A verdadeira Naara

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    No dia seguinte acordei com o raiar do sol, os feixes de luz que refletiam na janela do quarto batiam em meu rosto fazendo com que eu despertasse. Senti que havia algo vibrando de baixo de meu travesseiro e vi que era o meu celular
   - Número desconhecido? - DDD 32 - Minas Gerais? Assim que atendi a chamada desligou. Liguei novamente várias vezes, chamava, chamava e ninguém atendia então a ignorei, deveria ser algum presidiário chato querendo me passar um trote ou então as "tias" chatas das operadoras de telefone. Dei um pulo da cama, o dia estava muito bonito, o sol estava brilhando, céu azul, passarinhos cantando, me senti como no filme da "Branca de Neve".   
    Quando o sinal tocou fomos todos para o pátio. O pátio era enorme, e a multidão na UF estava se multiplicando cada vez mais. Depois da longa hora que passei procurando por Edd, o encontrei próximo à árvore torta, ele estava conversando com Brad e Peterson, Brad era um dos reservas do time de futebol e era quase um milagre vê-lo entrar em campo. Ele média aproximadamente 1,82. Tinha o cabelo castanho escuro e a gola da camisa super bem ajeitada. Parecia que estava pronto pra algum evento chique ou para um casamento, não poderia perder a oportunidade de tirar sarro de sua cara.
    - Oi Brad, bela gravata! - sorri sarcasticamente enquanto ele fingia me ignorar.
    - Estávamos falando sobre você agora, Joel! - disse Peterson com o tom de sarcasmo maior que o meu.
   - O Joel? - respondeu Edd assustado
   - O que tem eu? - Estava perdido, o que os caras do time de futebol queriam comigo?
   - Você Joel, é o novo membro do time de futebol!
Não resisti em soltar uma gargalhada com um tom mais sarcástico que consegui. Eu, membro do time de futebol? Não resisti, minhas bochechas ardiam de tanto rir. Vê se pode, um cara como eu participar do time de futebol.
   - Você não pode fazer isso com o Brad!
Ed estava furioso como se tivessem roubado algo muito valioso dele, seus ombros estavam tensos e sua respiração estava acelerada, eu conseguia ver pela sua expressão a vontade que ele estava de socar a cara engomadinha de Peterson, se ele o fizesse teria meu total apoio. Sério! Eu pagaria pra ver esse otário levar uma coça.
   - Até que não é má ideia - falei alto sem pensar e todos me olharam com uma cara de espanto - NÃO! Não estou falando do time de futebol, só estou falando sozinho! - Os ombros de Edd relaxam e sua respiração vai aos poucos voltando ao normal. - Eu jamais participaria de um time de futebol, ainda mais com vocês. - Falei.
   - Sabe de uma coisa King? - Peterson fez uma pequena pausa e logo prosseguiu olhando profundo em meus olhos - podemos ter o sobrenome parecido, mas você está longe de um dia chegar aos meus pés!
Soltei novamente uma gargalhada irônica
   - Nem que me pagasse eu gostaria de chegar perto dos seus pés, prefiro ser um pobre desgraçado do que viver o resto da vida a custo de meu pai falecido.
   - Como você sabe disso? - Peterson me olhava indignado com o que eu havia acabado de falar e Edd e Brad também me olhavam espantados.
    - Eu sei de muita coisa Pet - um sorriso irônico surge em meu rosto novamente e sinto uma mão apoiando em meu ombro
   - O que está acontecendo aqui? - Naara pergunta preocupada, mas com a mesma suavidade de sempre na voz.
   - Peterson expulsou o Brad do time de futebol! - Edd continua com aquele olhar sério em direção a Peterson
   - Mas por quê?
   - O time de futebol é para homens de verdade e não para menininhas como Brad, por isso o Joel é nosso novo integrante - ele coloca a mão em meu ombro.
   - Nem sonhando - tiro rapidamente a sua mão e coloco a minha por volta dos ombros de Naara
   - Homens de verdade? - Naara estava com a expressão confusa
   - Peguei Brad se declarando para Edd, agora mesmo.
   Peterson Joel King homofóbico? O dia não poderia ficar melhor.
   - Qual o problema Pet? É um amor como qualquer outro
   - Não, não posso aceitar uma coisas dessas em meu time. Sinto muito Brad, mas pode me entregar seu uniforme na segunda. - ele se afasta
   - Não acredito
   Brad estava muito triste e Naara estava tentando consola-lo. Ela o abraçava e dizia que tudo ficaria bem e que eles conseguiriam resolver. Naara me lembrava muito Lina, era impressionante suas semelhanças. Se realmente existisse reencarnação eu havia acabado de me reencontrar com Lina. Será por isso que ela insistia tanto em mim? Eu realmente estou ficando louco de saudade dela!
   - Vai ficar tudo bem! Você não precisa dele.
   - Vamos Brad, vou te levar para casa - Edd se despede de nós pegando na mão de seu parceiro.   
   Naara fica me encarando como se tivesse perdido algo comigo
   - Tudo bem Naara?
   - Estou ótima, você que parece não estar!
