativamente, engolindo o seco. Minseok pegou um papel em sua mesa e pensou um pouco até conseguir se lembrar do número. O número que mudaria a vida de Myeon para sempre.

- Dê uma chance para as aulas de natação. O Jongdae faz aula com esse mesmo professor e, pelo que ouço, é um homem profissional e cuidadoso com seus alunos - Jun o olhou, deixando seu coração se estender só um pouquinho com esperança - você nunca vai saber se não tentar.

seu modo de andar  [ sulay ]Onde histórias criam vida. Descubra agora