Após mais alguns dias desfrutando dos prazeres exóticos de Tangêr, a lua-de-mel chegou ao seu fim. Benício e Vitória aproveitaram seu último dia na capital marroquina na praia e só retornaram pela noite. Cansados, dormiram tranquilamente até o dia seguinte - o dia da partida. Vitória acordou antes de Benício e percebeu que era a primeira vez que ela o fazia desde que desmaiou em sua cama meses atrás quando invadiu seu quarto no meio da noite. Nunca tinha o observado dormir daquela forma. Ficou olhando-o por um tempo sem levantar da cama. O dia ainda não havia clareado. Ela tentou dormir novamente, mas não conseguiu. Desvencilhou-se do marido com cuidado, ciente de seu sono leve, e deixou o quarto. Chegou na cozinha e deparou-se com Dona Carlota em seu posto no fogão já preparando o café da manhã.
- Buenos dias. - Disse Vitória.
- Buenos dias, Señor Be... Señora Vitória? Que sorpresa verla despierta antes del Señor Benício. - Disse a cozinheira, rindo.
Vitória sorriu e foi até a sala e sentou-se no sofá, pensando no quanto sentiria falta daquele lugar. Era tudo tão bonito e tranquilo, como tantos lugares que já estivera, mas havia uma sensação diferente dessa vez. Pela primeira vez, junto com a melancolia de partir de uma viagem prazerosa estava misturada com saudades de casa - era estranha e deliciosa a ansiedade para retornar. Em meio a tantos pensamentos estimulados pelos arabescos do teto, sua atenção voltou-se para Jamila quando a viu cruzar o pátio e adentrar a sala.
- Señora Vitória, buenos dias.
- Buenos dias, Jamila.
- Un hombre estuvo aquí y trajo un telegrama para usted.
- Essa hora? Que estranho. Para mi?
Jamila entregou um pequeno envelope branco à Vitória. Não havia nada escrito na parte externa do invólucro.
- ¿Quién era el? El hombre.
- Yo no sé, señora. Ello vestía uniforme.
- ¿Uniforme? Del ejército?
- Sí. Del ejército español.
- Gracias, Jamila.
Benício acordou com a estranha sensação da cama vazia. Olhou o relógio na parede e viu que já passavam das nove. Não se lembrava de ter tido uma noite de sono tão longa há muito tempo. As malas estavam prontas, o conto de fadas conturbado estava quase no fim. Talvez viver com Vitória não o tornasse infeliz, no fim das contas. Tateou o criado-mudo a procura da carteira de cigarros e viu que apenas a aliança dele jazia ali.
- Buenos dias Jamila, Dona Carlota. - Disse Benício ao adentrar a sala. A mesa do café estava sendo posta.
- Buenos dias, señor. - Disseram as duas, quase em uníssono.
- El olor es muy bueno. - Comentou Benício, enquanto Dona Carlota servia-lhe o chá. - Gracias.
- De nada. - sorriu.
- ¿Y mi mujer? ¿Donde está?
- La Señora Vitória salió hace unas horas. - Informou Jamila. - Ella me pidió que le avisara que necesitaba ir a Tetuán y regresará a la hora del almuerzo.
- ¿Tetuán? ¿Qué tiene que hacer en Tetuán?
- No sé, señor.
- Está bien, gracias.
Benício prezumiu que talvez Vitória tivesse ido despedir-se de Ettore e Nicola antes de partirem. Sua única preocupação era o tempo. Os dois deveriam embarcar antes das três da tarde, pois o navio partiria às quatro. Era quase meio-dia quando Benício despachou as malas e começou a estranhar a demora. Aguardou mais ou menos trinta minutos e ligou para a casa Ettore. O mesmo não estava, mas Nicola sim.
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Castro e Souza
Исторические романыVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...