— Você não devia ter feito isso! — Gritei e ele não pareceu sequer se arrepender. Elisa saiu sem dizer nada.
— Eu sou completamente apaixonado por você, Julieta. Desde a primeira vez que operamos juntos.
— Eu sinto muito... Mas eu... Sempre te vi como amigo.
— Mas isso pode mudar um dia? Não? Todos dizem que amizade sempre vira amor.
— Quem disse isso? — Questionei e ele deu de ombros.
— Não importa, Julieta. Me ouve... Você é tão maravilhosa... Eu só queria uma chance.
— Sem chances. Por favor não insista nisso. Se algum dia te dei esperança foi sem querer. Me desculpa por isso. Mas é a verdade. — Cortei secamente e ele me olhou abalado. Fiquei com pena e decidi me afastar.
Fui direto para a lanchonete a fim de desanuviar a minha mente. Sentei na cadeira da mesa do canto e cruzei os braços olhando para o nada. Tudo estava já suficientemente confuso quando notei cabelos avermelhados se aproximando de forma esvoaçante. Elisa veio apressada em minha direção, e eu temi que ela estivesse chateada comigo pela situação constrangedora à qual André nos submeteu. Entretanto o humor dela estava bem pior do que eu temia.
— Sua falsa! Você mentiu para mim! Disse que iria me ajudar quando na verdade estava ficando com ele bem debaixo do meu nariz. — Disse espalmando as mãos com força na mesa à minha frente, me assustando.
— Você entendeu tudo errado...
— Eu confiei em você. Abri meu coração para você e... você faz isso comigo! Nunca imaginei que pudesse agir assim.
— Eu juro que não foi intencional, Elisa. Jamais faria isso para te magoar.
— Não seja cínica! — Rebateu irritada e eu me levantei.
— Vamos conversar em outro lugar.
— Por quê? Não quer que nossos amigos ouçam a verdade sobre você? — Debochou.
— Você está passando dos limites.
— Olha aqui, Julieta! — Ela apontou o dedo para o meu rosto e no mesmo instante ouvimos alguém gritar ao nosso lado.
— Eu... Acho que o meu bebê vai nascer. — Sônia falou abaixando enquanto tentava se apoiar no rodo com o qual limpava o chão.
Rapidamente corri até ela e pedi ajuda para levá-la para o andar da maternidade.
— Acho que não vai dar tempo. — Elisa avisou olhando para as pernas de Sônia e eu me assustei ao notar a calça dela úmida e ensanguentada.
— Rápido, me ajudem a deitá-la. — Pedi e logo todos se posicionaram ao redor e à deitaram cuidadosamente no chão. Tirei meu jaleco e cobri o quadril dela enquanto Elisa a ajudou a se livrar da calça e da calcinha.
Helena correu e ajoelhou ao meu lado, me auxiliando.
— Está doendo muito! — Sônia reclamou desesperada com a respiração irregular e um filete de suor brotando no rosto.
— Já está coroado. — Falei ao notar a cabeça da criança no final do canal de parto e Helena segurou as pernas de Sônia.
— Será que meu bebê vai sobreviver? O parto estava previsto para daqui há três meses ainda... Ainda está muito cedo... Ainda... Ai!
— Calma, Sônia, vai ficar tudo bem. — Falei séria, tentando passar o máximo de confiança para a gestante angustiada à minha frente.
Por mais que eu estivesse realmente preocupada com a situação, afinal um parto prematuro nunca era o ideal, não havia mais nada a ser feito, o bebê iria nascer de qualquer forma, então tudo que não precisávamos era de nervosismo por parte da mãe.
— Faz força! Respira! — Fui instruindo e Sônia fez o seu melhor.
O silêncio foi absoluto, todos estavam aflitos e esperançosos pelo nascimento do bebê apressado.
— Força, Sônia! — Helena incentivou e segurou a mão dela.
A pobre estava bastante angustiada, o suor havia aumentado molhando a blusa do seu uniforme. Seu olhar estava assustado demais e Helena agiu excelentemente bem ao tentar confortá-la.
Em questão de minutos todo o esforço foi recompensado. Um choro fraco ecoou pela lanchonete deixando à todos nós emocionados.
— Deixa eu ver! Qual é o sexo? Não conseguimos ver em nenhuma ultrassom! — Sônia perguntou aos prantos e André correu até nós com uma tesoura, cortando o cordão umbilical em seguida.
— É um lindo menininho apressado. — Contei entusiasmada e ela pegou o minúsculo menino. Os pezinhos e mãozinhas eram tão pequenos, o corpinho frágil logo foi abraçado cautelosamente pela mãe emotiva.
— Meu filho... Meu menino! — Ela o aproximou do rosto fazendo meu coração aquecer com a cena mais linda do mundo. — Vai se chamar Bernardo. Meu pequeno e amado Bernardo. — Sorriu entre lágrimas e nos olhou com o olhar iluminado. — Muito obrigada, meninas! — Nos agradeceu e nós apenas assentimos sem condições alguma de falar algo.
Felipa, a obstetra, logo chegou com uma cadeira de rodas e sorriu ao notar que o parto já havia acontecido. Ajudamos a colocar a nova mamãe a bordo de seu transporte e ela foi levada com o Bernado para fazer exames, e posteriormente o pequeno foi para a incubadora.
Eu ainda ainda estava em êxtase quando Helena lançou um intenso sorriso vibrante.
— Acabei de decidir, é isso mesmo que quero: ajudar a trazer vidas ao mundo. — Contou com a voz vacilante e eu a abracei.
Elisa ainda evitava confrontar o meu olhar e eu não tentei ultrapassar a faixa da trégua. Poucos minutos depois lá estávamos nós três entre outras dez pessoas babando pelo vidro do berçário.
Bernado estava entubado pois ainda precisava de auxílio para respirar. Parecia ainda menor e mais frágil ali entre tantos outros bebês. Refleti brevemente na loucura do nascimento. De repente ele foi expulso do seu casulo quente, úmido e confortável. Tudo para ele era novo e assustador aqui no exterior. Ter que se acostumar a ser tocado, aprender a respirar o oxigênio, a se alimentar no seio da mãe. Subitamente ele foi arrancado de sua zona de conforto e estava ali sendo admirado por médicos e enfermeiros mais acostumados a lidar diariamente com a morte do que com a vida. Isso se assemelhava bastante com as nossas vidas, pois frequentemente estávamos sendo arrancados das nossas zonas de conforto. Aquilo só comprovava que nós mesmo estando bem mais habituados ao mundo, ainda tínhamos muito o que aprender também.
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Um Clichê Para Julieta
RomanceQuando William Shakespeare escreveu a história de Romeu e Julieta há meio milênio atrás, ele nem sequer imaginava a tradição que estava criando em tais nomes. Tal influência perdura até os dias atuais, principalmente no movimentado hospital de Santa...