Por uma noite

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Eu estava na UF, era um dia comum como qualquer outro, até a loirinha querer pagar de mocinha legal de novo, detestava quando eu queria ficar sozinho e alguém me interrompia, detestava ainda mais quando era ela. Ela era chata e insistente, não gosto de pessoas assim - eu nem gosto de pessoas - a cada segundo ela se aproximava mais e mais, fingi ao máximo não demonstrar que já tinha a visto, talvez ela mudasse de ideia e desse meia volta.
- Oi Joel, tudo bem? - E meu plano havia acabado de falhar, ela estava sorrindo tão tranquilamente como se nos conhecemos há séculos.
- Nada bem loirinha, mas o que você quer?
- Bom você não estava muito bem ontem, achei que quisesse conversar - ela tira a mochila das costas e se senta ao meu lado.
- Mas você achou errado loirinha, pode ir embora!
- Olha Joel, eu não vou embora.
- Tudo bem, eu vou! - me levantei, mas antes que eu pudesse dar um passo ela me puxou para sentar novamente, e parecia que algo estranho dentro de mim queria ficar ali, Naara era insistente, apesar de esse seu jeito me irritar, também me despertava uma enorme curiosidade.
- Você não vai a lugar algum mocinho
- O que você quer de mim Naara? Não vê que eu só preciso de um pouco de paz?
Olhei no fundo dos olhos dela, seus olhos eram castanhos, mas um castanho diferente havia um brilho em seu olhar, e por alguns instantes me mantive hipnotizado pelo brilho de seus olhos. Seu olhar era puro e misterioso. Naara parecia a menininha mais indefesa e fofa do mundo, mas por dentro ela era misteriosa, eu podia ver em seus olhos, o mesmo olhar de Lina. Não pude conter a saudade e desviei o olhar, eu morria de saudades da Lina, ela me fazia muita falta.
- Joel, podemos ser amigos - ela deu um largo sorriso, parecia uma maluca daquelas que fazem cronogramas e tabelas para exatamente tudo, até para os horários disponíveis.
- Joel King não tem amigos
- Mas por quê?
- Sem perguntas, Naara! - logo me levantei
Fui até o parque passear um pouco, esfriar a cabeça. Gostava de ir ao parque, eu gostava de alimentar os pombos e sempre brincava com os cachorros abandonados que moravam por ali.
Uma família me chamou a atenção; estavam brincando pelo parque, eram quatro, a mãe o pai e dois filhos, um era menino e a outra menina, o pai era magro, moreno e barbudo, o filho era bem parecido com o pai, alto, magro e moreno, já a mãe era loira e tinha um sorriso inigualável no rosto, a filha era uma mistura dos três, tinha o cabelo cor de mel e aparentava estar se divertindo bastante também - Toda aquela alegria me lembrava das inúmeras vezes em que a Lina me acordava com cócegas de manhã, ela se esforçava ao máximo para que eu não me atrasasse para o colégio e para que eu não me sentisse sozinho - Eles brincavam de jogar bola na grama, até que ela se atirou em uma árvore e a perderam. Mas eles não deixaram com que isso acabasse com a alegria deles, eles estavam rindo mais do que nunca. Não entendo, eles perderam a bola... Por que estavam rindo? A felicidade não faz sentido algum, será o mundo tão feliz, e eu tão desgraçado? Não tenho família, não tenho amigos, não tem nem um cachorrinho fofo para chamar de meu apenas uma terrível e enorme escuridão, que cada dia que passa corroí mais e mais cada pedacinho da minha alma.
- Caralho, essa mina não desiste!
Lá estava ela de novo. Estava vindo em minha direção novamente, carregando um envelope branco em suas mãos, ela estava se esforçando demais para falar comigo, e eu não gostava disso, mas por outro lado... Além de Edd, ninguém nunca havia feito algo parecido por mim. E os dois me despertavam uma curiosidade enorme. Edd era todo misterioso e dentro do armário, já Lina era insistente e irritante.
- Olha, sei que você não foi muito com a minha cara, eu já entendi. Você é o esquisitão que não fala com ninguém e que não tem e nem precisa ter amigos
- Uau, vou te contratar para escrever minha autobiografia - respondi sarcasticamente soltando um pequeno sorriso, por que ela estava forçando tanto uma amizade comigo?
