Capítulo 1

1.1K 70 6
                                    

   É possível ser odiada sem ao menos ter feito nada? Sim, é possível. Eu mais do que ninguém sei disso, e acredite, é triste. Ainda mais quando a pessoa que te odeia é a sua própria mãe.

   - Mais que droga, mãe! Eu já disse que não vou morar com aquele cara que se diz meu pai! - eu disse pela milésima vez.

   - Você vai sim! Arrume suas coisas que seu vôo sai amanhã meio dia! - minha mãe gritou e saiu do meu quarto batendo a porta.

   Eu e ela como sempre estávamos em uma discussão e o motivo dessa é que ela acabou de me avisar que eu iria morar com o meu pai.

   Meu pai nos deixou quando eu tinha cinco anos e sumiu no mundo. Diz minha mãe que ele encontrou outra mulher, que é a que mora com ele hoje em dia. Quando ela me contou eu ainda era muito nova e achava que um dia ele voltaria, mas não, minha infância foi totalmente longe dele, não tivemos qualquer contato e acredite, isso só me fez ter raiva dele.

   Me joguei na cama e pensei nas diversas maneiras de me vingar da minha mãe. Ela sabe que eu o odeio e que sua presença me irrita. Como me mandar pra casa dele?

   Me lembro de quando nos reencontramos. Faz apenas um ano e meio e a primeira coisa que eu disse a ele fora:

- Finalmente resolveu dá as caras? - naquele momento eu sei que ele percebeu o quão grande era a mágoa em meu peito. Ele tentou se aproximar, conversar, mas, minhas respostas eram sempre curtam e eu não via a hora de voltar pra casa. Desde então, ele passou a vir aqui todo final de semana. Não construimos nem um tipo de laço, nem nada, apenas perguntava como eu estava e minha reposta era sempre a mesma:

   - Só estarei bem quando você for embora.

   Isso o entristecia, eu tenho certeza, mas nada comparado com a tristeza que eu senti por tê-lo longe. 

   Me levantei da cama e caminhei grosseiramente até o closet para arrumar as minhas malas. Joguei as roupas dentro das malas com tanta raiva que com certeza chegarão na casa dele todas amassadas.

   Sentei no puff do meu closet e tentei imaginar como serão esses cinco meses, não consegui. Só sei que nada de bom sairá disso. Minha mãe só vai conseguir fazer com que eu sinta ainda mais ódio dela.

   Respirei fundo diversas vezes na tentativa de dissipar a minha raiva e  me levantei decidida a ter uma conversa pacífica com a minha mãe. Já estava mais calma e disposta a ter um conversa decente, então, fui até a sala e a encontrei em seu computador. Me sentei ao seu lado e procurei as benditas palavras para a convencer.

   - Resolveu vir choramingar? - lá se vai a conversa pacífica.

   - Choramingar? Você sabe muito bem que não sou disso. Só vim dizer que você se arrependerá disso.

   - Me arrepender? - se virou para mim e riu. - Vou me ver livre de você por quase meio ano. Eu não poderia estar mais feliz. - me levantei.

   - Você não vale nada. - ela suspirou e se levantou deixando o computador de lado.

   - E você acha que eu não sei disso? - fez uma pergunta retórica. - Por que você não para de me dizer coisas que eu já sei e não me deixa em paz?

   - É claro, mamãe. - sorri. - Só acabei de decidir que não vou. Sinto muito, mas, vai ter que me aguentar. - ela riu.

   - Você acha mesmo que não vai?

   - Acho que você não pode me forçar. - seus olhos ficaram nublados e tenho certeza que havia a deixado com raiva.

   - Sinto muito, minha querida, mas você é minha filha e tem que fazer o que eu quero. - apontou para sí. - E o que eu quero é que você vá morar com o seu pai! Você vai e pronto! - eu sabia que ela não aguentaria tanto tempo sem gritar.

   - Querer não é poder. Sinto muito. - dei de ombros.

   - Não me testa, garota! - falou entre os dentes.

   - Então para de me dizer o que fazer! Você pode até ter me gerado e me dado a luz, mas, você não é minha mãe, você não cumpre tal papel, então não tem o direito de me dizer o que fazer!

   - Vai pro seu quarto, Alana. Antes que eu faça uma besteira.

   - Vai fazer o que? A única besteira que você faz e arrumar um namorado a cada mês. Aliás, o último até que durou, né? Um mês e um dia não foi? - nesta hora foi que eu senti um enorme ardor no lado esquerdo de meu rosto.

   Pela primeira fez ela havia me batido, e acredite, doeu por fora e por dentro. Agora ela não poderia fazer mais nada para me machucar.
  
   Coloquei minha mão sobre o meu rosto.

   - Você vai se arrepender disse, Katie. 

   - Eu pago pra ver. - ela falou bem próxima ao meu rosto e seus olhos emanavam ódio.

   Saí de sua presença e fui para o meu quarto. Meus olhos já estavam completamente embaçados por contas de lágrimas não derramadas.

   Me sentei em minha cama respirando fundo.

   - Eu não vou chorar, eu não vou chorar. - repeti para mim mesma na tentativa de expulsar as lágrimas que queriam descer de qualquer maneira . - O que eu fiz pra merecer isso? - já era tarde de mais. Lágrimas corriam freneticamente pelo meu rosto. Lágrimas de raiva, quentes e grossas.

   Se ela pensa que isso vai ficar assim está muito enganada. Ela passou de todos os limites possíveis e ainda extrapolou.

   Eu estou cansada dela. Mulher mesquinha e mal caráter, egoísta, cobra. Só quer ferrar com a minha vida.

   Tentei secar as lágrimas, porém, foi em vão.

   Ela nunca mais vai encostar um dedo em mim ou eu não me chamo Alana. E pode ter certeza que ela vai se arrepender de ter me dado esse tapa.

    Dormir foi uma tarefa difícil aquela noite. Minha mente estava a todo momento tentando prever o que aconteceria daqui em diante. Eu queria tanto poder viajar no tempo e passar logo por tudo isso.

   A angústia estava me dominando, mas preciso ser forte, afinal, tudo nessa vida tem um propósito e é preciso os cumprir.

   Acordei sem vontade nenhuma de levantar, mas levantei e me arrumei para viver a pior fase da minha vida. Morar com o meu pai.

   Eu realmente não quero ir. E se ele for pior que a minha mãe? Eu não vou aguentar outra Katie em minha vida.

   Observei o meu reflexo no espelho e a minha noite mal dormida estava evidente. Tentei ao máximo disfarçar esse fato, e pronta, desci com minhas malas.

   - Bom dia. - sério que essa bruxa dirigiu a palavra á mim?

   - Um péssimo dia pra você. - ela não me respondeu, apenas voltou a tomar o seu café da manhã e me ignorou. 

   Comemos em silêncio e agradeci belo mau humor da cozinheira não ser refletido em sua comida.

    A ida até o aeroporto foi em um completo silêncio. Acho que minha mãe não ousaria falar comigo agora.

   Quando chegamos, fiz o check-in e faltavam apenas quinze minutos para eu embarcar. Me atrasei um pouco na esperança de perder o vôo, mas, infelizmente não deu certo.

   - Até mais, filhinha. - ela sorriu, virou as costas e se foi.

   Sinceramente, não sei o que eu fiz pra merecer uma mãe como essa. Ela me odeia e sempre fez questão de demonstrar isso. Queria tanto saber o que eu fiz á ela.

   Fui para a sala de embarque e um aperto se instalou em meu peito. Não entendo como pode ser tão difícil pra mim encarar esses meses e não poder fazer nada á respeito disso me frusta.
Tenho a sensação de estar sonhando e de que posso acordar a qualquer momento, mas infelizmente, isso não é um sonho. Tive a confirmação logo depois de ouvir o meu vôo ser chamado. Ponderei um pouco e na terceira chamada eu me levantei e fui para o meu portão de embarque.

   - Sua passagem, senhorita. - o funcionário me pediu e eu a entreguei. - Boa viagem. - sorriu.

- Obrigada. - lhe dei um sorriso e suspirei.

   Olhei para o longo corredor que me esperava e embarquei rumo a uma vida totalmente diferente, sem saber o que esperar dos próximos meses.

Foi por vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora