57.

698 50 3
                                    

– O nosso pai morreu.

Fiquei por alguns segundos encarando meu irmão enquanto o que ele disse ecoava pela minha cabeça. Senti o aperto em minha mão aumentar consideravelmente, Henrique me olhava um pouco aflito, esperando alguma reação.

– Quando? – Perguntei e Henrique se ajeitou ainda mais na poltrona.

– Hoje mais cedo.

Eu não estava sentindo nada além de alívio, pra qualquer outra pessoa poderia ser um sinal claro de não tenho sentimentos ou qualquer outra coisa, mas olhando meu histórico conturbado com aquele homem, a única coisa que eu poderia sentir era alívio.

– Como?

– Ele se envolveu em uma briga de bar essa madrugada, foi espancado e esfaqueado, foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos.

– Que ironia, não? – Falei. Chega a ser um pouco cômico.  – Obrigado por avisar.

– Você só vai falar isso?

Henrique perguntou, talvez ele achasse que nesse momento eu teria que ter compaixão ou empatia. Nem que se eu quisesse conseguiria isso e é óbvio que eu não faço questão.

– Eu não tenho o que dizer.

– Eu sei que ele foi muito injusto contigo a vida inteira, mas Manoel, ele é o seu pai. E como filho você deve passar por cima dos problemas que vocês tiveram.

– Se fosse apenas a questão da injustiça eu até tentaria relevar, mas ele fez da minha vida um inferno enquanto eu morava no mesmo teto que vocês três, e isso você sabe muito bem porque era conivente com o modo que ele agia, com tudo o que ele fazia. – Falei firme, mas tentando não ser tão grosso – Não só você, mas a sua mãe também.

Henrique ficou calado me observando e eu aproveitei a deixa para continuar, não queria deixar dúvidas.

– Eu sempre apanhei dos dois por qualquer e pouca coisa, desde demorar pra descer para o jantar até brincar com seus brinquedos. Fui humilhado diversas vezes por ele e por sua mãe, negado a ser quem sou e a me vestir da forma que queria. O seu pai me expulsou de casa, Henrique, sua mãe não fez nada para impedir e você ficou calado. A última coisa que ele fez e que sem dúvidas é a mais cruel, foi me espancar até eu perder a consciência. Ele me fez parar no hospital, eu demorei um tempo até me recuperar por completo, tanto fisicamente quanto psicologicamente.  – Giovanna ainda estava apertando minha mão – Então guarde o direito que você acha que tem de vir aqui em casa pra me falar que eu como filho devo ignorar tudo isso.

– Desculpa, Manoel, eu não queria que você ficasse chateado... – Ele disse.

– Um tempo atrás você me procurou, me pediu perdão e eu aceitei, te coloquei de novo na minha vida, mas não pra você dar pitaco no que eu devo ou não deixar de fazer em relação ao seus pais. Eu sinto muito que tenha acontecido isso, mas... – Parei de falar pra me corrigir – Na verdade eu não sinto muito.

– Eu já entendi... – Henrique falou em um tom baixo – Ele te fez muito mal, é claro que você não iria sentir nada pela a morte dele.

– Eu sinto alívio.

– Alívio? – Ele parecia surpreso.

– Eu me mudei daquele apartamento por causa dele, com medo dele tentar alguma coisa, não comigo, mas com a Giovanna. Por alguns meses eu tive pesadelos quase todos os dias, sempre a mesma coisa, a minha discussão com ele e o início da agressão. Piorou quando sonhei que no meu lugar quem apanhava era ela, eu me desesperei mesmo sabendo que era apenas um pesadelo. Então eu me sinto aliviado porque agora acredito que vou conseguir dormir mais tranquilo sabendo que ele se foi.

– Eu não sabia que você se sentiu assim. – Suspirou – Me desculpa mais uma vez, Manoel, eu não queria te deixar chateado ou me intrometer no que você sente ou deixa de sentir pelo o nosso pai.

– Ele deixou de ser meu pai no momento em que tentou me matar. – Respondi.

– Meus sentimentos, Henrique. – Giovanna que até então permanecia calada, se manifestou – Tudo o que você precisar nós vamos estar aqui pra te ajudar.

– Sim, qualquer coisa, de verdade. – Dei um sorriso – Quem está providenciando as coisas do enterro?

– Nossa mãe, que agora é só minha.

