Capítulo 21 _ O início do fim

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O efeito da anestesia passava aos poucos. Minha mente ainda estava bastante embaralhada, a impressão que eu tinha era que meu corpo estava todo desmontado. Abri os olhos lentamente e as luzes claras pareciam borrões incandescentes que ardiam em minha visão.

De repente notei alguém de branco ao lado da minha maca. Fechei os olhos e abri novamente, tentando forçar a imagem a fazer sentido.

— Carla? — Perguntei ainda grogue e ela me olhou assustada. Talvez não tivesse notado que eu estava acordada.

— Julieta, você está bem?

— Bem mole, mas está passando. — Tentei me sentar, porém não senti firmeza alguma e quase caí.

— Espera, sem travessuras. Você acabou de doar um rim, esqueceu? — Carla perguntou nervosa me amparando.

— Como meu pai está?

— Ele está bem, deu tudo certo, ele será tratado com imunossupressores e agora só nos resta torcer para que o organismo não rejeite o órgão. — Ela respondeu me empurrando para me deitar novamente. — Agora preciso ir, só vim saber como você estava, tenho uma cirurgia de emergência.

— O que houve? — Perguntei preocupada e ele me olhou alarmada.

— Nada... Quer dizer... só o de sempre. Acidente... Pistas molhadas. Está chovendo, sabia? Alagou o centro há uma hora. — Se enrolou completamente e eu a o observei desconfiada. Minha visão finalmente não estava mais desfocada e eu pude perceber uma névoa atordoada nos olhos dela.

— Carla, o que está acontecendo? — Perguntei e ela colocou as mãos nos bolsos do jaleco, desviando o olhar para o chão.

— Nada demais... Só isso que eu te  disse... Sabe como são os inícios de ano, tem muitas chuvas. Deslizamentos... — Gaguejou e eu me forcei a sentar, já possuía menos dificuldade, entretanto senti uma leve fisgada no abdômen.

— Me diga agora o que está acontecendo. — Exigi irritada e ela me olhou assustada. — É alguma coisa com meu pai?

— Não, seu pai não. — Respondeu rapidamente e me olhou pesarosa. — É o Romeu. 

— O que tem ele? Fala logo, está me deixando nervosa! — Gritei impaciente a assustando mais uma vez.

— Calma! Eu não devia te contar isso, você está em recuperação ainda e...

— Fala logo! — Insisti sentindo a pontada no abdômen aumentar consideravelmente.

— Ele sofreu outro acidente de carro. Dessa vez a Camile estava junto...

— Como eles estão? — Interrompi desesperada e ela engoliu em seco, fazendo as batidas do meu coração ficarem descompassadas.

— Camile está bem, ela estava usando cinto de segurança... Já o Romeu... Ele... Foi arremessado do carro.  — Contou me deixando sem chão, sem ar. Eu levantei da maca fazendo ela correr até mim. — Você não pode levantar ainda, sua louca! Nem parece que é uma médica! Deita de novo! — Tentou me empurrar porém eu não cedi. Arranquei todos os fios acoplados nos meus braços e a empurrei com o resto de força que eu tinha.

— Me empresta sua roupa, por favor!

— Você está louca! Volte já para a maca! Sabe o risco que está correndo? — Carla tentou me empurrar novamente e eu a segurei pelos ombros.

— Antes da cirurgia ele veio aqui, disse... Disse que estava apaixonado por mim e eu... eu não respondi o que deveria... agora... Eu preciso vê-lo, por favor, me ajuda! Eu preciso da sua ajuda! — Implorei e ela me olhou incerta. Ponderou por um breve instante e suspirou cúmplice.

— Tudo bem, mas você vai lá e volta para ficar de repouso, entendeu? — Tentou barganhar e eu tirei a camisola do hospital. Ao erguer os braços voltei a sentir uma fisgada na barriga.

Vesti rapidamente a roupa de Carla, coloquei a touca e a máscara que ela tinha no bolso do jaleco. Corri pelo hospital como se estivesse sendo perseguida por um cachorro raivoso. Peguei o elevador e tentei disfarçar o máximo que pude. Cheguei no andar do bloco cirúrgico e encontrei a equipe preparando Romeu para mais uma cirurgia. Olhei o monitor cardíaco e vi os batimentos.

— Carla, que bom que você chegou, pega o... Espera! Julieta? — André perguntou abismado e todos me olharam em choque.

— O que você está fazendo aqui? Não era para você ter feito uma doação de rim? — Ana perguntou e eu abracei Romeu que já estava inconsciente.

— Eu não sei se você pode me ouvir, mas fica comigo! Eu também estou loucamente apaixonada por você. Mesmo sendo cedo demais, ou mesmo irracional. Não me deixe, por favor! — Pedi entre lágrimas deitando sobre o peito dele. Ouvi o coração dele enquanto o meu parecia parar.

— Julieta, você está sangrando! — Elisa gritou me afastando de Romeu e eu tentei lutar contra.

— Meu Deus do céu! Ela está operada! — Ana constatou e André me pegou à força nos braços.

— Não, espera, deixa eu participar da cirurgia dele. Eu não posso deixar que nada aconteça...

— Você está com uma hemorragia! Tem noção do quanto isso é grave? Você não deveria sequer estar de pé. — Ana brigou enquanto André corria comigo.

Senti as dores se intensificarem. Não cheguei a ser levada ao meu quarto pois os médicos me pegaram no meio do corredor. Já tinham descoberto que Carla não era eu. Provavelmente ela estaria bastante encrencada.

— A culpa foi minha! Eu obriguei a Carla a me dar a roupa. — Falei em alto e bom som mesmo sem ninguém tendo perguntado nada. — Eu preciso ver o Romeu! Preciso ficar ao lado dele.

— Agora você precisa se acalmar, vamos fazer uma tomografia e ver o que aconteceu para causar a hemorragia. Por favor, coopere. — Doutor Silveira pediu e eu me calei.

A dor estava aumentando exponencialmente. Eles haviam furado o meu intestino, por isso eu estava tendo hemorragia. Me levaram imediatamente para a mesa de cirurgia, tomei novamente uma anestesia geral e eu sabia que tinha dez segundos restantes de consciência.

Dez.

Será que Romeu ficaria bem?

Nove.

Eu ficaria bem?

Oito.

Eu gosto tanto dele!

Sete.

Ele também gosta de mim.

Seis.

Maldito Shakespeare!

Cinco.

Nossos nomes são malditos!

Quatro.

A tragédia irá se repetir?

Recordei brevemente de Carla dizer que éramos uma versão brasileira, e nessa versão nenhum de nós morria no final.

Três.

Talvez fôssemos mais que meros nomes. Talvez fôssemos mais que apenas uma história de um casal de um conto clássico. Talvez fôssemos humanos susceptíveis aos erros, ao drama e ao amor. Talvez o que verdadeiramente importava da história dos amantes Romeu e Julieta não era o final, mas sim o meio. Afinal, éramos eternos.

Dois.
Um.

Um Clichê Para JulietaOnde histórias criam vida. Descubra agora