Capítulo 18

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18 - Clarice

A cada dia que passa estou mais feliz em morar na fazenda, depois que me mudei para cá só vem acontecendo coisas boas na minha vida, enfim tudo começou a dar certo, até mesmo o convívio com o lobo.

Aqui na fazenda quase não tenho despesas, o que estou ganhando é suficiente para levar uma vida com dignidade, as minhas dívidas estão quase todas quitadas e não corro mais o risco de perder a casa. Gael está feliz morando aqui, fez amizades e ainda tem o amigo misterioso que o ajuda todos os dias a fazer a tarefa. Eu tenho minhas suspeitas de quem é esse tal amigo, mas por enquanto prefiro fingir demência.

Olhando a forma que eu e Gael estamos adaptados na fazenda, parece que faz anos que moramos aqui e não apenas alguns meses.

Até o lobo está mais social, depois do nosso confronto no jantar muita coisa mudou em sua postura. O vejo mais vezes andando pela casa e não trancafiado dentro daquele escritório sombrio, Miguel até começou a conversar comigo, isso pode até se considerar um milagre.

Bom, não é bem conversar, do tipo sentar e ficar horas falando, mas o "bom dia", "fazendo favor" e "obrigado" já faz parte do seu vocabulário e isso já é um avanço enorme. Podemos dizer que estamos caminhando bem no nosso monólogo.

Para Erika, Miguel pode ser considerado outro homem. Voltou a andar a cavalo, participar de perto das coisas da fazenda e não deixar nas mãos dos funcionários, como estava costumado. Também está indo alguns dias da semana no escritório de direito da família. Antes ele trabalhava lá e vinha para a fazenda apenas nos fins de semana, depois da sua perda largou tudo e se mudou de vez para cá.

Não posso esquecer de mencionar que Miguel agora grita bem menos com as pessoas. Algumas vezes até da vontade de dar aqueles três tapinhas nas costas dele e dizer "Bom garoto".

Claro que não faço isso, mas ele está se esforçando para ser uma pessoa melhor. Pelo menos de melhor convivência sadia, não aquela pessoa temida por todos, como era quando cheguei aqui. Fico feliz em ver como está mais leve.

Quando anda a cavalo chega na casa grande animado, até peguei ele cantarolando, mas quando me viu parou de cantar e voltou para o seu quarto, ficou sem graça por eu ter pego ele no fraga.

Paro de pensar nas mudanças de Miguel e foco no almoço. Ontem ele disse que gosta de macarrão com queijo, resolvi fazer, ele merece.

Acabo de preparar o almoço, coloco na mesa, vou até seu escritório, bato na porta e não entro.

— O que é? — grita do seu jeito normal, mas não abre a porta.

— O almoço está na mesa — grito com as duas mãos na porta.

— Obrigado. Já estou indo. — Sua voz agora é mais branda.

— Não demora, é macarrão com queijo — aviso.

Escuto passos e logo ele abre a porta.

— Macarrão com queijo é bom.

— Você disse que gosta. — Acabo sorrindo. — Vai logo, aproveita que está quente. Lava as mãos — peço.

— Obrigado.

— Vou ao ponto buscar o Gael — aviso. Sei que ele nem se importa com essa informação, mas digo mesmo assim. — Depois decide o que quer no jantar e me avise.

Ok. — Passa por mim fechando a porta atrás dele.

Cada dia ele está melhor, hoje já tive cinco minutos de uma conversa civilizada e ele falou duas vezes "obrigado". Vi até um sorriso tímido atrás daquela barba malcuidada. Acho que está na hora dele aparar a barba e cortar o cabelo, vou tentar pedir para ele de forma civilizada.

Deixo Miguel e vou buscar meu filho.

No caminho encontro outras mães indo buscar seus filhos. Vamos conversando e quando chegamos, continuamos falando sobre as melhorias na fazenda enquanto o ônibus não chega com nossas crianças.

