— Ora, por favor, eu sou uma mulher adulta. — Falei nervosa após tomar um bom gole do café já frio no copo. — Não tenho mais idade para contos românticos. Ainda mais romances de literatura trágica. — Ironizei fazendo Carla e Helena gargalharem. Estávamos sentadas na lanchonete do hospital em uma pausa extremamente rápida para o café.
— Não existe essa de velha para o amor. E além do mais, quantos anos você tem? Cento e dez? — Carla cuspiu seu sarcasmo e eu revirei os olhos.
— Eu acho que a Julieta mexeu com a cabeça do boy magia. — Helena brincou e Carla riu ainda mais alto.
— Com a cabeça não, com o cérebro mesmo. Literalmente. — Carla completou e riram como duas loucas. Eu fuzilei ambas com o olhar.
— Vocês são ridículas, sabiam? — Reclamei me levantando da cadeira e saindo rumo a porta, enquanto ouvia as risadas esganiçadas das amigas mais irritantes de todos os tempos.
— Somos Julieu. — Helena falou animada e eu parei de andar, me virando novamente para elas.
— O que é isso?
— Um shipper. — Ela respondeu sorrindo e eu arqueei a sobrancelha ainda a encarando.
— Esquece, Helena. Ela é realmente uma idosa, não sabe o que isso significa. — Carla me provocou se acabando de rir.
Revirei os olhos e saí da lanchonete, eu definitivamente precisava arrumar novos amigos.
❦❦❦
Astrócitos e micróglias são células da glia. Células que tem como função proporcionar suporte e nutrição aos neurônios, células nervosas que transmitem sinais. Eu costumo dizer que nosso cérebro é cheio de estrelas, fazendo uma analogia ao formato dessas células. Mas o que dizer quando uma célula que deveria auxiliar o sistema nervoso central começa se dividir desordenadamente e forma um tumor cerebral? O que dizer de tudo aquilo que deveria ser bom para nós e quando menos esperamos se torna algo maléfico? Os tumores são como as pessoas, de onde menos esperamos vem a dor, o golpe. Quando aqueles que deveriam nos proteger são os primeiros à nos destruir. Assim era a situação do senhor Teobaldo, um idoso de sessenta e oito anos que tinha um astrocitoma anaplásico, câncer no cérebro. Era um homem alto, porém bastante magro. Vivia em um asilo, abandonado pelos próprios filhos, seus tumores humanos.
Eu fiz a cirurgia de remoção do tumor mesmo estando ciente que a chance dele sobreviver era mínima. Estava muito fragilizado, e após a operação teria que passar por quimio e radioterapia, processos muito agressivos que exigiam demais dos pacientes. O problema era que as "estrelas" no cérebro de senhor Teobaldo já não tinham mais o brilho de antes. Isso me entristecia profundamente.
— Bisturi. — Pedi e Elisa me entregou prontamente. Consegui remover totalmente o tumor localizado no hipocampo, a cirurgia foi um sucesso. Diferentemente da vida. — Hora da morte, três e cinquenta e sete. — Falei olhando no relógio e anotando no prontuário.
Perder um paciente era a pior sensação do mundo. Por mais que eu soubesse de toda a estatística matemática envolvida, jamais, em hipótese alguma conseguia enxergar vidas como apenas números. Isso doía na minha alma.
— Fizemos tudo que era possível. — Carla falou tocando no meu ombro em uma tentativa frustrada de me consolar.
— Eu sei. Vou dar uma volta. — Murmurei segurando as lágrimas e segui sem rumo pelo hospital.
Me entristecia mais ainda pelo fato de não ter à quem dar a notícia. Não havia ninguém responsável por ele na sala de espera. Não é triste viver uma vida inteira e partir sem saudade?
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Um Clichê Para Julieta
RomanceQuando William Shakespeare escreveu a história de Romeu e Julieta há meio milênio atrás, ele nem sequer imaginava a tradição que estava criando em tais nomes. Tal influência perdura até os dias atuais, principalmente no movimentado hospital de Santa...