Capítulo 25 - Defeito Mortal

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A N N A   D E   A R E N D E L L E


O vento rigoroso do inverno é uma navalha fria na minha face. Bato os dentes e estremeço, abraçando a mim mesma. A nevasca uiva ruidosa e tudo à vista é um borrão escuro de cinza e branco. Tento andar, mas o meu corpo encontra resistência. Estou com neve até a cintura.

— Elsa! — Chamo, mas a ventania apaga minha voz. — Elsa!

Forço a vista na nevasca, sem enxergar nada. Aguço os ouvidos, procurando escutar algo além do sopro do vento. Tenho a impressão de ouvir uma melodia. Viro, na direção do som. De repente, a ventania se cala e resta apenas o cenário branco-acinzentado gelado, e as notas cristalinas de uma voz profunda. Entre as árvores, uma silhueta feminina se aproxima na neblina, até que eu veja, por fim, uma mulher tão terrível e linda quanto a paisagem de inverno.

Sua imagem tremeluzia. Por vezes, usava uma tiara de prata e uma toga branca grega, que esvoaçava graciosa, como os longos cabelos negros. Sua imagem oscilava, então as vestes finas de princesa eram substituídas pelas roupas de caça, como o manto de peles e o arco e flecha em suas mãos. Os cabelos negros, por sua vez, se arrumavam em várias tranças com anéis de prata, chicoteando ao vento, antes de tremeluzirem e tornarem a ficar soltos. O olhar era sempre o mesmo, porém. Olhos castanhos como café gelado; furiosos, determinados e lindos.

E sua canção me parece tão familiar quanto ela mesma.

Há memórias no lugar/ Onde o Vento Norte encontrar o mar/ Durma logo e verá/ O Rio te leva a se encontrar. — Ao cantar, a deusa caminha em minha direção, como as nuvens que se preparam para cobrir o céu. — Suas águas vão trazer/ Os segredos que você não vê/ Siga a sua intuição/ Pra não perder a direção...

Ao mover o pé para ir ao seu encontro, a deusa se desintegra num pequeno tornado de neve, que é levado pela brisa congelante.

— Espera!

Ergo a mão, como que para tocá-la, sem sucesso.

Sua canção parece soar além das árvores cobertas de gelo.

A voz de longe irá soar/ E te alcançar onde estiver/ Não deixe o Medo atrapalhar/ Ao enfrentar o que o Rio trouxer...

De alguma forma maluca que só acontece em sonhos, a neve já não está mais me atrapalhando. Avanço pelas árvores, desviando de agulhas de pinheiro e galhos retorcidos com estalactites de gelo em miniatura. Volto a encontrar a deusa, parada em frente ao rio que resiste ao congelamento do inverno, carregando algumas placas de gelo na correnteza.

Há memórias no lugar/ Onde a mãe sempre vai lembrar — ela entoa os versos finais. — Lembre disso ao me chamar/ E ao se perder, vai se encontrar.

Ao olhar para mim, por cima do ombro, já não é mais o rosto severo de uma deusa invernal que encontro, mas o rosto doce e sereno da minha mãe. Um sorriso cheio de ternura ilumina os olhos, de íris azuis cintilantes como topázios, iguais aos de Elsa.

Pisco, surpresa.

— Mãe? — Meu coração se aperta.

E o sonho acaba.

Quando abro os olhos, vejo o tecido do teto de uma tenda. Roncos suaves chamam minha atenção e flagro Kristoff ao meu lado, dormindo sentado num banquinho, numa posição bem desconfortável, com o pescoço torto. Há uma manta me cobrindo e estou sobre um saco de dormir. Me coloco sentada. Minhas têmporas latejam e reparo que há unguentos e curativos em arranhões pelo meu braço.

Assim que começo a me perguntar onde estou e o que está acontecendo, ouço o som bruto de rochas deslizando — pedras, perfeitamente redondas, rolam para dentro da tenda e param à minha frente, silenciosas. É quando elas espocam feito pipoca, transformando-se em criaturas vivas.

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⏰ Última atualização: Feb 25, 2022 ⏰

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Equinócio de AnnaOnde histórias criam vida. Descubra agora