- Enfim... - ela revirou os olhos e prosseguiu - vou dar uma festa está noite em minha casa, todo mundo vai e eu acho que você deveria ir também. - ela me entregou o convite e eu peguei
- Loirinha, eu não vou há festas - disse devolvendo o convite a ela, mas ela se recusa a pegar.
- Mas o Edd vai vocês são amigos não é mesmo?
- Acho que você faz perguntas demais
- Te vejo mais tarde então - saltitante ela vai embora e some na nuvem de pessoas que havia naquele parque.
Fui para casa não havia nenhuma aula interessante hoje e eu não estava a fim de ver a cara do engomadinho do meu irmão. Quando cheguei, Edd estava fazendo um bolo e o cheiro estava maravilhoso
- Edd? Isso é bolo?
- Sim, estava com muita vontade de comer bolo!
- Uau, não sabia que você cozinhava.
- Tem muita coisa sobre mim que você não sabe King
- Nossa - rimos por alguns instantes, ele estava me olhando de uma forma um tanto quanto diferente.
- Olha, hoje tem a festa da Naara, você ta afim de ir? - ele perguntou para aliviar aquele clima estranho que havia ficado no ar
- E ver um time de futebol inteiro bêbado transando ao vivo com as animadoras de torcida? - falei com um leve tom de sarcasmo
- É meio nojento você falando assim, mas... Acho que sim
- Eu to fora, obrigado - fui até a geladeira e peguei uma cerveja.
- Cara vamos, vai ser muito legal!
- Porque eu iria?
- Por que a Naara te convidou
- Grande coisa, to fora!
- Por favor, eu lavo sua louça por uma semana!
- Uma semana?
- Sim!
- Por que você quer tanto que eu vá a essa festa?
- Desde o dia que começamos a morar juntos, nunca te vi recusar uma festa.
- Mas eu não suporto aquele timinho de futebol
- Eu faço parte do time de futebol, Joel!
- Mas você é melhorzinho, eles são péssimos.
- Vou ignorar o fato de você ter me chamado de
"melhorzinho" só por que eu quero muito que você vá à essa festa
- Ta porra! Eu vou então, mas você vai lavar minha louça por uma semana.
- Fechado, saímos as 19:00.
Fui em direção ao meu quarto, não acreditando que havia deixado Edd me convencer de ir a está festa. Quando abri minha gaveta para pegar uma roupa encontrei o convite que Naara havia me entregado mais cedo e dentro havia um papel solto que saiu voando até a porta do meu quarto, quando o peguei vi que havia algo escrito.
- Me encontre em frente chafariz as 20:00. XOXO. Naara Souza - quem além de uma criança de seis anos termina uma carta com XOXO? Ainda não entendia o que aquela loirinha tinha visto em mim, eu não falava com ninguém além de Edd, não havia nada de interessante em mim. Por que ela insistia tanto? Mas o bilhete me deixou um tanto curioso, por que ela queria me ver? E por que no chafariz da casa dela? Uma nuvem de perguntas tomaram conta de meus pensamentos e quando olhei novamente o relógio vi que só me restavam trinta e cinco minutos, foi o certo de tomar uma ducha e me trocar, coloquei uma calça preta com uma blusa azul marinho. E então me encontrei com Edd que me esperava no estacionamento. Edd tinha um GT300 branco, um carro muito maneiro e que chamava a atenção de todos por onde passávamos - como se eu adorasse.
Assim que chegamos à casa de Naara vimos um som alto e vários "adolescentes" bêbados conversando e dançando, faltavam exatos cinco minutos para as oito horas e eu poderia explodir naquele exato momento de curiosidade. Quando o relógio bateu às oito horas fui até o chafariz, sentei a sua beira e fiquei esperando para ver quando a loirinha apareceria, depois de 10 minutos de espera ela apareceu das cinzas para me dar um susto.
- Ahhhhhhh - ela saiu de trás do chafariz me dando um susto fazendo com que eu desse um pulo de onde eu estava sentado
- Não faça isso! - consequentemente joguei uns respingos d'água em seu rosto e ela ria da minha cara de assustado - Não tem graça, foi pra isso que me chamou aqui?
