A Dra. Vitória entrava em sua casa completamente radiante trajando calças, uma jaqueta de couro marrom, um cartwheel de mesma cor, botas e muita sujeira, além de carregar consigo uma caixa de madeira contendo diversas vidrarias. Com ela, entravam dois de seus empregados: Augusto, o jardineiro e Toninho, o faz-tudo. Eles carregavam enormes baús Louis Vuitton e algumas caixas recém tiradas do banco traseiro do carro da patroa.
– Podem deixar tudo na biblioteca, rapazes. – Ordenou Vitória. – Muito obrigada pela ajuda.
– Disponha, patroa. – Disse Augusto.
– Disponha. – Disse Toninho.
– Vitória! – Exclamou Sofia, a criada alemã, descendo as escadas.
– Boa tarde, Sofia. Como estão as coisas?
– Boa tarde. – Respondeu a mocinha com seu português carregado de sotaque. – Está tudo bem. Como foi a pesquisa?
– Foi ótima. – sorriu – Terei muito trabalho pela frente, como vês. – Respondeu a Doutora, olhando para a caixa que tinha em mãos.
– A Dona Helena está esperando em teu escritório.
– Ah, sim. – sorriu – Obrigada, querida.
Vitória subiu as escadas e foi em direção ao seu escritório. Se tratava do último cômodo da casa, no final do corredor do segundo andar. Era uma sala grande, com portas francesas em todo seu comprimento que davam para uma grande varanda suspensa sobre o pequeno jardim que o sobrado tinha nos fundos. Seu pai comprara aquele imóvel após Vitória ir morar com a tia em Lisboa, logo depois que sua mãe falecera. Aquele lugar também funcionara como escritório para ele, mas ela o reformou completamente, bem como o resto da casa. A pesada mobília inglesa foi substituída por móveis no estilo art nouveau, o único cômodo que Vitória decidira não submeter às tendências do art deco. As paredes receberam tons claros e papéis de parede que mandou pintar com referências a algumas de suas paisagens favoritas: as pirâmides do Egito, as praias de Trinidad y Tobago e as ruas de Salvador. Plantas de diversas e exóticas espécies estavam por todos os lados, assim como vidros, tubos de ensaio, materiais e aparatos de pesquisa, livros e alguns artefatos antigos.
– Dia ocupado? – Perguntou Helena, assim que Vitória adentrou o escritório.
– Oi, Lena. – Respondeu Vitória, indo até sua mesa colocar a caixa que tinha em mãos.
– Como vai a escavação?
– Muito bem. – sorriu – Tive uma semana ocupada, desculpe não ter lhe dado muita atenção desde que vieste. – Desculpou-se Vitória enquanto tirava o chapéu, as luvas e a jaqueta.
– Está tudo bem, eu entendo. O que tens achado dos Sambaquis¹?
– Bem, é incrível! – sorriu – Já tinha lido sobre muitos deles, é claro, mas vê-los pessoalmente e ter a oportunidade de estudá-los está sendo... Fascinante. São a chave para o estudo dos povos brasileiros pré-históricos. Isto que trouxe são amostras que podem conter detritos humanos.
– São tão pequenas...
– Tenho dois baús cheios de amostras de solo na biblioteca. Isto é apenas meu trabalho da semana.
– Deus lhe abençoe. – riu – Nossa, sabia que financiar essas escavações anos atrás valeria a pena.
– Nada bate tua intuição para este tipo de coisa, prima. És basicamente uma cientista holística.
– Ah, claro. – riu – Por falar em ciência, como vai tua aplicação para a ABC²?
– Bem, estão muito inclinados a me receber, eu acho. – riu – O fato de ser filha de quem sou ajuda bastante, sem dúvidas. Estou positiva. Mas, sinceramente, não estou muito preocupada com isso.
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Castro e Souza
Ficción históricaVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...