   - Tá tudo bem, fica tranquila.
   - Podemos tomar um café?
   - Pro que, exatamente?
   - Nós conhecermos melhor - ela sorri e pega em minhas mãos.
   Suas mãos eram quentes e seu sorriso era encantador, mesmo com toda a raiva que ela me passava eu não podia recusar aquele olhar e aquele sorriso, precisava descobrir se ela era mesmo como Lina.
    - Te pego as sete?
   - Por que não vamos agora?
   - Por mim tudo bem, nunca vou as aulas mesmo.
   - Tenho os próximos horários livres, então vamos.
Ela me guia até o estacionamento se aproximando de um Corola grafite estacionado nas linhas finais.
   - Você tem idade pra dirigir?
   - Ainda não, mas semana que vem eu terei. - E você dirige mesmo assim?
   - Mas é claro, entra aí.
Ela destrava as portas do carro com apenas um clique nas chaves e então seguimos em direção a cafeteria.
   - Me fala mais de você, Li... Naara
  - Ok, estou cursando letras e quero ser professora de português e literatura. Gosto de ler, escrever e ler. Já disse que gosto de ler?
   - Ok, acho que entendi, mas você gosta de ler? - rimos em conjunto - Você é daqui do Rio mesmo ou veio só pela faculdade?
   - Na verdade, eu sou do Sul. Vim pela bolsa que consegui, minha mãe é professora também, ela me ajudou bastante.
   - E seu pai? - perguntei
   - Meus pais são separados. Minha mãe mora no sul com o meu padrasto e meu pai é daqui mesmo do Rio, ele também é casado e meu padrasto é tenente da polícia
   - Ele se casou novamente?
   - Sim, ele se descobriu na faculdade e casou-se com o seu parceiro de trabalhos Mart.
   - Nossa, que reviravolta.
   - Você não faz ideia. - a expressão em seu rosto muda, ela parecia triste em ver os mais separados.
   - Então eu tenho uma amiga Gaúcha, muito legal.
   - Quer dizer que somos amigos?
   - Bom, considerando o fato de você ter conseguido me trazer a uma cafeteria, somos sim! Pode perguntar para qualquer um, não sou visto por ai tomando café com qualquer um não.
   - Uau, me senti especial mesmo. Mas agora me fala de você!
  - O que você gostaria de saber?
  - De onde veio? Sobre sua família? Onde você mora?
  - Olha, podemos falar de outra coisa?
  - Disse algo de errado?
   - Não! Não foi culpa sua, não tinha como você saber...
   - Saber o quê? Eu não entendi...
   - Acho melhor eu pegar outro café.
Era cedo demais para que eu revelasse a loirinha todos os meus segredos, ela era muito amiga de Peterson e eu não poderia confiar nem uma gota de sangue nele. Levanto-me rapidamente da mesa e busco mais um café para nós dois.
   - Aqui está! - dou a ela um café e me sento novamente - então... Você gosta de ler.
   - Pelo visto você também, sempre que te encontro você está folheando um livro.
   - É o único momento em que eu encontro paz, sinto-me como se estivesse em casa.
   - Também me sinto assim.
   - Bom quais os seus favoritos?
   - Adoro os clássicos romances.
   - Eu gosto de ação, aventura, terror. Qualquer um em que pessoas morrem.
   - Que pesado, eu prefiro um final feliz.
   - Finais felizes só acontecem em livros loirinha.
   - É por isso que eu os amo.
   - A realidade é... - ela me interrompe.
   - Nascer, viver e morrer. Eu sei!
   - Como sabia o que eu iria dizer?
   - A sua cara dizer uma coisa dessas
Ela toma mais um gole de café e o silêncio toma toda a cafeteria. A única pessoa que havia me dito essas palavras fora Lina, eu não podia acreditar que a encontrei novamente. Cada segundo em que passávamos conversando, eu me via nas nuvens, era como se eu pudesse conversar com Lina novamente. Elas eram tão parecidas fisicamente e suas personalidades também eram quase idênticas. Ou eu estava ficando maluco e vendo alucinações, ou eu havia acabado de encontrar a minha luz no fim do túnel.
    - Joel, tudo bem? Por que está me olhando assim? - Naara dispara um olhar confuso, estava estranhando o meu olhar fixo nos seus.
   - Naara, podemos ir?
   - Pra onde?
   - Preciso te contar algumas coisas.
   Paguei a conta e logos seguimos novamente para a UF, fomos
para o pátio e sentamos no gramado. O dia estava bonito, céu azul, nuvens brancas e o sol raiando. Os raios solares refletiam nas árvores formando sombras enormes onde vários estudantes usavam para fazer trabalho em grupo, outros estavam apenas em rodinhas de amigos conversando, tinha também alguns sentados lendo aquele bom e velho livro. Naara estava com um vestido azul claríssimo como o céu, seus olhos castanhos claros brilhavam e minha direção, mas sua expressão estava tensa, um tanto quanto curiosa.
   - Por que me olha assim? - Perguntei assustado, será que ela não havia gostado do lugar? Será que tinha alguma formiga picando ela? Será que eu disse algo de errado?