- Me perdoe, eu não consegui evitar esse susto, você estava tão concentrado - ela estava muito feliz, parecia já ter tomado umas cervejas bravas.
- Por que me chamou até aqui? - perguntei explodindo de curiosidade
- Queria conversar, quero saber por que você me detesta, por que você me ignora, por que você sempre desfaz de mim quando estou perto de você? Sempre formamos uma ótima dupla na sala e por que fora dela você age como se me odiasse? Estou tentando ser sua amiga e você parece que não vê - Ou realmente ela estava muito bêbada ou eu estava ficando maluco.
- Me chamou aqui pra ficar me fazendo perguntas sem noção? Você está bêbada nem sabe o que está dizendo
- Eu não bebo Joel, quero saber o que eu fiz de errado para você.
- Você não fez nada! Você não vê que eu sou infeliz por natureza e estou condenado a isto para o resto da vida? - me exaltei um pouco e ela me olhou com o mesmo olhar de pena de Peterson
- Posso te ajudar com isso.
- Eu não preciso de ninguém loirinha, ninguém.
- Mas eu quero ajudar, eu posso.
De fato aquela loirinha não sairia do meu pé, a única forma de fazer com que ela esquecesse toda essa história era aceitando, eu aceitaria e amanhã ela nem se lembraria dessa conversa.
- E como você pretende me ajudar?
- Vamos curtir a festa Joel, esquece todos os problemas e se solta, por uma noite. Amanhã você me explica tudo. - ela me conduziu até a parte interna da casa e peguei bebidas para nós.
Realmente a casa estava lotada, vários rostos desconhecidos, mas a grande maioria era com certeza da UFRJ. Eu não entendi direito o que aconteceu naquele chafariz, por que ela quer me ajudar? Por que eu? Ela nem me conhece. Passaram-se alguns minutos e ela voltou com dois copos de cerveja
- Aproveite sua noite - ela me deu um dos copos e me levou para o centro da sala
- Eu não sei dançar
- Se solta - ela pegou em minhas mãos as movendo de um lado para o outro conforme o ritmo da música, ela parecia estar se divertindo bastante e todos na sala estavam nos olhando.
- Vou pegar mais uma bebida
A deixo dançando com as amigas no centro da sala e vou em direção à cozinha, quando abro a geladeira vejo uma garrafa de espumante brilhando os olhinhos para mim. Encho meu copo e volto para a sala, quando chego vejo uma multidão em volta do centro da sala e meu coração acelera, todos estavam gritando o nome da Naara e comemorando. Fui empurrando todas as pessoas em minha frente até conseguir enxergar o que estava acontecendo. Naara e Elizabeth estavam apostando quem ganhava um campeonato de dança, o corpo de Naara se mexia como o de uma bailarina, sua postura era perfeita, ela não se desconcentrava nem mesmo com todo o pessoal gritando seu nome. A cada passo, Naara acabava com todas as esperanças de Elizabeth que já havia desistido e também estava admirando os passos de Naara. E quando o DJ termina a musica Naara faz uma pose fantástica, todos aplaudiam e gritavam o seu nome. Ela sorria parecia muito feliz, de repente a vejo em meus braços me abraçando forte, a abracei também não iria ignora lá agora, ela parecia tão feliz.
- Muito legal loirinha
- Obrigada, tenho dezessete anos de balé.
- E eu tenho dezoito anos de desgraça
- Não seja tão chato Joel. Eu já disse se solta. Só por uma noite. Toma, experimenta isso! - ela me entregou um copo com vodka e alguma droga maluca misturada.
Após dois copos e trinta minutos, eu apaguei. Durante toda aquela noite eu me permiti, me permiti ser livre, esquecer todos os meus problemas, toda a minha raiva, esqueci de tudo, esqueci até mesmo de como ela me irritava, apenas vivi, como nunca. Aquela noite foi uma noite única por algumas horas até que...
Quando acordei na manhã seguinte, eu estava em uma cama de casal preta, o quarto tinha fotos de Naara espalhadas por ele todo, e havia uma parede de vidro que dava para a piscina da casa. O sol que o vidro refletia batia em meus olhos fazendo com que minha visão ficasse limitada. Eu estava sem camisa e com uma baita dor de cabeça, ouvi um barulho na porta e vi Naara entrando com uma bandeja de café nas mãos.