O ônibus chega, uma a uma as crianças vão descendo. Fico esperando a vez do Gael descer para pegá-lo e dar aquele beijo e abraço bem apertado. Todas as crianças descem, menos ele.

Meu coração aperta.

— Chico, cadê meu filho? — questiono o motorista, preocupada por não ver o meu filho.

— A avó o pegou na escola hoje, dona Clarice.

— O quê?

Minha mãe nunca pegou Gael na escola sem a minha autorização e sem avisar com antecedência. Fato que desde que estamos morando aqui aconteceu apenas duas vezes. Minha mãe não faria isso, sabe que me deixaria preocupada.

— Ela disse que depois o trazia para a fazenda. O menino vai passar o dia com ela.

— Foi a minha mãe? — Fecho meus olhos, já me controlando para não chorar. Já imagino sua resposta, mas preciso ouvir.

— Não — minhas lágrimas caem —, foi a vó Rosana.

— Você não poderia ter deixado — sussurro. — Não poderia ter deixado — grito, levando minhas mãos à cabeça.

— É a vó do menino.

— Ela quer roubar meu filho. — Me desespero, não posso acreditar que isso está acontecendo.

— Ela disse que era vó do menino e ele confirmou, por isso a professora entregou — tenta justificar o motivo de ter entregado meu filho para aquela cobra.

Chico não imagina que vó Rosana é uma víbora, não posso o culpar. Quase ninguém da fazenda sabe das barbaridades que Rosana fez para tentar tomar e comprar Gael de mim.

— Vou buscar meu filho — digo indo rumo a estrada.

Ela não vai tirar o Gael de mim, não vou permitir.

Escuto vozes me chamando, mas não olho para trás, preciso buscar meu filho. Caminho pela estrada de terra, o mais rápido que as minhas pernas permitem, o sol quente faz minha cabeça doer, o suor começa a escorrer. Não sei dirigir, não sei andar a cavalo, a única maneira que tem para chegar até ao meu filho é andando.

Silenciosamente, faço uma oração pedindo forças para conseguir pegar meu filho de volta, rezando para que Rosana não tenha sumido junto com ele. Que eu possa ter de volta meu filho em meus braços.

Fui ingênua ao acreditar que ela tinha desistido, que não iria tentar algo contra mim para conseguir pegar o Gael. Ela esperou eu abaixar a guarda para atacar. Uma cobra traiçoeira pronta para dar o bote.

Rosana pode até tentar, mas eu jamais vou desistir do meu filho, ele é a minha vida, o meu motivo para acordar todas as manhãs, que me mantém de pé. Gael é fruto do meu amor e do Ryan.

Escuto barulho de carro um carro se aproximando, fico mais na beirada da estrada para dar passagem ao veículo, ele toma à minha frente e para.

— Sobe — Miguel pede.

— Não. — Choro. — Tenho que buscar meu filho — afirmo e continuo a andar.

— Sobe. — Dessa vez, pelo seu tom de voz, ele não pede, ordena, mas nego com a cabeça.

Miguel desce da sua caminhonete e se aproxima de mim. Tenho vontade de correr, mas minhas pernas não obedecem.

— Preciso buscar meu filho. Ninguém vai me impedir de pegar o Gael. Ele é meu. — Abaixo a cabeça, chorando.

Miguel usa a mão para levantar meu rosto, fazendo-me encará-lo.

— Vamos buscar o seu filho. Agora sobe na caminhonete, não voltamos sem o menino. — O meu coração explode, o seu olhar é frio e ao mesmo tempo intenso.

— Meu filho. — Choro, sem forças.

— Vem. — Estende a mão. — Vamos buscá-lo — volta a afirmar.

Aceito a sua mão e ajuda. Eu confio nele.

REFÚGIO:  Você irá encontrar a paz e o amor no improvável.Onde histórias criam vida. Descubra agora