Helena estava cada vez melhor, passado as quarenta e oito horas já não tínhamos mais preocupação quanto ao caso dela. Entretanto isso não significava que não teria outras preocupações. Afinal, minha vida aliada ao hospital sempre fora uma verdadeira loucura.
Quando o mar da minha vida parecia calmo e ermo, eis que as ondas de tsunami decidiram se reerguer.
— Julieta, o seu pai está no hospital. — Carla avisou me deixando boquiaberta.
— Liga para minha mãe, por favor! — Pedi correndo desnorteada. Eu não tinha forças para reencontrá-lo sozinha.
Finalmente havia chegado a hora de saber o que realmente se passava com meu pai, e eu estava em pânico.
❦❦❦
Samuel estava bem mais debilitado do que esperávamos nos deparar. Estava bem mais magro do que a última vez que o vi, mais pálido e os lábios rachados. A respiração pesada, o peito subindo e descendo com ritmo acelerado. Era uma situação tão deplorável que me segurei para não chorar ao vê-lo deitado na maca, definhando.
— Julieta! Minha filha, você veio... — Ele pareceu realmente se alegrar ao me ver e por um milésimo de segundo pensei que aquilo poderia ser apenas por eu talvez poder ajudá-lo. — Inês, você ainda está tão jovem e linda. — Ele comentou e minha mãe apertou os lábios, sem esboçar o que realmente sentia. — Esse garoto enorme e já com barba é meu Thiago? Filho, como você cresceu. — Ele se espantou e eu me segurei no silêncio.
Se você tivesse ao nosso lado teria o visto crescer... Minha mágoa gritou na minha mente conturbada.
— Sou eu, pai. Sou eu. — Thiago murmurou tocando nos fios despenteados e grisalhos de Samuel. Foi então que me lembrei que quando criança, sempre o encontrava impecável. Cabelos penteados, roupas limpas e muito bem passadas pela minha mãe. Meu pai havia mudado tanto. Não só fisicamente. Não havia absolutamente nada nele que recordava o que era antes de nos trocar seja pelo o que nos trocou.
— Cadê o caçula? Meu pequeno atacante? — Perguntou fazendo um grande esforço para olhar em volta.
— Não deixaram o Guilherme entrar. Ele é apenas um menino. — Minha mãe explicou e ele assentiu pesaroso.
— É uma pena, queria poder me despedir dele também. — Afirmou nos deixando espantados.
— Despedir? — Nós três perguntamos em coro.
— Sei que não tenho muito tempo. Quero aproveitar para pedir perdão para vocês. À Inês por eu ter sido o pior e mais asqueroso marido da face da terra. Ao Thiago e ao Guilherme por ter me privado de acompanhar o crescimento de ambos e... Julieta... Me perdoe por não ser o super-herói que você desejava. Eu fiz tudo errado e hoje pago um preço bem caro por isso.
O clima pesado ficou palpável. Eu definitivamente não esperava por um ensaio de despedida. Eu não sabia o que sentir ou pensar.
Thiago e minha mãe logo o perdoaram com toda sinceridade que podiam demonstrar, eu entretanto, por mais que estivesse disposta a fazer o mesmo, não conseguia dizer a simples frase que iria confortá-lo.
— Filha, eu sei que não mereço o seu perdão. Nem o de ninguém aqui, mas por favor, não quero partir com esse peso na alma.
— O senhor não irá partir. Eu... Eu vim para doar o que precisa. — Contei e ele me olhou surpreso.
— Eu não esperava que fosse mudar de ideia, minha menina. — Falou com lágrimas nos olhos e eu respirei fundo tentando controlar as minhas emoções.
— Vai ficar tudo bem. Já fiz os exames de compatibilidade e assim que sair o resultado já...
— Antes, minha filha, diga que me perdoa, por favor! Eu preciso ouvir isso de você. — Insistiu e eu me calei. Eu não conseguia dizer uma única palavra. Uma lágrima escorreu solitária pelo meu rosto e ela foi a porta de saída para inúmeras outras que rolaram sem cerimônia. Eu me desfiz um milhão de vezes na frente dele, sufocada.
— Eu... Eu... Te perdôo. — Falei tão baixo que ele provavelmente só soube o que eu disse por estar bastante atento ao meu rosto.
Ele segurou a minha mão e deixou algumas lágrimas escaparem também. Logo minha mãe e Thiago se uniram à nós e o quarto parecia um mar de soluços.
— Vai ficar tudo bem. — Garanti com a voz embargada e meu pai assentiu confiante.
❦❦❦
Romeu ficou sabendo do transplante e foi ao hospital conversar comigo.
— Esse procedimento é mesmo seguro? — Ele perguntou pela milésima vez mesmo eu tendo garantindo todas as vezes anteriores.
— Não se preocupe, estarei em ótimas mãos. Fica tranquilo. — Respondi e ele permaneceu inseguro.
— Não tem como eu ficar tranquilo com isso. Eu estou apaixonado por uma mulher que de repente vai passar por uma cirurgia delicada. — Ele rebateu sério e eu o encarei por um instante em silêncio.
— É muito cedo para você dizer uma coisa dessas...
— Acontece que nossa história é exatamente como Shakespeare ditou: intensa, tórrida, irracional e rápida. Mesmo com pouco tempo, mesmo sem nenhuma lembrança anterior... Eu não hesitaria em confirmar o que sinto por você. Não sei, talvez sejamos mesmo amaldiçoados pelos nossos nomes. — Ironizou me deixando incrédula.
— Isso é loucura. Não somos um romance literário. Nada de ruim irá nos acontecer. — Falei sorrindo e ele pegou na minha mão.
— Julieta, promete que vai ficar bem? Por favor... — Pediu nervoso e eu ri sem jeito.
— Não é algo do qual eu tenha poder para prometer, mas eu prometo. — Afirmei e ele me abraçou apertado.
— Eu vou embora. Tenho que ir com a Camile e com o Paulo fazer o exame. Assim que terminar eu volto.
— Estarei esperando por você. — Falei sorrindo e ele permaneceu sério. — Relaxa, Romeu!
— Desculpa, mas não consigo. Não quero que nada te aconteça. Queria poder fazer algo por você como você fez por mim quando precisei.
Ele beijou minha testa e não sei por qual motivo meu coração diminuiu no peito ao vê-lo se afastar.
Por um segundo quase fui atrás dele, entretanto minha razão tomou novamente seu lugar no meu subconsciente. Logo nos veríamos novamente. Por que eu me sentia daquela forma?Minha mãe entrou no quarto e me desejou sorte. Logo fui encaminhada para a sala de cirurgia e recebi a anestesia geral.
Tudo se apagou rapidamente.
Minha última lembrança? O olhar de Romeu. Ele parecia sincero quando se declarou para mim. Por que eu não disse que também estava apaixonada por ele? Por que temos a mania de complicar tudo? Não tive tempo para encontrar uma resposta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Clichê Para Julieta
RomanceQuando William Shakespeare escreveu a história de Romeu e Julieta há meio milênio atrás, ele nem sequer imaginava a tradição que estava criando em tais nomes. Tal influência perdura até os dias atuais, principalmente no movimentado hospital de Santa...