Depois do Perigo #4 |Série Tambovskaya

Capítulo 10

  Abri os olhos e fecho-os rapidamente. Meus olhos ardem pela luz forte. Quando abro eles de novo eu faço minha visão se acostumar com a luz, sinceramente, não deveriam fazer lâmpadas tão fortes assim. A primeira coisa que eu vejo é Nikolai. Foi instinto, a forma em que meus olhos são atraídos para ele é intensa. O ar parece pesar somente pela presença dele, é como se tivesse uma conexão, uma atração. A postura rígida, o olhar firme. Parece furioso. Idiota, se soubesse a raiva que estou sentindo.

   Mas meus olhos pousam em outra coisa, na verdade são duas pessoas. Jessy e William, ou melhor dizendo, meu pai e minha irmã. Meu cérebro relembra os últimos acontecimentos, Alissa me expulsando do carro, Jessy me ajudando, eu descobrindo que tenho uma família, as dores na barriga. Meu bebê! Toco o volume na minha barriga e deixo algumas lágrimas caírem. Não posso perdê-lo.

— O bebê está bem — Jessy diz, aliviando rapidamente meus temores. Só o pensamento de perder ele já me deixa louca.

  Controlo minha respiração e tento relaxar um pouco. Os olhares esperançosos dos dois deixa meu coração calmo. A notícia foi intensa tanto para mim, quanto para eles.

  A porta abre e uma mulher entra. Ela traz consigo uma prancheta e um medidor de pressão.

— Como se sente, mamãe? — ela pergunta.

— Estou bem. As pontadas que senti...

— Seu pai relatou que você ficou nervosa por alguns acontecimentos. Teve alguma outra frustração? — ela pergunta.

— Fiquei com muita raiva por uma atitude de uma vagabunda qualquer. Mas acho que foi a notícia de ter um pai e uma irmã é que acabou completando a situação.

  Pai, irmã. Palavras que não estavam no meu vocabulário até horas atrás.

  A mulher mede minha pressão e é rígida quando diz que não posso ficar nervosa, nem me exaltar, ou isso vai prejudicar meu filho. Ela me aconselha à ir ver minha obstetra. Ouço tudo com atenção.

  Quando ela sai William se aproxima de mim, parece acanhado, mas estendo minha mão. Ele segura a mão estendida e me abraça. É uma sensação diferente, algo preciso, não controlo mais as lágrimas, deixo tudo sair. Jessy se junta ao abraço e pela primeira vez sinto que está tudo perfeito.

— Vocês tem alguns minutos com ela, depois ela vem comigo — escuto Nikolai falar e a porta se fecha.

  Sozinha com os dois minha mente elabora diversas perguntas.

  Eles se afastam e William beija minha bochecha.

— Você lembra tanto a sua mãe — a voz dele emite dor, amor, alegria.

— Tenho tantas perguntas.

— Contarei tudo à você - ele diz.

  Jessy segura minha outra mão.

— Samuel e eu éramos melhores amigos, fazíamos tudo juntos. Eu sabia que ele era da máfia russa, mas aquilo não impediu nossa amizade. Quando atingimos adolescência eu fui percebendo que ele estava mudando, ele foi ficando mais agressivo com as mulheres. Então eu me mudei para Londres e conheci sua mãe — ele sorri — Ela me enfeitiçou assim que coloquei meus olhos nela. Foi amor à primeira vista. Julie foi teimosa , não aceitava que éramos feitos um para o outro. Mas com o tempo eu consegui domar a fera.

" Foram três anos vivendo com ela até que descobrimos que seríamos pais. Uma menina. Jessy foi a melhor coisa que tinha acontecido em nossas vidas, tudo pareceu melhorar. Até que Samuel Savage retornou. Aqueles foram os piores dois anos que tivemos. Samuel criou um desejo obsessivo pela sua mãe, fazia de tudo para tê-la, mas Julie me amava, nada abalava nosso amor"

— Ele chegou a usar seu status de mafioso para nos intimidar. Ele estava ficando louco, estava sem limites. Em meio à tempestade ficamos sabendo que você viria — ele aperta minha mão e sorri — Compramos as roupinhas, arrumamos o quarto, fizemos tudo.

  Percebo que seu semblante muda rápido. A alegria se foi e agora a dor substituiu.

— Quando Samuel soube da gravidez ele sumiu. Ficamos sabendo que ele tinha ido embora. Nossa alegria cresceu a cada dia, tínhamos uma filha maravilhosa, uma princesa a caminho. No fim do oitavo mês de gestação sua mãe entrou em trabalho de parto. Pegamos a mala e fomos para o hospital. Julie estava radiante.

   Uma lágrima cai pelo seu rosto. Ele continua, mas é notável a dor em sua voz:

— Demorou demais. Eu fiquei impaciente, até que escutei tiros e a cacofonia começou. Meu instinto foi correr atrás da sua mãe. Mas quando cheguei lá eu encontrei dois médicos mortos e ela já quase sem vida. Entrei em desespero, não sabia o que fazer. As últimas palavras da sua mãe foram Samuel  e nossa filha.

" Descobri que ele tinha roubado você e que desapareceu no mundo. Julie morreu por complicações durante o parto. Passei todos os anos procurando você. Gastei milhares e milhares de dólares em busca de informações que no fim não eram nada. Foram anos frustrados, sem saber se você estava bem e viva. Dediquei todo o meu tempo entre a perda da sua mãe, a criação de Jessy e a busca para te encontrar.

— Papai nunca desistiu — Jessy diz — A obstinação dele em te encontrar falava mais alto. Cresci vendo meu pai sofrer, mas por mais que as ações do destino mostrassem que era perda de tempo ele não desistia. Até que ontem encontramos uma garota e bumm! Ela era nossa garota perdida.

  Sorrio. Quem diria que minha vida iria mudar tanto assim. Descobrir quem era e o que tio Samuel fez me deixa enojada. Toda a admiração que tinha por ele se estilhaçou em mil pedaços. O homem que cuidou de mim a vida toda era um monstro, e aquilo dói de mais.

— É muita coisa pra assimilar — falo — Um pai uma irmã, era algo que jamais pensei, mas só posso dizer que estou muito feliz.

— E quanto ao seu amigo? — Meu pai pergunta.

— Ele ameaçou fechar a fundação em homenagem a nossa mãe! Ele é um cretino — Jessy diz furiosa.

— Fundação?

— Criei uma fundação que ajuda deficientes físicos e moradores de rua, coloquei o nome da mãe de vocês. Ela tinha um grande coração e amava ajudar os outros.

Estúpido! Estúpido!

— Vou resolver tudo isso - digo — E então poderemos ter nossa família completa.

  O sorriso deles é enorme. Meu coração volta a sentir uma alegria que há muito tempo eu não sentia.

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