Saí do banheiro após falar com Ana já procurando uma desculpa pra dar pro Manoel. Fui pra sala e o encontrei mexendo no celular. Ele me olhou, bloqueou o celular e deu um sorrisinho logo retribuído.
– Deixa eu te avisar... – Me aproximei dele – Eu vou precisar ir lá em casa, ok?
– Aconteceu alguma coisa?
– Problemas com a minha mãe. – Peguei a minha bolsa que estava na mesa do centro – Eu vou e volto o mais rápido que conseguir, tudo bem?
– É algo sério? Precisa de alguma coisa?
– Não precisa e não é nada sério.
Manoel concordou com a cabeça, dei um beijo nele e saí do apartamento. Peguei meu celular e pedi um carro pra casa da Ana. Minha cabeça estava a mil porque eu não fazia ideia de como ia ser a conversa com a Isa. Eu queria que fosse leve e que no final ela entendesse e o respeitasse como ele merece.
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Não demorou mais que 30 minutos pro carro do uber parar em frente a casa da Ana. Paguei e desci, ainda mais ansiosa do que antes. Toquei a campanhia e não demorou pra Ana abrir a porta.
– Ei... – Deu passagem – Preparada?
– Não.
– Você não acha que isso pode dar muito errado?
– Eu tenho certeza disso. – Ela revirou os olhos.
Dei um sorriso e segui pra cozinha. Eu não tinha tanta intimidade com ela como tinha com a Ana, mas tentaria abusar da pouca que eu tinha pra que a nossa conversa fosse leve, rápida e tranquila. Ela estava sentada na mesa, me viu entrar na cozinha e acompanhou o meu trajeto até a cadeira ao lado. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa a voz dela se fez presente em meus ouvidos.
– Você é lésbica?
– Eu sou bissexual.
– Tá explicado.
– O que?
– O seu rolo com a Manoela?
– Manoel... – Respirei fundo – E uma coisa não tem nada a ver com a outra.
– Não? Então qual é a diferença de orientação sexual e transexualismo? – Ela perguntou.
– O correto é transexualidade, porque o sufixo ismo nesse caso se refere a doença, e travestis e transexuais não são doentes. – Isa levantou a sobrancelha – Mas, respondendo a sua pergunta da maneira mais fácil do mundo: orientação sexual é por quem você vai se sentir atraído, com quem você vai querer transar, namorar e até casar. E identidade de gênero, que é a transexualidade: é como você se sente e vê.– Olhava pra ela enquanto falava pra ver suas reações – Então orientação sexual e identidade de gênero são coisas completamente opostas.
– Como assim, meu Deus?
– Eu posso ser uma mulher transexual e me interessar por mulheres. E no exemplo do Manoel, ele é um homem e se interessa por homens e mulheres. Ele é bisseuxal.
– Mas ela tem uma buceta no meio das pernas, Giovanna. – Falou um pouco mais alto – Ela tem uma buceta, como que é homem?
– Você precisa antes de tudo entender que a genitália que o amiguinho tem não define quem ele é, como ele vai se enxergar e muito menos como ele vai se mostrar para as outras pessoas. – Sorri – Existe homens de buceta e mulheres de pau, e é isso.
– É muito complicado isso tudo... – Suspirou – Eu gosto da Manoela, ela sempre me tratou bem, mas é muito complicado entender.
– Entender alguma coisa que você antes não tinha conhecimento algum é um processo, e tá tudo bem se demorar um pouco. – Isa deu um leve sorriso – Mas, você precisa aprender a respeita-lo.
– Eu a respeito.
– Você respeita a pessoa que achou que ele era. – Me ajeitei na cadeira – Manoel não é uma mina cis, ele é um cara trans e por isso, Isa, você deve usar os pronomes corretos e principalmente, respeitar o seu nome.
– Cis?
– Uma pessoa cisgênero é o Bruno, eu, a Ana, você, e qualquer outra pessoa que se identifica com o gênero que lhe foi imposto quando nasceu. E uma pessoa transexual é quem não se identifica com o gênero que lhe foi imposto quando nasceu. – Ela me olhava – As coisas vão se tornando simples de acordo que você as aprende.
– Eu acredito que sim... – Passou a mão arrumando seu cabelo loiro – Obrigada por vir aqui conversar comigo, eu sei que no começo relutei a entender, mas eu vou procurar aprender mais sobre.
– Não me agradeça. – Dei um sorriso – Eu vim porque gosto de você e principalmente, não quero ninguém machucando o meu menino.
Após toda a conversa que tivemos, me despedi dela com a consciência tranquila e com o coração calmo. Fui até o quarto da Ana, bati e entrei em seguida. Ela estava em frente a mesinha que fica seu notebook, me sentei na cama fazendo ela girar a cadeira pra me olhar.
– Como foi?
– Bem, acredita?
– Eu não ouvi nenhum barulho, nada quebrando então eu acredito. – Riu – Ela entendeu?
– Sim. – Sorri – Agora eu tenho que ir porque ele está me esperando.
– Você vai contar pra ele que veio aqui falar com a Isa?
– Já está tudo resolvido, então não vejo porque contar.
– Isso pode dar problema mais pra frente, Gi, te aconselho a contar.
– Já está tudo bem e vai permanecer tudo bem.
Ana apenas concordou com a cabeça e me levou até na porta, pedi um uber e fiquei conversando com ela até o carro chegar. Nos despedimos quando ele chegou, prometi que mandaria uma mensagem assim que chegasse no apartamento de Manoel. Não muito mais que 35 minutos eu já estava em frente ao seu prédio. Paguei o uber e entrei, ele já tinha liberado a minha entrada então não precisei parar pra falar com o porteiro, apenas o cumprimentei e segui pro elevador.
Eu estava feliz por ter dado tudo certo e mais feliz ainda por estar voltando pra perto dele. Após o elevador abrir, sai e fui até a sua porta. Abri a bolsa e tirei a chave que eu tinha levado. Destranquei e abri a porta. Entrei e deixei a minha bolsa em cima do sofá.
Antes de procura-lo pela a casa, desbloqueei meu celular e mandei uma mensagem avisando que já tinha chegado e que estava tudo bem. Como tinha que estar. Bloqueei ele de novo e deixei junto com a minha bolsa.
– Manoel? – O chamei achando estranho todo o silêncio. Não demorou mais que dois segundos pra ouvir a voz dele de dentro do quarto. Caminhei até a porta, abri com cuidado e entrei – O que você tá fazendo aqui?
– Quase dormindo... – Riu – Como foi lá?
– Tranquilo.
– O que tinha acontecido?
– Minha mãe conseguiu perder a chave, e eu fui levar a minha. – Eu sei que é uma desculpa super ruim, mas é o que tá tendo pra hoje.
– Isso? – Deu uma risada – Não imaginava.
– Pois é. – Ri junto – Ela não quis chamar um chaveiro, preferiu que eu gastasse dinheiro com uber.
Ele apenas riu dando de ombros o que eu tinha dito, sorri vendo ele rir e aproveitei pra me deitar ao seu lado. Sentia uma felicidade genuína, difícil de explicar.
Se o paraíso existisse mesmo pra todos, esse era o meu.
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Nessa fanfic a gente fala sobre um cara transexual binário - minha vivência - mas decidi abrir a discussão sobre: Pessoas trans não-binárias e pessoas de gênero fluido. Confesso que sou meio leigo sobre, por isso estarei compartilhando com vocês dois links de vídeos sobre esses temas.
Genderfluid: https://youtu.be/UZhVNR2UqEM
Pessoas Trans Não-Binárias: https://youtu.be/87jF0M5L7zUÉ isso, até outro dia.
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Stranger.
Fanfiction"Para Manoel, um garoto transexual de 24 anos, o amor não era algo que existiria em sua vida. Após se assumir para os pais como o homem que é e sempre foi, foi expulso. Deixou seu novo e machucado coração criar uma barreira gigante, não queria e nem...