   - Nada, só estou curiosa com o que você tem a me dizer. E eu detesto ficar curiosa então não enrola.
   - Vou te contar a minha história, mas você tem que prometer não me achar um maluco psicótico.
   - E você é?
   - Sou, só quando me lembro da Lina.
   - Quem é Lina?
   - Quando eu tinha três meses fui abandonado pelos meus pais, alguém graças a sua bondade me entregou em um orfanato e Lina cuidou de mim, ela me ensinou a ler, escrever, falar, andar. Bom, ela me ensinou a viver.
   - Nossa Joel, eu não sabia.
   - Quando eu tinha quatorze anos, o orfanato foi invadido e ela foi assassinada. Lina era minha única amiga e a única fonte que eu achava que tinha sobre os meus pais.
   - A única que você achava?
   - Bom enfim, depois que ela morreu eu fiquei totalmente sem chão, Lina era como uma mãe para mim. Eu não sabia como viver sem ela, eu realmente não sabia como continuar e nem o que fazer. Eu tinha quatorze anos e estava sozinho
   - No orfanato não havia outras crianças?
   - Milhares, mas nenhuma delas gostava de mim, todos me achavam o esquisitão que não fala com ninguém.
   - Nossa Joel. - Sua expressão fica preocupada
   - Olha, não preciso que sinta pena de mim.
   - Me perdoe - ela tenta disfarçar, mas sua tentativa é falha, seus olhos estavam começando a lacrimejar e suas bochechas começavam a corar.
   - Lina era muito parecida com você, vocês se parecem bastante fisicamente e a personalidade de vocês é quase a mesma.
   - Foi por isso que se tornou meu amigo? Você pensou que eu fosse uma cópia da sua "mãe"? - Sua expressão muda totalmente, ela parecia desconfortável e irritada.
   - Olha Naara, tente me entender. Lina foi à única mulher que existiu na minha vida, eu não tenho muitas a comparar, ela foi como uma mãe para mim. Eu tinha quatorze anos não tive nem a oportunidade de dizer Adeus.
   - Entendo como deve ser difícil Joel, mas eu pensei que você estava realmente se esforçando para ser meu amigo. Eu sempre fui legal com você, sempre tentei te fazer companhia, te chamei para uma festa, te ofereci ajuda psicológica, te deixei dormir na minha cama, fui eu que cuidei de você enquanto você estava quase tendo um coma alcoólico. Eu sempre fui sincera com você, e você me diz que está se tornando meu amigo por interesse? Eu não sou a Lina, estou longe de um dia ser ela Joel. - Lágrimas começam a escorrer em seus olhos, parecia muito chateada e desesperada - Pensei que você fosse diferente.
   Ela se levantou e saiu correndo, antes que eu pudesse me pronunciar a respeito Edd se aproxima e me envolve com seus braços largos e pesados.
   - Cara, te encontrei! Por onde andou? Estava com a Lina?
  - Não importa o que foi?
  - Preciso te contar uma coisa.
  - Senta ai - estendi a mão para que ele se sentasse ao meu lado  - acho que minha companhia não vai falar comigo tão cedo.
   - Bom, já que é assim - ele se senta - eu acho que eu sou gay, Joel.
   - Você acha? - fiquei surpreso, achei que ele tinha certeza só medo de contar.
   - O Brad se declarou e eu fiquei meio que em choque, eu também gosto dele, mas não sabia o que dizer.
   - Você está pedindo conselhos ao cara errado, nunca namorei.
   - Eu sei, mas eu precisava contar parar alguém de confiança. - Acho que a Naara pode te ajudar melhor com isso
   - Eu vou falar com ela, obrigada.
   - Mas eu posso te dar um conselho
   - Qual?
   - Faça o que seu coração achar certo.
   - Obrigado cara
   - De nada
  Ele sai correndo na mesma direção que Naara. Logo após uns minutos o tempo fecha e começa a chuviscar, corri até o interior da UF para que conseguisse me proteger e então vi Naara e Peterson abraçados conversando, ele parecia gostar dela, ele a olhava com os mesmo olhos que ela olhava para mim, quando pisquei os olhos os dois estavam caminhando abraçados em direção ao carro de Peterson, então me virei e sai. Como em tão pouco tempo, um dia tão bonito foi transformado em uma catástrofe como essa? Assim que minhas aulas terminaram eu fui pra casa, me tranquei por longas horas em meu quarto e me joguei na cama sem mover um músculo, eu realmente era um desgraçado que não tinha chance nenhuma na vida. Primeiro eu perco a Lina e agora eu acabo de perder Naara também, eu sou um completo idiota! Não sirvo nem para fazer uma amizade, como fui tão bobo de pensar que Naara gostaria de ser comparada a Lina? Sou um completo idiota e imbecil. Eu não sei por que eu ainda insisto em viver, já deveria ter acabado com essa palhaçada e essa escuridão há anos. Eu não conseguia pensar, a raiva e o nervosismo momentâneo domaram cada centímetro de meu corpo, eu poderia espancar alguém agora mesmo até sentir o gosto de seu sangue escorrendo em minhas mãos.

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