No dia seguinte eu cheguei para o trabalho sentindo um conflito enorme dentro do peito. Por mais que soubesse da infidelidade por parte de Camile, eu me sentia desconfortável por ter sido eu a revelar tudo para Romeu. Principalmente pela reação dela com a simples hipótese de ser desmascarada. Entretanto eu não podia compactuar com suas mentiras.
Com meus pensamentos completamente divididos, segui para a sala no intuito de encontrar a Carla, porém para minha frustração, encontrei com André. Eu vi claramente nos olhos dele a alegria ao me ver. Aquilo me desarmou parcialmente.
— Julieta... Eu... Podemos conversar, por favor? — Ele pediu nervoso e eu apenas assenti. — Eu... Sinto muito se fiz tudo errado com a nossa história...
— Você está se referindo à nossa amizade, certo?
— Não. Eu nunca fui seu amigo. — Falou calmamente me deixando chateada. — Sempre tive interesse em você e sempre demonstrei isso. Não entendo o porquê de você sempre ter ignorado, mas agora isso não importa mais.
— E o que importa então? — Questionei confusa com as voltas que ele estava dando no assunto e quando eu menos esperava ele foi rapidamente em minha direção e me beijou novamente.
Eu tentei empurrá-lo com toda força que tinha, porém ele parecia um polvo cheio de tentáculos me aprendendo à ele. Meu ódio foi visceral. Quando ele se afastou para me dizer algo eu finalmente consegui o empurrar e ele caiu sobre o estojo de instrumentos cirúrgicos.
— Nunca mais faça isso, está me ouvindo? Você não pode me forçar a ficar contigo. Não pode forçar ninguém a isso. — Gritei furiosa e ele gemeu encolhendo a mão. Só então notei o sangue e o bisturi em destaque ali. — Droga, deixa eu ver isso!
— Não precisa, sai daqui! — Ele escondeu a mão no jaleco manchando o tecido branco completamente. Me abaixei irritada e puxei a mão dele para analisar mesmo contra sua vontade. O corte havia sido bem grande na lateral da mão esquerda, entretanto por sorte não era profundo.
Levantei e o deixei com sua mão e orgulho feridos no chão, segui à procura de agulha, linha e gazes. Voltei o encontrando ainda encolhido como um cachorro de rua abandonado. Abaixei e o olhar dele se iluminou ao encontrar o meu. Respirei fundo e peguei a mão dele novamente. Após limpar e me certificar que realmente não era nada grave, comecei a suturar cuidadosamente o ferimento. Eu particularmente adorava suturas desde a primeira vez que aprendi a fazer. Sempre achei lindo o ato de reunir novamente as partes feridas de alguém. Minha mãe costumava dizer que eu via poesia em tudo e ela estava certa. Era poético o fato de poder restaurar o que estava partido, em fragmentos. Tornar inteiro novamente o que os traumas dilaceraram.
— Pronto. Novinho em folha. — Anunciei orgulhosa do meu trabalho. Os olhos de André se mantinham cravados em mim, parecia esperar algo mais. — Eu não vou admitir que continue me tocando sem meu consentimento. — Avisei e ele pareceu ofendido.
— Foi só um beijo inofensivo... — Tentou se defender e foi inevitável não revirar os olhos.
— Inofensivo? Cinco pontos na sua mão parece algo provindo de um gesto inofensivo? — Ironizei e o rosto dele se transformou completamente, indignado.
— Mas isso foi culpa sua. — Me acusou e eu me afastei dele, impaciente.
— Ah claro, tudo é culpa da Julieta agora. — Falei sarcástica e ele franziu a testa.
— Por que está falando de você mesma na terceira pessoa?
— Porque estou muito, mas muito cansada. Olha, francamente André, não tem qualquer possibilidade da gente ficar junto algum dia na vida. Desista. Se quiser minha amizade estou à disposição. Agora para qualquer outra coisa procure outra. E mais uma coisa, a outra tem que querer ficar com você para que você possa ter algo com ela.
— É ele não é? — Perguntou amargurado e foi a minha vez de franzir a testa. — O Romeu, é por causa dessa história maldita que você não quer ficar comigo?
— Você está ficando louco. — Ironizei forçando uma risada e ele me lançou um olhar de escárnio.
— Tem noção do quanto é idiota por embarcar em uma aventura romântica literária? Você é uma adulta, Julieta! Nada justifica uma palhaçada dessas.
— Você não tem absolutamente nada a ver com a minha vida. — Enfatizei e ele sorriu sem o mínimo humor.
— Você se lembra que no final eles morrem? — Ironizou e eu engoli em seco.
— Idiota! — Foi tudo que consegui dizer antes de sair como um furacão pela porta.
Não estava com a miníma paciência para lidar com alguém tão descompensado. Segui rapidamente pelo corredor na intenção de ir ao banheiro, mas esbarrei em Carla no meio do caminho.
— Ei, para onde vai com tanta pressa? — Ela perguntou divertida e eu suspirei pesarosa. Rapidamente ela notou que havia acontecido algo. — Qual o problema?
Olhei em volta e ao notar que não tinha problemas ao redor resolvi contar resumidamente o que havia acontecido.
— Esse André está mesmo se revelando um imbecil. — Afirmou irritada e depois me olhou nos olhos. — Sabe que ele não tem razão, não é mesmo? Você e Romeu são uma versão brasileira e aqui, com o nosso famoso "jeitinho" vocês vivem no final da história. — Ela brincou me fazendo rir.
— Só você mesmo.
— Eu sei, sou a melhor amiga que você poderia ter. Agora vamos tomar um péssimo café, antes de ter que encarar uma cirurgia com o anestesista mais idiota desse hospital. — Propôs colocando o braço ao redor dos meus ombros, me guiando para a lanchonete. Ainda bem que no meio de todo terremoto, haviam verdadeiros amigos para nos ajudar a ficar de pé.
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Um Clichê Para Julieta
RomanceQuando William Shakespeare escreveu a história de Romeu e Julieta há meio milênio atrás, ele nem sequer imaginava a tradição que estava criando em tais nomes. Tal influência perdura até os dias atuais, principalmente no movimentado hospital de Santa...