– Ela está bem? – Perguntei por respeito ao Henrique, porque eu não me importava.

– Ela diz que está, mas é nítido que não, sabe? Eu não comentei com vocês, mas eles estavam tentando de novo. – Falou – Era como um namoro e ela estava feliz com isso.

– Ele tinha voltado a morar com vocês? – Minha namorada perguntou.

– Não, mas ia vê-la quase todos os dias.

Concordei com a cabeça sem nenhuma vontade de continuar o assunto, Giovanna pareceu entender o meu silêncio e mudou de assunto.

– Mas falando sobre outra coisa... – Começou pegando a atenção de Henrique pra si – Você vive falando que vai trazer sua namorada pra gente conhecer, mas nunca fez isso.

– Nossa, é verdade... – Riu, pela primeira vez – Mas temos um problema, que é o motivo pra esse encontro não ter rolado ainda.

– E qual é?

– Ela é fã de vocês. – Falou, pegando nós dois de surpresa – Ela assistiu malhação e quando vocês deram vida ao casal... – Fez uma cara confusa  – Qual é nome o do casal mesmo?

– Limantha. – Respondi e me fiz de ofendido – Você é o meu irmão, como tem a audácia de não saber?

– Você não me julgue, Manoel... – Riu – Eu assisti a novela, mas sou desligado pra essas coisas de jovem.

– Olha, a decepção veio.

– Veio pra mim também. – Giovanna fez bico – Sai da minha casa.

– Sua casa? – Henrique perguntou.

Mais uma coisa que ele ainda não sabia, não por não querer contar, mas porque foi tão natural que não contamos pra mais ninguém além da minha sogra e alguns dos nossos amigos que fizeram malhação com a gente.

– Sim, minha casa. – Gi me olhou, como se procurasse permissão pra contar, concordei com a cabeça e ela continuou – Estamos morando juntos tem quase um mês.

– Que coisa boa, gente. – Sorriu – Eu estou realmente feliz por vocês, tanto que vou ignorar o fato de que não me falaram.

– Desculpa a gente... – Falei e fiz bico – Foi tão natural que a gente nem percebeu.

– E como tá sendo morar juntos? – Perguntou e me olhou – Vai enrolar até quando pra pedir ela em casamento?

– Começou... – Revirei os olhos – Muda o disco, irmãozinho.

– Seu irmão tem razão, Manoel, você não ouse me enrolar muito.

– De jeito nenhum, amor... – Dei um selinho em minha namorada – Mas respondendo sua pergunta, morar juntos está sendo bem legal, tirando a rotina louca de gravações que estávamos tendo e tudo mais.

– E tirando a parte em que o nosso sexo diminuiu consideravelmente. – Gi falou – Se a gente faz 3 vezes na semana é muito.

– Não é bem assim. – Olhei pra ela indignado – Não diminuiu tanto assim não, amor.

– Não, Manoel? – Me olhou mais indignada que eu – Tem três dias que a gente não transa, porque quando não sou eu cansada é você.

Fechei os olhos levemente constrangido até ouvir a gargalhada do meu irmão, olhei pra ele e ele estava tentando segurar a risada.

– Desculpa... – Colocou a mão na boca.
– Mudando de assunto de novo, pelo amor de Deus... – Me ajeitei no sofá – Sua namorada não sabe que somos irmãos?

– Ela sabe que eu tenho um irmão, mas não faz ideia que seja você. – Riu – Eu ouço ela falar de vocês em malhação e fico controlando o riso.

– Você tem que contar pra ela, cunhado. – Gi falou.

– Eu prefiro ver a cara de choque dela quando verem vocês.

– Você é mal, ein? – Falei rindo.

Henrique riu também e disse que precisava ir embora ficar com a mãe, não queria deixá-la tanto tempo só. Concordamos e levamos ele até a porta, nos despedimos após marcarmos algo no mês que vem. Ele iria apresentar a namorada pra nós dois.

– Você está bem? – Gi perguntou assim que fechou a porta.

– Sim, amor, porque?

– Só pra ter certeza... – Ela envolveu seus braços em meu pescoço – Vamos aproveitar um pouquinho?

Tomei os lábios de Giovanna com vontade e me deixei ser guiado pela a mesma até o quarto, onde iríamos aproveitar super bem o resto da tarde e o início da noite...

Stranger.Onde histórias criam vida. Descubra agora