Capítulo 7 _ Restabelecendo laços

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— As meninas da recepção estão programando um chá de fraldas para a Sônia, da limpeza. — Helena me contou animada enquanto eu me arrumava na frente do espelho.

— Ela já sabe o sexo do bebê?

— Ainda não, mas ela não tem absolutamente nada ainda. Pensamos em ajudar pelo menos com fraldas. Aparentemente fralda nunca é demais. — Ela respondeu fazendo careta enojada e eu ri.

— Isso é verdade, lembro de ajudar minha mãe com meus irmãos. Já passamos muita necessidade na vida. Ainda bem que esse tempo passou. — Falei nostálgica dos tempos em tudo que parecia bem. Éramos uma família feliz até tudo desmoronar. Me obriguei a dissipar tais recordações. — Helena, você tem notícia dos seus pais?

— Não, nem quero ter. — Ela fechou a cara por um bom tempo e depois suavizou a expressão aos poucos. — Na verdade... minha tia disse que minha mãe perguntou por mim há alguns dias.

— Isso é um bom sinal. Mostra que ainda se importa com você.

— Se ela realmente se importasse não teria deixado meu pai me expulsar de casa. — Lamentou triste e eu abaixei a cabeça, impotente. Simplesmente não conseguia dar um conselho sobre o pai dela sendo que a relação com o meu também não era das melhores.

Terminei de me arrumar em silêncio e quando estava prestes a sair para o hospital, Thiago me pediu para conversar.

— O que você quer agora?

— Eu não quero mais brigar com você, Julieta. Eu só quero saber qual é a real situação do nosso pai. — Pediu em um tom extremamente calmo.

— Tudo que eu sei sobre o caso dele eu já te disse.

— Eu quero saber da doença. Como ela é, o que ela causa... Tudo.

— Thiago, é só pesquisar no Google. — Falei impaciente e ele puxou meu braço, me fazendo sentar ao lado dele no sofá da sala.

— Para quê internet se eu tenho uma médica em casa? — Perguntou sério e eu abaixei a guarda. Ele parecia mesmo disposto a alguns minutos de paz.

— Tudo bem. A função dos rins é filtrar o sangue, ou seja, eliminar todas as substâncias ruins pela urina. Quando há uma insuficiência renal, essa filtração fica comprometida e começa haver acúmulo no organismo. A forma aguda da doença até dá para ser tratada, porém a crônica é realmente séria. Os rins podem ir perdendo suas funções gradualmente até...

— Até o quê? — Meu irmão perguntou apreensivo.

— Até que a pessoa tenha que fazer hemodiálise, que é um processo bem incômodo onde o sangue do corpo é filtrado em uma máquina. — Expliquei e ele estremeceu. — Ou um transplante, no caso quando o órgão já sofreu falência e não tem mais jeito.

— E qual é o caso do nosso pai?

— Eu não sei, não conservamos sobre isso. Olha, Thiago, talvez eu tenha sido bastante injusta com ele, mas só Deus sabe da dor que sinto quando o vejo. — Falei sincera abaixando o olhar para o tapete felpudo marrom no centro da sala.

— Ju, eu te entendo. Desde que nosso pai nos abandonou eu o odiei cada dia mais. Sempre imaginei o dia que nós dois iríamos nos reencontrar, sabe, eu até já tinha um discurso ensaiado em mente para acabar com ele. Iria dizer que não precisávamos dele e que podia sumir de novo. O problema é que em todas as vezes que imaginei isso ele estava bem e forte, e não morrendo como agora. — Contou abalado e eu o abracei.

Me identifiquei com cada palavra que ele disse, pois era exatamente assim que eu sempre pensei.

— Eu não falei sério quando disse que ele podia morrer que eu não me importava. Me feriu mais em dizer aquilo do que talvez tenha ferido ele ao ouvir. — Confessei em meio às lágrimas vorazes que teimavam em cair.

— Vamos ajudar nosso pai, Ju? Nós não precisamos perdoá-lo por todo mal que ele nos causou... Só vamos evitar uma tragédia e nada mais. —  Propôs e eu me afastei do abraço. Respirei profundamente e sequei as minhas lágrimas.

— Precisamos encontrá-lo. — Assumi determinada e ele sorriu aliviado. Quem diria que meu irmão rebelde poderia ser tão sensato?

❦❦❦

Ao chegar no hospital fui recebida por fortes abraços de Margarete e Paulo, pais de Romeu.

— Já soube que meu filho acordou ontem? Tem uma equipe de médicos acompanhando a recuperação dele. Depois de tanto tempo ele finalmente voltou. Foi o mês mais longo da minha vida... — A mulher disparou a falar animada e depois me olhou triste. — É só uma pena ele ter perdido a memória.

— Infelizmente é uma situação bastante comum nesses casos, mas creio que quando ele receber alta e voltar ao convívio familiar a memória dele voltará aos poucos.

— Assim esperamos. — O pai comentou abraçando gentilmente o ombro da esposa e esse gesto me fez ter um pequeno flashback da infância, quando parecia haver amor entre meus pais e eles viviam se abraçando sorridentes. Quando foi que tudo deixou de fazer sentido?

— E então? Você pode? — Margarete perguntou me trazendo de volta para a realidade.

— Desculpa, o que disse?

— Se você pode ver meu filho. Quero que ele conheça quem o salvou.

— Agora não posso, tenho que...

— Por favor, está no horário de visitas. Vai ser rapidinho, eu prometo. Quero muito que ele te conheça. Sei que está meio atordoado ainda, porém mesmo assim... Por favor! — Insistiu esperançosa e eu acabei concordando.

Segui com os pais falantes até o quarto do homem desmemoriado. Romeu era bonito, alto e bem atlético. Entretanto ali parecia uma criança frágil e indefesa. Não se recordava de absolutamente nada, nem do próprio nome.

— Filho, essa aqui é a médica que fez sua cirurgia e salvou sua vida. — Margarete me apresentou orgulhosa e o rapaz me olhou surpreso.

— Você? Eu lembro de você. — Ele falou me deixando momentaneamente desconcertada.

— Como se lembra, meu filho? Você estava inconsciente quando ela te operou. — O pai interviu e eu me aproximei da maca.

— Eu o visitei algumas vezes para saber se estava tudo bem. Na última vez ele já dava sinais de que iria acordar. Talvez seja isso. — Menti e ele me olhou intensamente.

— Eu estava bem acordado. Sua voz me acordou, você... Você disse que eu havia lutado bastante. — Ele me desmascarou e eu segurei uma risada.

— Exatamente isso. E pelo que vejo continua lutando bravamente. — Olhei em volta e notei que a maioria dos equipamentos anteriores já não faziam mais parte da rotina hospitalar dele. — Logo você terá vencido essa fase.

— Eu não me lembro de nada. — Contou atordoado e os pais dele se aproximaram da maca, com semblantes pesarosos. — Quando vou recuperar a memória?

— Infelizmente não tenho uma resposta para isso. Memórias são voláteis, tudo vai depender dos estímulos que você terá fora daqui. É preciso ter calma e deixar que elas voltem naturalmente. Nada de tentar forçar a própria mente. — Aconselhei e ele inesperadamente pegou na minha mão e apertou da mesma forma da primeira vez que fez aquilo.

— Muito obrigado por me salvar! Qual é mesmo o seu nome?

— Julieta. — Respondi nervosa e soltei a minha mão da dele. — Talvez seja melhor que você descanse um pouco. Eu preciso ir, com licença.

— Espera! Você vai voltar depois? — Ele perguntou me pegando de surpresa.

— Voltar?

— Sim, por favor, volte! — Ele pediu e eu não pude evitar demonstrar meu constrangimento diante dos olhares curiosos de Margarete e Paulo.

— Tudo bem, eu volto depois. Até mais. — Concordei e saí tão apressada que parecia que eu estava em plena fuga.

Um Clichê Para JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora