Eu (não) sou um psicopata. Capitulo 1. Paciente.

85 3 0
                                    

Harry caminhava a passos lentos pelo corredor mais uma vez esta semana, sua palidez e sua postura estavam cada vez mais me deixando assustada. Os policiais carregavam o garoto como se ele fosse um animal, um pobre cavalo em adestramento. Eu sentia pena do rapaz.

Ele entrou quieto em minha sala, foi assentado na cadeira em frente a mesa e algemado pelos pés e mãos com correntes compridas. Os dois oficiais que acompanhavam ele se retiram da sala e então eu fecho a porta. Me assento a frente de Harry, uma das mentes mais intrigantes com as quais trabalhei.

Harry era meu 10º paciente como funcionária pública. Há alguns meses assumi o lugar de um de meus antigos colegas da faculdade e o caso Harry veio com ele. Essa é somente nossa 4ª consulta. Eu pouco o tinha conhecido de fato, mas os relatórios que me foram entregues e as poucas conversas que tivemos me deixavam cada vez mais interessada no assunto.

O seu caso era o meu grande desafio, o rapaz foi acusado de tirar a vida de pelo menos 20 pessoas antes de completar 19 anos.

Harry ficava sentado com o corpo escorado na cadeira e o rosto exausto, ele estava fora de seu ambiente natural. Foi concedido a seu pedido o acompanhamento psicológico depois de alguns meses de prisão. Ele havia pedido por aquilo.

- Muito bem Harry! Como passou a semana?

Ele era difícil com as perguntas, pouco me dizia de si mesmo. Na última consulta eu consegui tirar dele um pouco de sua história, um começo de confissão.

- Bem? Mal? Não sei.... Eu fiquei bem cansado estes dias, eu não aguento mais esse lugar doutora.

Eu me agradava ao ver ele se abrindo aos poucos comigo, nossas consultas estavam começando a progredir.

- Não me chame assim, já sabe disso! - insiste com o assunto proposto no inicio de meu acompanhamento - Mas logo isso acabará Harry, lembre-se que você carrega um peso muito grande em suas costas e eu estou aqui para ajudá-lo. Tudo que você me fala aqui, fica aqui.

Me reposiciono na cadeira e encaro seus olhos pesados, carregados de emoção, de lagrimas.

- Você lembra onde paramos? Você ia começar a contar sobre o sétimo ano, lembra?

Seu rosto se fechou, quase instantaneamente.

- Eu tenho boa memoria doutora, não precisa me questionar.

Harry protestava ao começar a falar, nossas consultas sem tempo para terminar me davam tempo para insistir, mas eu sinto que hoje ele está um pouco diferente, sem a resistência costumeira.

-  Estou aqui para ouvi-lo.

Ele ficou estático, quase como um cadáver, gélido, pálido e sem movimento. Seus olhos vagaram pelas paredes claras e então ele se voltou pra si mesmo, para suas mãos presas.

- Eu não sei por onde eu posso começar...

- Comece do início de tudo, como você foi para escola naquele dia?

- Eu tinha dormido cedo, eu estava muito ansioso para ver o pessoal...

- Laura? Lucy? ...

- Pedro...

Seu rosto vacilou nessa hora. Eu sabia que existia um Pedro na lista de vitimas de Harry.

- Eu tinha arrumado minha mochila para ter o ano dos meus sonhos, papai colocou a adaga na minha mochila... aquela que ele me deu depois do assalto...

E finalmente ele tinha começado a falar e eu não tinha ideia de como aquela consulta ia acabar.

Eu (não) sou um psicopata. [VERSÃO REVISADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora