Meu primeiro amor

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Quando fiz meu aniversário de quatro anos, Lina me deu um livro de interação, eu não sabia ler então ela lia para mim e encenava com os fantoches para que ficasse mais fácil de entender a história. Eu ficava folheando aquele livro por horas e horas, foi o primeiro presente que eu me lembrava de ter ganhado, e o remetente era Lina. O livro era infantil e só haviam dez páginas, mas tinha um valor muito grande para mim. Quando a perdi eu dormia com o livro todas as noites para tentar sentir por pelo menos por um segundo que estávamos próximos novamente.
    Lina sempre me fazia sentir especial, ela dizia que me amava e que eu era muito importante para ela. Quando eu não estava com ela eu me sentia sozinho, parecia que faltava algo dentro de mim, eu ficava perdido, a vida parecia ser escura sem ela, e essa sensação eu carrego comigo até hoje - parece que nada faz sentido sem ela do meu lado - Minha vida nunca será a mesma sem ela, ela era como uma supernova que surge na escuridão do espaço, eu era a escuridão e ela a estrela que iluminava a minha vida. Quando as meninas do orfanato se aproximavam de mim, elas riam e ficavam dizendo que eu era muito esquisitão. Às vezes até as crianças são más, mas eu não  precisava pensar em nenhuma delas, eu só precisava de Lina. Eu também a amava, mas não era um amor como os dos livros que Lina lia pra mim. Era um amor maior, um amor
verdadeiro, eu tinha uma gratidão enorme, e uma admiração eterna por ela. Ela era como uma mãe para mim - apesar de não entender direito o conceito de família, eu me sentia em casa quando estava com Lina. - ela me ensinava tudo que estava em seu alcance, ela sempre me abraçava quando eu chorava, ela sempre dizia que estaria comigo, mesmo que não fosse fisicamente, eu sempre poderia conversar com ela e ela sempre estaria me escutando. E até hoje eu me pego falando sozinho com ela.
    Quando fiz quinze anos comecei a escrever meus livros, e todos eles tinham como personagem principal a Lia, baseada na mulher mais maravilhosa de todo esse mundo. Lia era magra, morena e muito gentil, assim como Lina. Todos em sua volta a adoravam e ela sempre ajudava quem precisava, não importa o quão cansada ela estivesse. Lia era uma moça de 22 anos - assim como Lina - uma moça de origem pobre, que morava em uma aldeia de indígenas, apesar de não ter descendência indígena. Lia fugiu de casa com nove anos, pois seus pais a expulsaram. Sem rumo e sem saber o que fazer, Lia entrou em uma floresta procurando por comida onde foi encontrada por duas mulheres indígenas que a levaram para a tribo e a partir dali, ela se tornou membro da tribo.
    Escrevi durante esses três anos, várias histórias diferentes sobre a vida de Lia. Mas nenhuma delas era interessante o bastante, eu sempre me cobrei muito. Eu escrevia e reescrevia o mesmo capítulo centenas de vezes até que ele estivesse perfeito. Essa também foi uma das lições importantes de Lina para mim, ela sempre me dizia que tudo o que eu fosse fazer, tinha que ser feito com capricho e carinho. Podemos não ser perfeitos sempre, mas podemos nos orgulhar, pois demos o nosso melhor.
    Durante todo o tempo que passei com ela, Lina sempre me dizia que eu era muito inteligente, e muito importante para ela. Ela dizia que era como se eu fosse seu irmãozinho mais novo, e parecia que eu ganhava o mundo quando a ouvia dizer essas coisas para mim. Em seu último aniversário que passamos juntos, eu dei a ela de presente um desenho onde estávamos nós dois de mãos dadas em um campo verdinho, era um dia ensolarado e lindo. As flores eram todas coloridas e elas se espalhavam ao longo do campo, Lina adorava rosas, principalmente as vermelhas. Eu sempre a encontrava regando as flores que ela cultivava no canteiro da entrada do orfanato.
    - Olhe meu pequeno Joel - ela disse pegando uma das rosas do canteiro e se ajoelhando para ficar da minha altura
    - É linda
   Eu ficava admirado com a beleza das flores e com o carinho que Lina tinha por elas.
   - Elas são como você!
   - Como eu? São apenas flores! Mortas, eu sou um menino normal. - fiquei confuso com suas palavras, eu não entendia por que ela estava me comparando com uma flor.
    - As flores não são mortas meu pequeno, nós humanos precisamos de água para sobreviver e as flores também precisam, elas também são seres vivos. Elas nascem, vivem e morrem.
   - Mas elas não falam como podem estar vivas?
   - Elas se comunicam conosco de forma diferente, se eu cuidar delas e regalas toda semana, elas vão crescer fortes e bonitas. Mas se eu deixar elas de lado, e não dar água para elas, elas acabam secando e morrendo. Você é como essa plantinha, você nasce, vive e um dia você irá morrer. Todos nós somos como essa plantinha
   - Você também vai morrer um dia, Lina?
   - Todos nós vamos meu pequeno Joel
   - Mas e se eu regar você para sempre?
   - Toda plantinha morre um dia meu amor, não tem como uma plantinha viver para o resto da vida. Agora me escute você não é um menino normal, você é um menino muito especial. Não importa o que aconteça meu amor, você não pode deixar nunca que tirem esse brilho de seus olhos.
   - Tudo bem Lina, obrigado.
Lina queria me ensinar como as coisas mais simples poderiam ser tão importantes, tão insignificantes aos nossos olhos, mas para a natureza faziam uma diferença tremenda. Lina me dava aulas sobre botânica, português e matemática. Lina era muito inteligente e tinha resposta para todas as minhas perguntas.
   - Como que a terra gira e nós não sentimos?
   - Por causa da Lei de Inércia, como o planeta terra está girando nós estamos girando junto com ele, na mesma velocidade e direção. Se a terra parasse todos nós sairíamos voando porque continuaríamos em movimento.
   A inteligência de Lina me encantava, e eu adorava aprender coisas novas com ela. Fazíamos tudo juntos, sempre que ela não estava trabalhando no orfanato nós estávamos juntos. Ela tinha um ótimo senso de humor, suas piadas eram as melhores. Passávamos horas conversando sobre a vida humana e o universo. Eu amava estar com ela, horas se passavam e pareciam minutos. O mundo realmente parecia parar quando estávamos juntos.
    Na noite em que a perdi, um buraco negro se abriu dentro de mim. Lina havia me contado a verdade sobre a minha verdadeira "família", ela me ensinou sobre tudo de importante no mundo. Quando eu vi que havia perdido o meu bem mais precisos eu me vi sem chão por muito tempo. Muitas vezes eu relacionei a minha ira pela morte de Lina com o abandono de meus pais, às vezes eu os culpo por isso, talvez por ser mais fácil. Se não fosse por eles, eu na teria essa vida desgraçada e solitária. Se não fosse por eles, eu não teria conhecido a Lina e talvez ela não estivesse morta agora. Por isso eu quero vingança, eu perdi a pessoa que eu mais amei em toda a minha vida, e agora eu preciso tirar a deles também, ou eles pagaram com a própria morte ou os seus entendes queridos que vão pagar
c a d a u m d e l e s
    Lina sempre me dizia que eu deveria tentar conversar com meus país. Eu tinha apenas quatorze anos e já tinha que carregava comigo uma dor imensurável.

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