Benício estacionou o carro na frente da casa de Vitória. Ao contrário do ano anterior, aquele estava sendo um inverno consideravelmente mais frio. Os dois ficaram sentados no carro respirando o ar gelado da noite e escutando o próprio silêncio por um tempo. Não era um clima ruim ou estranho, era agradável.
- Bem, boa noite. - Disse Benício, rompendo o silêncio.
- Queres entrar? - Perguntou Vitória ao invés de dizer boa noite.
- Certeza?
- Claro. - sorriu.
- Tudo bem, então.
Os dois entraram e a casa estava silenciosa, mas Sofia havia deixado as luzes acesas. Deixaram os casacos e chapéus no cabideiro da entrada e seguiram até a sala. Vitória colocou as fotos que carregava em cima da estante e depositou sobre elas uma pequena pombinha de bronze que tinha como decoração para que não voassem. Da sala, foi para a biblioteca e Benício seguiu-a. Ela ligou o rádio e tentou sintonizar na única estação que tocava música àquelas horas. Tocava uma valsa brasileira que ela não conhecia quando finalmente conseguiu encontrar a estação. Sorriu e começou a tirar a fivela dos sapatos, ficando de meias no assoalho.
- Algo para beber? - Perguntou Vitória.
- Seria bom. - Respondeu ele, um pouco intrigado com as intenções dela.
Vitória foi até a sala e retornou com dois copos do que, pelo cheiro, Benício reconheceu como a cachaça dourada que ela tanto gostava. Um tímido brinde e viraram o primeiro gole. A música que estava tocando acabou e o rádio emitiu apenas ruídos por alguns segundos. Benício encarou Vitória por cima do copo. Ela parecia aérea, com a cabeça processando um milhão de pensamentos. Mas aparentava estar feliz, com um sorriso bobo, mais nos olhos que na boca, colorindo seu rosto enquanto bicava a aguardente e viajava nas próprias ideias.
- Pareces pensativa. - Comentou Benício.
A música seguinte começou; uma outra valsa desconhecida, um pouco mais lenta que a anterior.
- Pensando no que dizer... - Respondeu ela.
- Queres dizer algo?
- Sim. - pôs o copo na mesa - Dança comigo?
- Bem, eu... - riu - Claro.
Benício terminou de beber o que restava em seu copo, colocou-o e lado e tomou Vitória pela mão e pela cintura. Enrolaram-se ao não saberem para que lado começar e riram, logo depois pegando o ritmo da música. A biblioteca não era um salão de baile, mas tinha um bom espaço para dançarem caso prestassem atenção para não derrubar nada das estantes. Ele a rodopiou e ela retornou mais perto do que estava antes. Tão perto que ela simplesmente soltou a mão dele e percorreu o caminho de seu até o ombro. Mais perto ainda ela ficou quando mão livre de Benício uniu-se a outra em suas costas. Seus pés não saíam mais do chão, seus corpos apenas balançavam em um ritmo mais lento que o da própria música. Vitória deitou a cabeça no ombro dele. Quando levantou, Benício sentiu os lábios dela em seu pescoço gentilmente deixarem marcas a cima de seu colarinho. A música acabou. Apenas ruídos.
- Eu não sou boa nisso. - Murmurou Vitória, ainda com a cara enterrada em seu pescoço.
- Em quê? - Perguntou Benício.
- Muitas coisas. - suspirou.
- Que específico.
Outra música começou, lenta como a anterior e um pouco menos melancólica. Os dois ficaram em silêncio, agarrados tranquilamente como se o fizessem de maneira corriqueira todo dia após o jantar.
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Castro e Souza
Historical FictionVENCEDOR #Wattys2018 Em 1925, dois membros da alta burguesia carioca - os belos herdeiros Vitória de Castro e Benício de Souza - tornam-se cúmplices de um crime quase perfeito, mas acabam colocando suas próprias reputações em jogo para ocultar seus...