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Sophie estava sentada no banco carona da caminhonete, com os joelhos dobrados e as mãos abraçando as pernas. Seguiam em total silêncio, August continuava sem nenhuma expressão, nem raiva, nem tristeza, muito menos alegria. A neutralidade no rosto de seu pai fez com que a garota percebesse o quanto ele era bom em esconder as coisas

Chegaram ao hospital e Sophie teve a impressão do lugar estar mais frio do que o normal, seus pés travaram na recepção, os olhos apavorados avaliando o corredor até o quarto onde Michel estava internado. August parou impaciente voltando-se para a filha e fez um sinal com a cabeça indicando que ela continuasse.

Sophie respirou fundo e esticou a mão para o pai suplicando por ajuda sem precisar dizer uma palavra. O pai a segurou igualmente em silêncio, mas foi o suficiente para que ela finalmente conseguisse andar em direção ao destino incerto. As mãos da garota estavam suando e sua cabeça girava, seus olhos se fecharam assim que colocou os pés frente a porta do quarto. Não suportaria saber que seu irmão piorou por sua causa, "E se eu o matei?" o pensamento lhe deu náuseas, a cabeça foi de um lado a outro como se estivesse prestes a vomitar. Sentiu uma mão em seu ombro, que reconheceu imediatamente sendo de Helena, a mãe estava tentando acalmá-la. O que isso significava?

— Você precisa abrir os olhos meu amor.

Algo na costumeira doçura presente na voz de sua mãe a fez sentir confiança de que estava tudo bem, "Michel está bem" "Michel está bem" "Michel está bem" ela repetiu mentalmente, respirou fundo e abriu os olhos. A cena a sua frente lhe puxou das sombras em que estava afundada. Seu irmão estava sentado na cama com um sorriso largo no rosto, os olhos brilhavam de empolgação e ansiedade. Os braços abertos a convidavam e Sophie se jogou, fazendo com que caíssem sobre a cama em meio a gargalhadas.

— Você está vivo. — Sophie quase gritou. — Seu pirralho desgraçado, você está vivo.

— Por pouco tempo se não sair de cima de mim. — O garoto empurrou a irmã para o lado.

Eles continuaram rindo olhando para o teto do quarto, as mãos ainda entrelaçadas como se estivessem com medo de se soltar. August e Helena admiravam abraçados ao lado da cama, era uma cena linda, digna de uma enorme platéia, porém Joseph já havia recebido alta, ele e a mãe deixaram o hospital ainda naquela tarde, então apenas a família Robinson era testemunha de sua própria felicidade.

— Obrigado. — Michel disse baixo ao recuperar o fôlego.

— Pelo que? — Sophie se virou para olhar o irmão.

— Você me salvou. — Ele suspirou. — Não só na escola, quando você simplesmente arrasou. — Michel também se virou para poder olhar nos olhos de Sophie. — Ele estava me arrastando com ele para o fundo, aquele demônio, sabe? Eu estava quase no fim quando ouvi você me chamar. Você foi a luz que me trouxe de volta.

As palavras de Michel foram como uma massagem no coração de Sophie, aquele pequeno momento com sua família a fez deixar de lado todos os problemas em que estava afundada. Sentiu seus olhos úmidos, não poderia ser tão ruim afinal, era uma assassina, tinha algo de muito errado dentro dela, mas ainda assim foi capaz de trazer o irmão de volta a luz, lembrou das palavras de Amélia, "você é um anjo" e concluiu que não era tão ruim.

— Lhe devemos desculpas minha filha. — Helena disse emocionada. — Nós não a culpamos pelo que aconteceu, só não...— Ela tentou encontrar as palavras certas.

— Vocês estavam com medo. — Sophie sorriu demonstrando que os entendia. — Eu também estava.

Michel precisou passar a noite ainda no hospital, Helena sugeriu que Sophie fosse para casa, mas ela não queria desgrudar do irmão. Os dois ficaram até a madrugada conversando, o mais novo queria detalhes sobre a luta da irmã contra demônios, estava empolgado, pra ele era tudo uma aventura, não tinha ideia da dimensão dos perigos. Sophie fez questão de contar deixando tudo bem mais heroico do que foi de verdade, o irmão ouvia admirado, batendo palmas, rindo e fazendo gestos como se o próprio usasse uma espada para matar demônios, ele tinha certeza que só precisava crescer um pouco mais para ficar igual à irmã mais velha.

— Sério, vocês deveriam ter nos contado isso. — Michel disse para os pais. — É muito legal descobrir que sou um anjo.

— Nós não somos anjos. — August rebateu.

— Caídos, que seja, ainda assim é muito legal.

— Também não somos caídos. — Ele estava cauteloso a falar. — Conversaremos sobre isso em casa.

Sophie sentiu um frio na espinha, no fundo já sabia o que aquelas palavras significavam, mas estava em negação, não queria pensar sobre nada ruim naquele momento, decidiu não deixar nada estragar a felicidade que estava sentindo. Convenceu Michel a dormir um pouco, logo amanheceria e eles poderiam ir para casa. O garoto relutou, fico emburrado, mas no fim se encolheu no colo da irmã e adormeceu. Sophie ainda ficou um bom tempo acariciando os fios alaranjados da cabeça dele e depois cochilou se encostando na cabeceira da cama.

Nas primeiras horas da manhã a Doutora Greylin foi até o quarto avaliar Michel e informar que lhe daria alta. O garoto chegou a pular de animação.

— Eu não vejo a hora de zerar os games novos. — Falou ao conferir os presentes que recebeu.

Antes de deixar o hospital, Sophie foi até o quarto onde Luke ainda se recuperava, como a mãe dele não os deixou a sós não conseguiu compartilhar com ele todos os detalhes de seu dia anterior, não sabia como o amigo reagiria ao ouvir que ela havia matado um homem, mas confiava nele o suficiente para contar. Infelizmente tudo que pôde falar foi sobre a recuperação de Michel e que sua voz o fez acordar.

A família deixou o hospital ainda contagiada pela alegria. Passaram em um fastfood para um almoço comemorativo e Michel fez questão de comer o maior sanduíche do lugar, acompanhado de um super milk shake, a irmã fez uma aposta que ele não conseguiria comer tudo aquilo, mas acabou tendo que arrumar o quarto dele por uma semana, já que o garoto não só comeu todo o lanche como repetiu, em uma porção um pouco menor que a primeira. Sophie sabia que os pais estavam adiando a conversa que precisavam ter, mas agradeceu por isso, também não estava com pressa, então seguiu apenas aproveitando o dia.

 Sophie sabia que os pais estavam adiando a conversa que precisavam ter, mas agradeceu por isso, também não estava com pressa, então seguiu apenas aproveitando o dia

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Marcas em Sangue   [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora