E M M A
O V E R L A N D F R O S T
Abro os olhos, a visão desfocada e ofuscada tenta decifrar as silhuetas a cima de mim. Desisto e volto a fechar as pálpebras com uma careta. A audição demora em discernir os ruídos longínquos do ambiente. Acho que deve ser inverno e acabei chutando as cobertas para fora da cama de novo. Por isso sinto tanto frio.Balbucio algo entre um suspiro e um resmungo que ordena Jack a calar a boca e me deixar dormir. Não sei o que ele responde, mas parece agitado. Provavelmente se meteu em encrenca de novo e agora está tentando se esconder da mamãe.
Meu corpo todo está dolorido, não dormi bem. Tive um pesadelo horrível com o lago congelado. Depois o sonho mudou e eu estava numa colina com aroma de pinheiro e de morangos. Jack tinha cabelos pálidos e olhos azuis, como o céu limpo de nuvens num dia de final de inverno.
Ouço uma canção e o clarão dourado do sol me cega, mesmo de olhos fechados.
- Jack, feche a janela...
- Ela está acordando! - Meu irmão exclama.
Esfrego os olhos com uma cara feia, me remexendo. O que realmente me trás de volta à realidade não é a canção ou a luz dourada. O que me acorda com a certeza de que tem algo errado é o perfume de rosas e o colchão macio da cama em que me deito: minha casa tem cheiro de feno e madeira recém cortada, meu colchão é gasto e desconfortável.
Espio por entre olhos semicerrados, franzindo as sobrancelhas. O clarão não era do sol pela janela aberta. É o brilho de uma garota feita de luz, que canta os versos finais de uma canção de ninar. No momento que termina, seu cabelo "apaga", e ela abre os enormes olhos verdes e expressivos.
- Mas o que...
- Emma! - Um vulto branco e gelado avança para me abraçar. Ele se afasta e vejo o rosto pálido do meu irmão.
- Jack. - Ergo os dedos para tocar sua bochecha fria, pálida que nem porcelana. Toco seus cabelos rebeldes, tão brancos quanto neve fresca. Os olhos azuis, não castanhos, me encaram emocionados enquanto ele escancara o sorriso. Mal encontro minha voz: -... Você mudou.
Meu coração se quebra dolorosamente e afunda como vi o meu irmão afundar em águas turvas, escuras e geladas. A aparência dele significa que tudo o que aconteceu foi de verdade. O pesadelo foi real.
- O lago...
- Já passou. - Ele alcança minhas mãos, depositando beijos frios nos nós dos meus dedos. - Você vai ficar bem. Está segura agora.
- O que aconteceu? - Pergunto, sentindo o coração palpitar ligeiro e forte, enquanto passo os olhos pelas paredes cor de salmão do quarto em que estamos, cheio de camas. - Onde estamos?
Quem responde é a garota bonita de longos cabelos dourados.
- No chalé 10, do Acampamento Meio-Sangue.
Continuo sem entender, com a diferença de que desvio os olhos, morrendo de vergonha por ela. A menina está mostrando as pernas inteiras, usando calças de homem bem curtinhas.
- Eu deveria chamar o Quíron? - Um rapaz entediado questiona ao tempo em que vasculha algumas gavetas, pegando um objeto ou outro, descartando ou enfiando no bolso quando acha algo interessante. - Parece que ela vai dar um black-out e voltar de novo pro Hades.
- Péssima piada, Flynn. - A loira cruza os braços.
Me viro para a versão invernal do meu irmão.
- Cadê a nossa mãe?
Em resposta, ele aperta os lábios numa linha fina. Eu conheço aquela expressão que ele faz. Sempre antecede uma notícia ruim.
- Jack, cadê a nossa mãe?! - Pressiono.
- Emma... - Ele massageia o espaço entre o ombro e o pescoço, desviando a vista. Também conheço aquele olhar.
Meus olhos salpicam.
Não...
- Emma, espera!
Mas eu já havia pulado da cama de vez e corrido para fora. A luz do sol machuca os meus olhos e tropeço cegamente nos dois degraus depois que passo da soleira da porta, me desequilibrando para o lado, na direção das roseiras. Os espinhos me arranham, os galhos puxam os meus cabelos e engatam no vestido. Só que um arbusto não é o suficiente para interromper a minha fuga.
Saio em disparada, ciente dos meus olhos arregalados que percorrem o espaço aberto, contornado por uma porção de casinhas engraçadas. Crianças de roupas laranja e roxo perambulam com armas de verdade e uma besta alada, negra como a noite, pousa bem na minha frente. Dou um grito agudo e freio a corrida, me virando na direção oposta para fugir e...
- Au!
Vejo estrelas, caindo no chão duro, tonta demais para levantar de imediato e com o coração pulsando muito forte para saber o que está acontecendo.
- Caramba, acho que quebrei alguma coisa - o garoto resmunga, se erguendo com uma careta. Uma exclamação acende seus olhos cor de avelã quando aponta para mim. - Por Zeus, o seu nariz...
No mesmo instante sinto uma das narinas escorrer e me apresso em limpar com as costas da mão.
- Ai - chio, percebendo o sangue na minha pele.
- Aqui, pega - ele me oferece um lencinho, se apressando em levantar e me estender a mão. - Não se preocupe, não tá assim tão feio.
Sequer consigo agradecer, enquanto ele me ergue, me fazendo perceber sua altura, bem maior que a minha. Apesar da espada de bronze na bainha, o garoto possui um rosto bondoso, de alguém que jamais usaria uma lâmina, e um sorriso gentil que me desconcerta por parecer uma louca.
Estou batendo a poeira do vestido, quando Jack me puxa para ele, me segurando pelos ombros.
- Ei, você tem orelhas de burro? - Apesar da palidez, aquele garoto não podia ser ninguém que não o meu irmão mais velho. Quem além dele me olharia desse jeito, tão preocupado, divertido e cuidadoso ao mesmo tempo? - Não saia correndo desse jeito.
Engulo o nó dolorido na garganta e ignoro a ardência que lacrimeja os meus olhos quando ele puxa o lencinho e limpa o sangue do meu nariz. Só então, finalmente repara no rapaz parado ali.
- Ah, e aí, Jamie? Parece que já conheceu a minha irmãzinha.
Jamie acena timidamente. Coloco o cabelo embaraçado atrás da orelha, mirando o chão.
- Eu quero ir pra casa - demando, endurecendo a voz.
Jack apruma os ombros e vejo o músculo no seu maxilar saltar, tenso. É estranho ver meu irmão tão sério. Me deixa nervosa.
- Eu sinto muito - ele lamenta. - Não podemos voltar pra casa.
- E por que não?
Seu timbre é suave como o cair dos primeiros flocos de neve:
- Porque se passaram trezentos anos desde aquele dia no lago, e as pessoas que conhecíamos... Emma, a nossa casa não existe mais.
É, não há um modo delicado de contar pra sua irmã que ela foi parar 300 anos no futuro e que todos que vocês conhecem estão mortos kkkk
Gostaram do capítulo? Deixem a estrelinha!
De quem vocês acham que o Jamie é filho? Por que Anna e Emma voltaram? Façam suas apostas! O Hiro vai já passar recolhendo os dracmas hahah'
Até a próxima, bye bye ;)
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Equinócio de Anna
FanfictionAnna estava morta, mortinha. Ou, pelo menos, deveria. É que ao invés de um caixão a sete palmos da terra, a garota se viu sequestrada por dois adolescentes estranhos que a levaram para um lugar mais esquisito ainda: o Acampamento Meio-Sangue. Agora...