- Bom dia princesa, você acordou - ela disse sarcasticamente brincando comigo.
- O que aconteceu? - Eu estava perdido, o que eu estava fazendo na cama dela? E sem camisa?
- Te dei uma balinha pra animar e você ficou maluco
- O que aconteceu ontem?
- Você não se lembra?
- Um pouco - menti! Eu não lembrava de nada, só me lembro dela na competição de dança e de ter me oferecido uma bebida batizada.
- Você tomou duas bebidas batizadas, arrancou a blusa e pulou na piscina.
- Uau, que loucura.
- Foi legal, todos te acompanharam e virou uma Pool Patty.
- E o que eu estou fazendo na sua cama?
- Você se esticou no sofá, então o Edd me ajudou a trazer você até aqui, você estava péssimo. Parecia que teria um coma alcoólico
- Por que não me deixou morrer no sofá? Teria sido bem melhor, eu teria um coma alcoólico e você nunca mais precisaria me ver.
- Eu salvo a sua vida e é assim que você me agradece King?
- É Joel - Respondo seriamente
- Tanto faz - ela revira os olhos
- Preciso ir embora.
- Ok, nos falamos mais tarde.
- Se depender de mim não, loirinha.
- Não começa, eu prometi que iria te ajudar e os Souza tem uma tradição, quando prometemos uma coisa não desistimos até que seja cumprida.
- Mas para toda regra há uma exceção, e eu não preciso de você, obrigado. - Levanto rapidamente de sua cama e saio como um foguete, ela tenta dizer algo, mas antes que ela tivesse a oportunidade eu bato a porta em sua cara.
Corri para minha casa e tomei uma ducha gelada, eu estava me esforçando para me lembrar de noite passada. Mas nada, nem se quer um mínimo detalhe eu lembrava. Desisti de me esforçar e fui até o meu quarto. Sentei a frente do computador e comecei a enviar e-mails para editoras locais. Desde criança eu sempre quis ser escritor, e Lina sempre me apoiava. Ela me ensinou a escrever e a ler, sempre me incentivava a ler cada vez mais e mais os livros da sala de guardados do orfanato, passávamos noites lendo juntos e ela sempre me contava as histórias da família dela, ela me dizia que quando eu fizesse meus dez anos ela me levaria para conhecer sua família e que eu comeria a maravilhosa torta de morangos que sua avó sempre fazia e que era a sua favorita, mas nunca tive essa oportunidade, e acho que nunca vou conseguir conhecê-los.
Eu não poderia decepciona-la, prometi a ela que seria um grande escritor, e eu não vou desistir disso. Mandei meu currículo e meu livro para varias editoras locais, e a cada minuto que passava eu atualizava a página de e-mail para ver se já havia alguma confirmação. Desisti de esperar e fui até a cozinha comer alguma coisa, vi Edd sentado na mesa dormindo em cima de seus livros escolares. Entrei passo por passo na cozinha para não atrapalhar o sono dele, mas sem querer eu encostei no balcão e uma tigela caiu no chão, Edd levanta o rosto assustado e olha em minha direção com um olhar cansado.
- Foi mau cara, não quis acordar você.
- Tudo bem, eu já estava indo dormir. - ele cai novamente em
cima dos livros e desmaia, não consigo conter a risada e o ajudo a chegar em seu quarto.
Quando volto para a cozinha escuto meu notebook apitando, era uma editora. Abri rapidamente e comecei a ler o e-mail.

"Olá Sr.King, lemos sua história e infelizmente ela não faz jus ao nosso perfil de publicações, agradecemos a preferência. Mas continue nos enviando seus livros."

Sempre a mesma desculpa, já mandei vários livros para várias editoras e é sempre a mesma história de sempre. PORRA. Mais uma vez a raiva e a dor tomaram conta de mim. Eu não sou capaz nem de cumprir o meu prometido para Lina. Eu sou um desgraçado mesmo. Sento em minha cama e fico pensando, o que a Lina me diria se estivesse aqui? Queria por tê-la de volta. Por apenas uma noite.

EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora