Capítulo 5 _ Caminhos tortuosos

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Eu não sei como César soube tão rapidamente da minha participação na cirurgia. O fato é que isso foi o suficiente para o tempo simplesmente fechar de vez.

— Me mandar embora? Acredita nisso? Ele quer me mandar embora por eu ter salvado a vida de um cara! — Gritei irritada batendo no volante do meu carro.

O sinal estava fechado e o motorista do carro ao lado me olhou com interesse, me fazendo fechar a janela no mesmo instante. Definitivamente não estava com a miníma paciência para flertes.

— Calma! Você não quer parar em algum lugar? Você não parece... — Helena começou a dizer, mas eu lancei um olhar desencorajador para ela.

— Não ouse dizer que também não estou em condições de dirigir, senão vou surtar de vez.

— OK. Não está mais aqui quem falou. — Ela ergueu as mãos em sinal de rendição e eu suspirei.

— Me desculpa! Eu... Só não consigo aceitar que algo que batalhei por tantos anos agora possa ser tirado de mim por causa do meu pai. — Lamentei e ouvi uma buzina insistente.

O sinal abriu e eu segui o caminho para minha casa. No banco de trás estava a mala de Helena com os poucos pertences que ela conseguiu pegar na casa dos pais.

— Eu te entendo completamente, porém você não pode sofrer por antecipação. Talvez o fato de ter corrido tudo bem na cirurgia possa atestar que você está em plenas condições para permanecer no seu cargo. — Tentou me tranquilizar, em vão.

— Você não viu a expressão de Drácula anêmico do César. Ele está furioso comigo, principalmente pelo fato de achar que eu não estava em condições de operar. E por eu não ter mostrado o atestado para ele antes da operação. Isso é um absurdo! Confesso que estava realmente mal mais cedo, porém eu sempre soube separar minha vida pessoal da profissional. Eu nunca cometi nenhum erro em nenhuma cirurgia. Eu sei a minha responsabilidade com a vida de quem é entregue às minhas mãos. — Expliquei chateada parando em outro sinal fechado.

— Você vai conseguir reverter isso. Basta agir com mais calma. Não pode deixar se levar pelas emoções. Mostre que tem o controle, só assim poderá provar que o César está errado. — Aconselhou e eu refleti brevemente em suas palavras.

— Você tem toda razão.

Dirigi por mais algumas quadras e então finalmente cheguei em casa. Expliquei para minha mãe toda a situação da Helena, e no mesmo instante ela aceitou que a garota ficasse conosco por uns dias. Thiago parou de jogar videogame com Guilherme que ficou furioso pelo jogo ter sido pausado.

— Espera aí, deixa eu ver se entendi. Então você ajuda qualquer pessoa, menos o nosso pai? — Me provocou e eu respirei fundo, tentando não entrar na onda dele.

— Helena não é qualquer pessoa. É minha amiga.

— Pois é, e ela não está correndo risco de morte como alguém que conhecemos. — Thiago alfinetou e eu o encarei possessa.

— Eu não vou mais discutir isso com você.

— Não vai mesmo, não. Sabe por quê? Porque você é egoísta, Julieta. Egoísta e mesquinha, pois se recusa a ajudar nosso pai mesmo sabendo no que isso implica.

— Para mim chega! Vamos, Helena! Vou te mostrar onde você vai ficar. — Falei mudando de assunto, porém Thiago sabia ser insuportável quando queria.

— Foge mesmo da conversa. Foge porque sabe que está errada. Se ao menos eu soubesse onde meu pai está...

Deixei meu irmão falando sozinho e segui com a Helena pelo corredor. Mostrei para ela onde era o banheiro e onde podia deixar as coisas dela no quarto de hóspedes. Após me agradecer mais algumas dezenas de vezes, ela pegou a mochila para procurar um livro.

— Vai estudar nas férias? — Perguntei surpresa e ela riu.

— Preciso rever alguns conceitos. A grade do semestre que vem é bem desesperadora.

— Tenho certeza que se sairá bem.

— Como você soube que a sua vocação era neurocirurgia? — Perguntou largando o livro de lado e me olhando com atenção.

— Eu sempre soube que queria algo ligado à área da saúde. E depois que comprei um atlas de neuroanatomia por puro impulso, tive certeza do que fazer. Cérebros sempre me encantaram. Um amontoado de tecido nervoso capaz de tanta coisa. Ideias, pensamentos, ações, sensações, sentimentos e vida. Tudo produzido bem aqui. — Falei apontando para minha cabeça. — Nossa mente pode ser o nosso paraíso ou o nosso inferno.

— Isso é verdade. O cérebro é bem incrível mesmo.

— Você pretende seguir qual área?

— Obstetrícia. — Respondeu empolgada.

— É uma bela área também. Auxiliar em nascimentos é como renascer.

Ouvimos uma batida na porta e então minha mãe entrou no quarto. — Filha, tem uma senhora querendo falar com você na sala.

— Que senhora?

— Se chama Margarete. Nunca vi na vida. Ela disse que é importante. — Respondeu e eu levantei curiosa.

— Helena, fique à vontade. Já volto. — Falei e segui com a minha mãe no meu encalço pelo corredor. Para minha surpresa ela me parou no meio do caminho.

— Filha, precisamos conversar sobre seu pai.

— Agora não. — Protestei voltando a caminhar e ela segurou novamente o meu braço.

— Você sabe que vamos ter que conversar sobre isso em algum momento. E sabe principalmente que o Thiago está parcialmente certo. Você não pode negar ajuda ao seu pai.

— E por que não? Ele nunca fez nada por nós. — Rebati irritada e ela me olhou serenamente.

— Mesmo assim ele continua sendo seu pai. Tem certeza que sua consciência estará tranquila caso ele morra sem que você ao menos tente ajudá-lo? Filha, seu pai é frio e inescrupuloso, mas você não é assim. Você não puxou ele, puxou à mim. E nós sempre fazemos a coisa certa, por mais sacrificante que isso possa ser. Pense nisso. Ao menos pense no assunto. — Pediu e eu suspirei vencida pelo cansaço.

— OK, mãe, vou pensar. Agora posso ir?

Ela assentiu com um sorriso e eu segui para a sala. Minha surpresa foi enorme ao me deparar com a mãe do meu último paciente à minha espera.

— O que a senhora faz aqui? — Perguntei confusa.

— Eu fiquei revoltada ao saber que você havia sido prejudicada por operar meu filho.

— Quem te contou? Como achou meu endereço? O que está acontecendo? — Perguntei preocupada e ela me abraçou repentinamente.

— Eu ouvi sem querer sobre a situação. E então consegui descobrir onde morava. Precisava dizer que sinto muito pelo o que houve. Se tiver algo que eu possa fazer para te ajudar é só me dizer que eu faço.

— Não precisa se preocupar com isso...

— É claro que me preocupo. Estou ciente que se não fosse por você meu filho... Não gosto nem de imaginar. — Falou aflita se afastando do abraço. — Serei eternamente grata ao que você fez, doutora Julieta. Não é incrível a coincidência dos nomes?

— Coincidência dos nomes? — Minha mãe perguntou se intrometendo no assunto.

— Sim, sua filha operou meu filho e ele se chama Romeu. — A mulher respondeu entusiasmada e os olhos da minha mãe chegaram a brilhar. Lá estava ela com seus contos mirabolantes mentais.

— Qual a chance disso acontecer? — Minha mãe me perguntou e eu segurei uma risada.

— Segundo a estatística? Uma grande chance. — Debochei, porém ambas continuaram intrigadas com o fato "místico" da vez.

Pena eu ter problemas demais para resolver na vida e não ter pique algum para embarcar na imaginação dessas duas.

Um Clichê Para JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora